Francisco tirou um curso na Guild of Professional Butlers, em Inglaterra, onde teve como mestre Robert Watson, que trabalhou para Madonna e Michael Jackson. Hoje, lidera a equipa de mordomos e está ao serviço das três vilas do Vila Vita Parc, um mega resort de luxo algarvio situado em Porches, Lagoa. Enquanto um quarto “normal” começa nos 400 euros, uma noite numa das moradias, com três suites, piscina e jardim privativo, custa 3 mil euros. O preço justifica quase todos os mimos.
“Basta falarem connosco e tudo acontece”, garante o mordomo. “Mesmo os pedidos mais extravagantes.” E há-os de todos os tipos, como o de um cliente habitual russo que ligou a dizer que ia sair de casa para jantar no Ocean (o restaurante duas estrelas Michelin do hotel, liderado pelo chef austríaco Hans Neuner), por azar fechado nesse dia. “É uma pessoa que vive num mundo muito seu, só anda de jato privado e em carros Mercedes Classe S… Respondeu-me: ‘Ótimo, assim fico com o restaurante só para mim’.”
Francisco reuniu a equipa à pressa para o servir. O russo vinha acompanhado do filho, de um amiguinho e da ama de ambos. Pediu ainda um mágico para atuar durante a refeição e um espetáculo de fogo-de-artifício no final. “São pessoas que telefonam e dizem: ‘Quero’, sem perguntar quanto custa e sem esperar ‘não’ como resposta.” E pagam perto de 20 mil euros, por uma noite única. Sem pestanejar.
Mais barato mas não menos insólito foi o pedido de um hóspede escocês que sentiu o súbito desejo de comer um determinado cheesecake feito em Nova Iorque. Face à urgência, só encontraram uma solução: comprar um bilhete de avião para o bolo. O capricho ainda mantém o recorde da sobremesa mais cara alguma vez servida por ali.
Não importa o preço
A alguns quilómetros de distância, junto da praia da Galé, em Albufeira, o Vila Joya representa o outro lado da moeda do luxo e da exclusividade. Quem passa pelo portão dificilmente imaginará que, por detrás daquelas altas sebes, se encontra o “melhor boutique resort europeu”, com apenas 20 quartos, entre os quais oito suites, eleito nos World Travel Awards de 2011.
A diária oscila entre 580 e 2 500 euros e inclui o jantar. Para quem não está hospedado, a refeição fica entre 150 e 165 euros. Uns e outros têm à disposição mais de 20 mil garrafas de vinho, algumas delas a custar mais de 4 mil euros. Este verão, podem comer na Mesa do Chef, na cozinha do austríaco Dieter Koschina, por 190 euros. Além das duas estrelas Michelin, o restaurante foi eleito o 45.º melhor do mundo – é a estreia de Portugal na lista dos World’s 50 Best Restaurants.
Por estes dias, o Vila Joya está praticamente cheio, mas, à exceção de um ou outro hóspede que preguiça no relvado, junto da piscina, não se vê viv’alma. “Não estamos propriamente na cama com o cliente”, diz o holandês Justin Ultee, responsável de marketing. “Damos-lhe todo o espaço e só nos compete estar atentos.”
Atentos e obrigados, escreva-se. No mundo dos hotéis de cinco estrelas há boas histórias para contar sobre caprichos satisfeitos. “Temos um cliente sofisticado e com poder de compra que não procura o luxo desmesurado, mas sim um serviço personalizado”, acredita Pedro Marques, diretor do Quinta das Lágrimas, em Coimbra. “Para ele, o preço não importa desde que tenha o que quer.”
Daí que quando os responsáveis deste hotel ouviram um hóspede pedir a cama de casal coberta de pétalas de rosas selvagens, quando não as havia em Portugal, não hesitaram: importaram-nas da Holanda. O cliente não podia ficar defraudado na surpresa que queria fazer à sua mulher.
A Quinta das Lágrimas tem uma aura a que poucos escapam. Pedro Marques conta que muitos brasileiros, agora endinheirados, pedem jantares românticos nos jardins que, no século XIV, assistiram aos amores de Dom Pedro e Inês de Castro. Quando descem à terra, não perdem uma ida à Vista Alegre nem um festim de leitão assado e espumante, na Bairrada.
Desligar do mundo
A gastronomia e o vinho parecem ser a âncora do turismo “de bem receber”, no Centro e Norte do País. Bem no Douro Vinhateiro, na paisagem classificada pela UNESCO Património da Humanidade, está a Quinta da Romaneira, gerida pelo grupo Maisons des Rêves. Situada perto de Alijó, no coração de 400 hectares de vinhas, é tão única como o riad Dar Ahlam ou o acampamento no deserto marroquino, idealizados por Thierry Teyssier.
Quando abriu, em 2004, esta casa dos sonhos oferecia um pacote mínimo de um dia, com pensão completa, por mil euros. Hoje, o conceito mudou e uma noite custa 390 euros ou quase o dobro, se incluir almoço ou jantar. Cada refeição é quando o cliente quiser e onde quiser. Idealmente, os hóspedes nunca se cruzam uns com os outros. “Quando vêm para aqui, as pessoas querem privacidade e descanso”, reforça o diretor, Jean-Luc Lalanne. “E querem desligar-se do mundo.” Por isso, também não há televisão em lado nenhum.
Já houve quem alugasse a quinta toda para uma festa de casamento. Os convidados ocuparam as 21 suites e alguns terão tido tempo de usar o hammam e as duas piscinas. A exclusividade custou, pelo menos, 20 mil euros e mais não se diz. Falar de dinheiro não é bon chic bon genre.
Descendo pela estrada do Pinhão em direção à Régua aproximamo-nos do luxuoso Aquapura Douro Valley. Num final de tarde quente, a piscina é o atrativo mas o spa também está cheio, apesar de certos quartos funcionarem quase como uma extensão do spa – é o caso da suite panorâmica com jacuzzi, que custa entre 600 e 700 euros por noite.
Muitos dos clientes são grandes apreciadores de vinho, logo querem visitar quintas. Seguem os conselhos da “bíblia” Wine Spetactor e as críticas de Robert Parker. São exigentes. “Só quero conhecer vinícolas com mais de 97 pontos”, pedem. Mas, na memória dos empregados, ficam, sobretudo, momentos divertidos, como a festa de aniversário de um casal de russos que moram em Londres. Trouxeram convidados e até artistas. Quiseram tudo numa tenda transparente, no jardim. E tiveram-na, of course.
Experiências ‘fora da caixa’
No lisboeta Bairro Alto Hotel, um boutique hotel com vista para o Tejo, e quartos a começar nos 200 euros, também se segue a máxima “tudo se pode arranjar”. E tudo pode ser comprar um anel de noivado e mandar gravar “amor eterno”, em português, a pedido de um americano que queria surpreender a namorada, no terraço do 6.º andar. Ou, à uma da manhã, pôr o chef pasteleiro a reconstruir um bolo especial que uma alemã encomendara para oferecer ao namorado e deixara cair na rua, entre o Teatro São Carlos e o hotel.
Quando se fala de luxo, o serviço pretende-se personalizado. “Não existe um standard“, lembra Nuno Antunes, diretor de marketing e de vendas do Bairro Alto Hotel. “Cada cliente é um cliente e nós temos de surpreendê-lo.” No campo das experiências, oferecem-se programas “normais”, diz, como o Almoço gourmet na Baía de Cascais, numa lancha de 22 metros, com capacidade para oito pessoas. O preço: 4 250 euros (mais 150 a 250 euros por uma garrafa de champanhe).
Mas a aposta está nos programas feitos à medida. São muitos e muito diferentes, garante, com uma risada. “Se eu fosse contar-lhe, os outros copiavam-nos…” Sem preços nem pormenores, podemos escrever que este hotel tem um pacote exclusivo com Sofia Aparício, e que a ex-modelo e atriz leva os hóspedes a galerias de arte ou a ateliês de moda, como o de Filipe Faísca ou o da dupla Manuel Alves e José Manuel Gonçalves.
No Hotel da Penha Longa, em Sintra, além de uma vivência de luxo aposta-se em conceitos fora da caixa. “O nosso serviço tem de ser inimaginável”, diz David Martinez. O diretor recorda com especial prazer um dos pedidos de casamento que ajudou a organizar para um casal de ingleses, que incluiu limusine no aeroporto, passeio de charrete, morangos e champanhe no jacuzzi, jantar confecionado pelo chef na suite e anel de noivado no bolo. Cada uma das 27 suites da Penha Longa (entre 300 e 2 500 euros), tem um mordomo 24 horas por dia, com telemóvel de contacto. Mas qualquer hóspede pode contar com o quarto de que mais gosta, as almofadas de um determinado feitio e as músicas preferidas, no sistema de iPod. E se tiver trazido o seu animal de companhia, haverá cama e brinquedos, menu especial, taça com o nome do bicho e serviço de mordomo para passeá-lo, dar-lhe banho ou cortar-lhe o pêlo.
Cinco estrelas de chinelos
Ali perto, no Tivoli Palácio Seteais, onde os quartos “básicos” rondam os 240 euros, a equipa de experiências tenta adivinhar desejos e preferências logo à chegada. Tem grande saída o pacote Sintra by air, meia hora de helicóptero pela costa, com regresso a sobrevoar os monumentos e champanhe na aterragem, nos jardins do palácio (560 euros, para duas ou três pessoas), havendo quem opte por almoçar na Comporta (o preço depende do menu). Mais terrenos são o passeio de side-car, do Cabo da Roca aos Capuchos, por exemplo (a partir de 130 euros), e o piquenique com vista, de charrete e cesto à antiga (à volta de 250 euros o casal).
Trezentos quilómetros a sul, a paisagem e a natureza são um dos trunfos do Martinhal Beach Resort & Hotel que se anuncia como “o melhor resort da Europa para famílias”. Situado nos arredores de Sagres, em pleno Parque Natural da Costa Vicentina, é normal ver ali coelhos e raposas, e, em vez de canteiros floridos e relvados, vegetação endógena nos jardins.
O hotel tem 38 quartos e duas suites e a village tem 200 vilas. Aqui, luxo significa espaço e tempo. Há algo mais exclusivo do que ficar num cinco estrelas e poder surfar em praias desertas? O conceito de “luxo descontraído” sente-se ao entrar no quarto, onde o hóspede tem à espera uns chinelos de enfiar o dedo.
‘Podia calar as rãs, por favor?’
Diz-se que dormir sob o céu do Alentejo é um luxo, mas nunca o conceito foi levado tão à letra como no L’And Vineyards, o mais novo hotel de cinco estrelas da região, perto de Montemor-o-Novo. A culpa é das sky view suites, onde a Promontório Arquitetos colocou tetos amovíveis sobre as camas. As suites são dez, custam entre 280 e 310 euros e estão sempre lotadas.
Existe ainda uma segunda linha de casas, as land view, 22 suites com diárias de 230 a 450 euros. A vista para a vinha deve ser inspiradora. Em setembro, são muitos os hóspedes que participam na apanha das uvas. “É interessante ver este mercado pagar para trabalhar”, diz, com humor, o diretor geral, Duarte Cunha.
Outras propostas são as visitas guiadas por um historiador a Évora ou Monsaraz ou o passeio de balão, com partida às 6 da manhã, quase sempre lotado, apesar de uma hora para duas pessoas custar 270 euros. Mas não vale a pena inventar muito. “Oferecemos um luxo tranquilo, com um serviço não intrusivo”, sublinha Duarte Cunha. A maior parte dos hóspedes quer apenas estar em paz e tranquilidade, usufruir do espaço. “São pessoas viajadas e, naturalmente, exigentes, mas que ficam impressionadas com pormenores, como receber uma garrafa de boas vindas, com o seu nome no rótulo.”
Por vezes, também ficam surpreendidos com o coaxar das rãs, à noite, ou o chilrear dos pássaros, mal o sol nasce. “Já houve uns poucos que se queixaram, mas quanto a isso nada podemos fazer. Afinal, estamos no Alentejo…”