Quando a pandemia veio e tudo levou, Sérgio Oliveira, o Palhaço Mix de Baguim do Monte, não teve outro remédio: deixou o trabalho de rua e virou-se para a “fidelização de clientes” em talhos, peixarias e frutarias.
Isabel Lima, de Viana do Castelo, lá vai reciclando estes tempos através do design, dos bordados e das tradições. Paulo Soares, músico de baile, fez o último espetáculo no Dia da Mulher do ano passado. Agora recebe pouco mais de 200 euros por mês e não sabe o que virá: “Ou morremos à fome ou fazemos como muitos colegas que dão cabo da vida noutras andanças”. Também por isso, considera que a Ministra da Cultura só deve lembrar-se “dos que levam alegria ao Portugal profundo quando acorda bem-disposta e canta o Apita o Comboio”.
Fábio Pinto, “da região das Fogaças”, ligado a grupos folclóricos e recreativos de Santa Maria da Feira, admite que, este ano, alguns já não consigam resistir à crise, à falta de receitas e à desagregação dos recursos humanos. Até porque, exemplificou, “ninguém imagina quanto custa manter uma viola braguesa afinada” nestes tempos silenciados.
Filipe Silva já organizou de tudo: espetáculos de comédia, festas em discotecas, produção de festivais. Quando percebeu que a pandemia veio para ficar, lançou uma empresa de comunicação onde até conseguiu um contrato com a estrela televisiva Cristina Ferreira. “Estou a ganhar o mesmo que ganhava”, admite. “Mas não é o que mais gosto de fazer”.
Nuno Várzea, técnico de iluminação, som e palco, viu a sua vida de 80 espetáculos por ano reduzida…a quatro. Élio Silva, animador cultural, conseguiu fazer 13 dos 57 eventos que tinha agendados e reinventou-se, com ajuda da Câmara de Felgueiras e do comércio local. Os matrimónios é que lhe deram um nó que não desata. “Também faço animação de casamentos, mas conheço noivos que já adiaram a cerimónia três vezes. Até dizem, na brincadeira, que não sabem se ainda vão casar…”.

Estes são alguns dos dramas da “minoria esquecida”, nas palavras da estudante de música e trombonista Francisca Silva, que foram relatados no fórum online “A Cultura não Pode Parar” promovido quinta, 21, a partir da sua residência pelo candidato Vitorino Silva. O conhecido “Tino de Rans” falou pouco, mas ouviu lamentos de sobra. E ainda quis saber se os cidadãos, apesar destes tempos aziagos, ainda se riam, numa analogia com o RIR, nome do seu movimento: “Ó Sérgio, tu que és palhaço, diz-me: o povo anda triste?”, perguntou. “As pessoas estão com medo, incapacitadas”, admitiu o interlocutor, sem mascarar a situação. “E nós estamos congelados, esquecidos”, referiu ainda Sérgio “Mix” Oliveira, aproveitando para reforçar afirmações recentes do cantor José Malhoa a propósito da situação que se vive nestes meios artísticos: “Enquanto não destruirmos o esquema de dar dinheiro aos amigos, não vamos a lado nenhum”.
Vieram à baila outros casos: discotecas que, “se calhar”, já não vão abrir, apoios que nunca chegam, gente que pensa sair de Portugal em busca de oportunidades e até as histórias de DJ´s como Pedro Ferreira a quem a necessidade de pôr comida na mesa obrigou a procurar emprego numa fábrica. “Deitava-me quase sempre às seis da manhã, agora levanto-me às cinco e meia…”. De resto, até foi esgrimida a ideia de uma marginalização do País real em benefício dos mais influentes no meio, graças à força “do condado de Lisboa”. Vitorino Silva conhece alguns dos convidados do fórum por ter participado em eventos e animações culturais por eles organizadas. Ele sabe que não basta dar palco “ou estar na linha da frente com o microfone”. Por isso, se a sua voz chegar a Belém, garante que não vai apagar a luz a este sector. “Os políticos não podem meter uma máscara na Cultura”.