A 23 de Novembro de 2002, uma reportagem realizada pela jornalista Felícia Cabrita deu origem a um dos processos mais mediáticos de sempre, o caso Casa Pia. Três anos depois do início do julgamento, a história parece não ter fim. Foram precisos apenas dois dias, após a reportagem, para que o motorista casapiano Carlos Silvino da Silva (Bibi) fosse preso, sendo este o principal arguido de um caso que envolveu figuras públicas como o apresentador de televisão Carlos Cruz, o embaixador Jorge Ritto e o médico João Ferreira Diniz. Dos sete arguidos do caso, constam também o advogado Hugo Marçal – que chegou a representar Bibi -, Manuel Abrantes – ex-provedor adjunto da Casa Pia – e Gertrudes Nunes – a dona da casa de Elvas onde terão ocorrido os abusos de menores. O julgamento, que teve início a 25 de Novembro de 2004, incluiu também como arguidos o humorista Herman José – acusado de acto homossexual com adolescentes -, e o ex-ministro socialista Paulo Pedroso – indiciado por abuso sexual de menores. Pedroso ainda esteve preso preventivamente, mas acabaram ambos por ser ilibados pela juíza de instrução Ana Teixeira e Silva. Em finais de Julho de 2007, o julgamento foi pela terceira vez para férias judiciais de Verão. Por essa altura, ainda faltavam ouvir cerca de duzentas testemunhas, para além das 678 já interrogadas. A lentidão processual tem sido alvo de muitas críticas, nomeadamente por parte dos advogados que, apesar disso, reconhecem que se trata de um caso muito complexo, sendo necessário tratá-lo com as devidas precauções. Já a ex-provedora da Casa Pia, Catalina Pestana, declarou ao semanário Sol de 13 de Outubro de 2007, que acredita que a demora esteve relacionada com as reformas do Código Penal (CP) e do Código de Processo Penal (CPP) – em vigor desde 15 de Setembro – que vieram trazer leis penais alegadamente mais brandas. Considerando estas reformas uma reacção legislativa ao processo Casa Pia, a ex-provedora critica principalmente que um crime em que são contabilizadas as vezes que uma vítima é abusada passe, à luz do novo código, a ser considerado como um crime continuado de abuso sexual. Novo escândalo à vista Antes da entrevista, Catalina Pestana já tinha denunciado ao Sol e à jornalista Felícia Cabrita novos indícios de abusos sexuais envolvendo a instituição. Em entrevista ao semanário, afirmou não ter “dúvidas nenhumas de que ainda existem abusadores internos” na instituição, tendo também participado as suas suspeitas ao Procurador-Geral da República (PGR), Pinto Monteiro, que ordenou a abertura de um inquérito-crime. A ex-provedora declarou ainda ter “fortes suspeitas de que redes externas continuam a usar miúdos da Casa Pia de Lisboa para abusos sexuais”, o que levou à indignação do Conselho de Ex-Alunos da Casa Pia. O ex-aluno da Casa Pia Pedro Namora, corroborou posteriormente as afirmações de Catalina Pestana, o que levou a que os alunos fossem ouvidos pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa. A actual presidente do Conselho Directivo da Casa Pia, Joaquina Madeira, garantiu, a 10 de Outubro, não ter vestígios de novos abusos sexuais na instituição, mas cinco dias depois admitiu, no programa da RTP “Grande Entrevista”, que face à recente suspensão de um educador, há “indícios de suspeitas de abusos sexuais envolvendo alunos da instituição”. Sublinhou, no entanto, que não havia provas conclusivas, não sendo por isso possível afirmar a existência de tais abusos. Já o Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, afirma que “não existe caso Casa Pia dois nenhum”. Na entrevista que concedeu à última edição da VISÃO, Pinto Monteiro refere que “todas as denúncias que nos chegaram estão a ser investigadas pelas vias normais. Tudo o que recebi até hoje foi enviado para a secção do DIAP, que trata destes assuntos. Não houve nenhum despacho meu, até agora, a não ser esse”. O Procurador-Geral da República confirma que existem, neste momento, “eventuais ilícitos penais em investigação”, realçando, no entanto, que face aos elementos de que dispõe, “não há razão para alarme social”. A “cabala”Há cerca de uma semana, Paulo Pedroso foi ouvido em tribunal – desta vez como testemunha – declarando que, enquanto governante, nunca teve “a tutela directa da Casa Pia”, sendo que, à excepção de Manuel Abrantes, só conheceu pessoalmente os restantes arguidos até ter sido envolvido no caso. O ex-ministro frisou igualmente não conhecer qualquer dos jovens que o acusaram de práticas de abusos sexuais – a quem processou judicialmente -, bem como nunca ter participado “em orgias sexuais de qualquer tipo”, nem ter estado em nenhum dos locais onde alegadamente houve abusos de menores. Acusou ainda o procurador João Guerra de tentar “forçosamente” conduzir o exame pericial que lhe foi realizado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal. O envolvimento de Paulo Pedroso no processo Casa Pia revestiu o caso de cariz político, alimentando a ideia da teoria da “cabala”. A este respeito, a testemunha negou alguma vez ter pedido a alguém que fizesse pressão para o favorecer. O processo principal da Casa Pia deu origem a outros processos, cujos julgamentos decorreram mais rapidamente, nomeadamente de calúnia e difamação. Mais de 30 alunos da Casa Pia, alegadas vítimas de abusos sexuais, receberam indemnizações do Estado português, no valor de cerca de 50 mil euros cada uma. NúmerosO caso Casa Pia, que teve quarta-feira a sua 350ª audiência no Tribunal da Boa-Hora em Monsanto, soma já 1.320 despachos proferidos e 1.520 requerimentos apresentados, tendo o processo principal 214 volumes e um total de 49.600 páginas. Segundo o tribunal, já foram admitidos 981 indivíduos no processo, entre os quais estão 920 testemunhas, 32 alegadas vítimas, 18 consultores técnicos, 10 peritos e a legal representante da assistente Casa Pia de Lisboa. De acordo com a mesma fonte, permanecem 47 pessoas por ouvir, numa altura em que os volumes do processo principal totalizam 214, com cerca de 49.600 folhas. O processo conta actualmente com 504 apensos. A instituição perdeu cerca de 1700 alunos nos últimos cinco anos, correspondente a mais de um terço dos alunos. Entre os novos projectos que pretendem inverter esta situação, está o processo de desmassificação, que tem como objectivo substituir o modelo tradicional de acolhimento de alunos em grandes lares fechados e dentro do espaço dos colégios, pela colocação dos jovens em pequenas residências.
5 anos de Casa Pia

Faz esta sexta-feira cinco anos que o escândalo da Casa Pia veio a público e ainda não se conhece o seu desfecho. Para já, novas suspeitas de abusos sexuais ameaçam reeditar o caso