Foi um constante voltar à casa de partida, com Vitorino Silva a apostar na estratégia em continuar a falar da maneira e do tema que bem entende, no debate na RTP 3, contra Ana Gomes. Tal como tinha acontecido com Marisa Matias, na terça-feira, e ainda que não dê qualquer deixa para que a conversa flua do outro lado da mesa, Tino marcou de alguma forma a cadência da conversa, ouvindo da socialista o lamento por este ter saído do PS. O candidato admitiu que tudo seria diferente se António Guterres, a quem deu o abraço há 20 anos que o tornou conhecido, voltasse.
Ana Gomes tentou insistir em algumas propostas com que tem vindo a acenar, como uma necessária reforma do Estado e uma lei de emergência sanitária, que possa evitar o recurso excessivo ao estado de emergência. E até admitiu que talvez a data das eleições possa não ter sido bem pensada, dada a segunda vaga de covid-19 que era expectável – mas um tema trazido à colação por Tino.
Porém, ao comparar-se a uma rainha de Inglaterra e a propor a mudança do Palácio de Belém para Mogadouro, tal como contra Marisa, Tino acabou por reverter o objetivo destes debates. Ou, então, não. Se calhar é esta estratégia do homem que já era socialista antes de Ana Gomes entrar no PS.
As frases que marcaram o debate:
Estado de emergência
ANA GOMES
“Tenho criticado o estado de emergência porque não considero que se possa banalizar a cobertura legal para as medidas [restritivas]. Já houve mais do que tempo para fazer uma lei de emergência sanitária. Aliás, há pouco ouvi ao presidente que está a ser preparada pela provedora, mas que não se devia fazer a quente. Já lá vão oito meses [desde o começou da pandemia]
“O estado de emergência é um estado excecional. Estamos numa urgência sanitária mas não estamos a suspender a democracia e o Estado de Direito. É bom que não haja confusões. Já houve mais do que tempo para o Parlamento passar uma lei de emergência sanitária, que colmatasse as insuficiências das lei de bases da saúde e a da Proteção Civil”
“[Mas] Não gabo a responsabilidade a responsabilidade quer do primeiro-ministro, quer do presidente da República de tomarem as decisões que se impõem.”
“Há coisas que se devem melhorar. Não faz muito sentido acumular as pessoas todas, de manhã, nos supermercados.”
Contexto: Ana Gomes tem questionado a necessidade da declaração do estado de emergência nos moldes em que tem sido feito, criticando o facto de os partidos não terem criado um mecanismo legal nos últimos meses que respondesse à crise pandémica.
VITORINO SILVA
“Hoje temos que ser mais duros. Os políticos são eleitos para decidirem, para terem pulso. E às vezes, sinto, que não têm pulso. Estes oito dias são uma vergonha, porque é que não puseram 15 [de estado de emergência]?”
Eleições em pandemia
VITORINO SILVA
“Houve um calceteiro aqui há um tempo atrás, que trabalha um ano inteiro. O calceteiro sabe que em agosto trabalha a 35ºC e no inverno, a -2ºC. E sabe que faz muito mais frio em janeiro e agosto. Claro, que os politicos, que andam sempre de vidros fumados, fechados dentro dos gabinetes, não sabem a temperatura em janeiro e agosto. E um calceteiro disse: a pior coisa que podem fazer é marcar as eleições para janeiro.”
“As eleições deveriam ter sido adiadas. Temos que nos lembrar dos idosos, das pessoas que mais defenderam a democracia, que nunca se abstiveram. Aquelas que têm 80 anos são quem fez o 25 de Abril. No dia das eleições é no dia em que saem à rua. Acham que algum idoso de 80 anos […] o Marcelo não ia votar, é uma pessoa de risco”.
“Faz sentido fechar as pessoas em casa e haver eleições?”.
“Os emigrantes deviam ter a possibilidade de poder votar.”
Contexto: Para o presidente do partido RIR a ida às urnas deveria ter sido marcada para uma data posterior devido à expectável segunda onda de Covid-19.
ANA GOMES
“Essa questão poderia se ter colocado antes. De fato, o anúncio das eleições foi tão tardio. Aliás, vamos ficar no anedotário mundial por termos aquele boletim de voto [impressos com o nome de um candidato que não foi aprovado pelo Constitucional].”
“Gostaria que houvesse medidas de fundo tomadas pela Assembleia da República para facilitar o voto por correspondência aos emigrantes,”
Contexto: Ana Gomes aludiu ao erro que a Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna cometeu, ao mandar imprimir os boletins eleitorais antes de se saber quem eram os candidatos aprovados pelo Palácio Ratton por cumprirem as regras da lei eleitoral.
Plano de vacinação
VITORINO SILVA
“Quando estávamos ali a entrar, puseram-me a pistola na cabeça [o termómetro digital] e deu 36,7ºC. Sangue frio. Estou mesmo preparado para estes debates. E não tenho medo de ser o último a ir para a fila da vacina”
Passado de Vitorino
ANA GOMES
” Tenho pena que o Vitorino tenha saído do PS. O Vitorino é um lutador pela democracia e estas lutas têm de se fazer num partido”.
VITORINO SILVA
Não sei onde se pode votar. Mas [se puder] voto no nosso Guterres”.
Contexto: Vitorino Silva não passava do autarca Tino, eleito em Rans, quando ficou conhecido a nível nacional por dar um abraço a António Guterres, na altura líder do PS e primeiro-ministro.
Gerigonça
ANA GOMES
“A gerigonça mostrou que havia alternativa. E com os fundos europeus que aí vêm, é uma grande oportunidade para termos um desenvolvimento sustentável”.
“Porque fez bem ao país. Porque estávamos no tempo [viemos do tempo] da ditadura da TINA (There Is No Alternative), e eu acredito mais no Tino. Na TINA não acredito.“
VITORINO SILVA
“Consigo prever o futuro: as pessoas que defenderam a gerigonça (PS), agora com os Açores isso aconteceu? Ficaram mal na fotografia os dois: o PSD por ter criticado o Costa e o PS [por criticar o PSD]. s vezes é conversa demais e ação de menos [dos políticos]. É preciso por a ação à frente da conversa.”
Reforma do Estado
ANA GOMES
“O Estado pode ser magro onde pode ser magro. Não concordo que o Tribunal de Contas tenha 600 funcionários em Lisboa. Deveria estar espalhado e a ajudar os autarcas que têm de tomar decisões em questões de proximidade, de investimento, de apoio aos mais necessitados. Precisamos de uma reestruturação administrativa do país que se traduza numa descentralização e que prepare a regionalização.”
VITORINO SILVA
“Se fosse presidente da República mudava o Palácio de Belém para Mogadouro.
“As pessoas da terra do Marcelo vão a hospital a 80 quilómetros, que não tem ressonância [magnética]. Acho que nós os dois juntos [Tino e Marcelo] vamos conseguir que Hospital de Penafiel tenha uma ressonância magnética”.
Reformas estruturantes
ANA GOMES
“Não há necessidade de 41% do orçamento do Serviço Nacional de Saúde ir para os privados.”
“Hoje há muita gente que não paga impostos em Portugal. Precisamos de uma reforma fiscal. Ainda há pouco tempo um estudo dizia que Portugal perdia mil milhões de dólares por ano para as off-shores.”
VITORINO SILVA
“Nunca vi um político a processar a natureza.”
“[Após Ana Gomes lembrar a luta de Guterres contras as alterações climáticas] Estive lá, em Nova Iorque, nas Nações Unidas. Podia tocar à campainha e subir [para ir ao encontro de Guterres]. Não subi. Temos andando desencontrados.”
Temas dispersos
ANA GOMES
“Não fiz nada de ilegal, não passei à frente de ninguém. Não tirei a vacina a ninguém, pelo contrário. Fui eu que tomei a iniciativa para denunciar que não havia vacinas, com jovens a tomar e idosos sem vacina”.
Contexto: A ex-eurodeputada defendeu-se assim da compra de uma vacina da gripe que fez, através de uma amiga em França, e cuja toma publicitou nas redes sociais.
VITORINO SILVA
“Se eu fosse comentador e tivesse um quarto do seu palco [de Ana Gomes], primeiro, a minha grande causa era a violência doméstica, porque o respeito começa em casa.”
“Tinha a vacina para tomar na câmara do Porto, mas quando vi que havia problemas de vacina, dei a minha vaga.”
“Dizem que não posso ser presidente por ser calceteiro. Não sei se já viu aquela série, a “Coroa”? A rainha de Inglaterra está há 70 anos no poder e não tem o 9º. ano. Tem o 6.º, foi mecânica na II Guerra Mundial.”