Quando Tom Ford o viu entrar, sorriu e comentou: “Tenho de fazer alguma coisa com o teu cabelo!” Chamou dois assistentes para o ajudarem e lavou ele próprio a cabeleira afro de Luís Borges, antes de lhe fabricar uns caracóis largos com o babyliss. Na sala estava já Max Motta, e o estilista norte-americano queria que os dois manequins parecessem irmãos, apesar de o brasileiro ser loiro, de olhos azuis. Uma vez domado o cabelo do português, só precisou de descobrir se estaria à vontade em poses muito femininas e exageradas. Estava, no problem.
Brincar ao faz de conta é o passatempo preferido de Luís. É isso que o diverte e motiva quando está mais cansado; é isso que o leva a devorar revistas de moda, à cata de inspiração e ensinamentos. “Se um fotógrafo me diz: ‘Quero isto, quero aquilo’, pelo menos já sei as bases e não fico parado. Sei que, agora, se usa mais o rapaz no feminino, encarno uma personagem, mexo-me, procuro as posições.”
Escreva-se que o encontro com Tom Ford deu origem a uma campanha fotografada pelo estilista himself que revela um Luís sensual, num registo a milhas do dj adotado pela família Hilfiger que aparece novamente na campanha ainda fresca, nas páginas das revistas. Na família fictícia imaginada por Tommy Hilfiger, o manequim português dá nas vistas com o seu cabelo mais afro do que nunca, entre raparigas e rapazes louros que parecem passar as tardes a jogar ténis nos Hamptons.
Dá nas vistas mas encaixa-se bem. “O Obama veio revolucionar o meio”, diz, acabado de chegar da Semana da Moda, em Nova Iorque, onde desfilou para DKNY, Tommy Hilfiger, Custo Barcelona e General Ideia. “Antes de ele ser eleito, era mais difícil trabalhar com negros, sobretudo em Portugal.”
Adotado em bebé
Negros, diz ele, embora de negro só tenha o cabelo. Um cabelo que odiava em miúdo, mas que agora é a sua imagem de marca e o ajudou, aos 22 anos, a entrar diretamente para o 37.° lugar do Top 50 dos manequins masculinos, o ranking do site de referência models.com, consultado pelos estilistas e stylists de todo o mundo. Luís é o primeiro a admiti-lo: “Estão na moda os andróginos e os diferentes.”
O cabelo não será o único segredo do seu êxito lá fora, mas pede uma explicação: é herança da mãe, cabo-verdiana, que o deixou à guarda da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, quando foi deportada, tinha ele dois meses. Do pai pouco sabe, nem o nome, apenas que era um marinheiro sueco, bonito, loiro e alto, com quem Maria Teresa manteve uma relação intermitente, durante dois anos. Com um ano, foi adotado por um tio paterno, João Borges, e a sua mulher, Maria do Céu Semedo, mudando-se para Castelo Branco. No bilhete de identidade, chama-se, por isso, Luís Filipe Semedo Borges. Em casa, tem três irmãos mais velhos, Olga, Gisela e João.
Aos 8 anos, soube que era adotado, mas continuou a olhar os tios como pais e nunca quis conhecer pessoalmente a mãe biológica. Com os primos-irmãos cultiva uma relação umbilical, sobretudo com Gisela, a grande culpada de ter começado a pisar passarelas. Em 2007, foi ela quem o inscreveu no concurso Elite Model Look e mentiu aos pais, quando o mano mais novo precisou de ir ao casting, a Lisboa.
Luís tinha 19 anos, media 1,88 e enchera o cabelo de gel para disfarçar o volume. Ao vê-lo, a diretora-geral da Elite Portugal, Ana Borges, enche-o de expetativas; há de, aliás, contratá-lo por seis meses, apesar de não ter chegado à final do concurso. Entusiasmado, e contra a vontade dos pais, ela cabeleireira, ele reformado, Luís larga o estágio que estava a fazer como técnico de apoio à gestão e troca uma existência certinha em Castelo Branco pela incerteza da capital.
Nasce uma estrela
Adeus amigos, adeus jogos de Bubbles no café Altius e conversetas no Picolino. Olá Massamá, depois Benfica e Bairro Alto, olá empregos precários na Stradivarius do Colombo e na Gardénia do Chiado. Será um ano e picos a dobrar quilos de roupa e a atender clientes para sobreviver, com um anúncio do BES e uma Moda Lisboa pelo meio.
Ao fim de seis meses do contrato com a Elite, bate à porta da Central Models e é logo agenciado. Com sorte, trabalha de três em três semanas, mas não desiste. “Estavam sempre a dizer-me que era giro, que era diferente… Tinha o feeling de que ia conseguir.” Será, porém, preciso ir a Paris para ver a sua carreira descolar.
A história conta-se em poucas linhas e começa quando Luís trabalha como rececionista no salão de estética de Eduardo Beauté. Aproveitando uma ida a Paris do então apenas amigo, pede ao seu booker português, Mário Oliveira, para lhe marcar reuniões em agências. E fica à primeira, na MGM, a maior da capital francesa.
Três meses depois, chamam-no para fazer os castings para a Semana da Moda, em Paris e, como por magia, é disputado pela YSL, Hermès, Dior Homme. Karl Lagerfeld, que tem a musa inspiradora, Baptiste Giabiconi, no número 1 do Top 50, exige a sua exclusividade.
A Paris segue-se Milão, Nova Iorque; depois da MGM, é agenciado pela DNA (Nova Iorque), Next London (Londres), Elite Milan (Milão), Mega Model Agency (Hamburgo) e 2pm (Copenhaga). Lá fora, é tudo diferente, aprendeu num instante. Os estilistas são muito ciosos dos seus modelos, os jornalistas conhecem-lhes os nomes, nos desfiles os fotógrafos não se limitam a apontar as objetivas para os VIP, a assistência suspira, aplaude, cochicha. Luís descobre que adora sentir o público, os olhos postos em si.
Agora que está no Top 50, onde lhe elogiam a boa disposição e o estilo rock ‘n’ roll, fica triste quando vê fotografias suas nas revistas cor-de-rosa portuguesas com a legenda: “Luís Borges, o companheiro de Eduardo Beauté.” Revira os olhos. “Hello?! Já viram o meu trabalho?”