Em campo estiveram 11 candidatos – uma conjunto desigual, que, ao longo de duas horas, esgrimiu, como pôde, argumentos em contra-relógio. O debate dos partidos sem assento parlamentar, transmitido pela RTP e RTP3, deu a conhecer, em linhas gerais, as bandeiras de cada força política que irá a votos no próximo dia 30 de janeiro, mas – como habitualmente – também ficou marcado por momentos peculiares (alguns mesmo caricatos).
A discussão em torno da pandemia trouxe à tona os discursos negacionistas de três partidos: ADN, Ergue-te e PCTP/MRPP, que, de uma ou outra maneira, se dedicaram a negar ou a desvalorizar a Covid-19. Oportunidade para Bruno Fialho protagonizar um dos momentos mais divertidos: “Os testes PCR só servem para aqueles que não querem ir jantar a casa da sogra. Para mim não, que eu gosto muito da minha. Daqui vai um beijo para a dona Fernanda”, afirmou.
Pelo meio, houve muita bicharada: um elefante, três tubarões e ainda a “coelha Acácia”.
Um apagão – que deixou o estúdio às escuras e obrigou a interromper o debate durante um quarto de hora.
A revelação de um homicídio.
O coma do amigo Tó de Vitorino Silva (o Tino de Rans).
Dois partidos (Ergue-te e MPT) que tentaram debater com quem não estava na sala.
Outros dois (ainda) a tentarem dar o pontapé de saída, porventura, na esperança de um dia entrarem no campeonato dos “grandes”: Aliança e Volt.
E ainda uma prestação que promete tornar-se viral: a de Renata Cambra, representante do Movimento Alternativa Socialista (MAS).
A VISÃO conta o que se passou e destaca os melhores momentos e frases:
Aliança
O projeto político fundado, em 2018, por Pedro Santana Lopes, apresenta-se “descalço” nestas Legislativas. Sem tempo, o partido avança em apenas sete círculos eleitorais. Portanto, o presidente Jorge Nuno de Sá, ex-PSD e antigo líder da JSD, consciente do momento, aproveitou para fazer as apresentações: “O Aliança está no coração da direita”, refere, descrevendo-se como “nem muito liberal, nem muito conservador”.
Ao ataque, criticou, sobretudo, a má gestão feito pelo Governo PS dos recursos do Estado, nomeadamente na área da saúde. “Já tivemos várias bazucas ao longo da história, mas o dinheiro não foi aproveitado”, disse, afirmando que, como sintoma deste problema, surge o facto de que, nos últimos anos, “não houve um aumento qualitativo do setor da saúde”. Por isso, neste caso,Jorge Nuno de Sá abre porta ao setor privado “sem preconceitos ideológicos”: “O importante é resolver os problemas de quem precisa”, afirmou. Em 2019, o Aliança teve 40 mil votos – caso fosse eleito, a primeira medida seria “descongelar a carreira dos enfermeiros”.
A FRASE: “O Aliança é um projeto recente. Não sei se se afirmará nos próximos 15 dias ou nos próximos 15 anos, mas veio para ficar”.
PCTP/MRPP
Mária Cidália Guerreiro repete a candidatura de 2019 – depois do afastamento do partido do histórico Garcia Pereira, em 2015. Neste debate, a representante do PCTP/MRPP insistiu na toada antissistema: repetindo, várias vezes, que as Legislativas de 30 de janeiro são “eleições burguesas”.
Entre as medidas apresentadas, pouco (ou nada) de novo: “A recuperação da independência económica e financeira do país, assim como a sua soberania orçamental, fiscal, aduaneira e monetária”, são as linhas que tecem os principais pilares da candidatura. Explicações mais aprofundadas, essas, ficaram reféns do tempo – quase sempre a meio, inacabas.
A grande novidade trazida para o debate pelo PCTP/MRPP foi o discurso negacionista em relação à pandemia: “Não sei se esse dado [ sobre a morte de cerca de 19 mil pessoas vítimas da Covid-19] tem o rigor que deveria ter”, respondeu a candidata. Mas, também aqui, a explicação ficou para a próxima.
Houve, porém, ainda tempo para Maria Cidália Guerreiro apresentar medidas concretas: “Revogar o contrato de trabalho fascista, defender a reforma aos 60 anos ou 35 anos de trabalho remunerado e o fim do trabalho precário”. Questões laborais que encaixam como uma luva no ideário do partido.
A FRASE: “Não sei se esse dado [ sobre a morte de cerca de 19 mil pessoas vítimas da Covid-19] tem o rigor que deveria ter”
RIR
Vitorino Silva, ou melhor, Tino de Rans – como é mais conhecido –, manteve o registo que habituou os portugueses: falando-lhes cara a cara, como um deles. “Sou 100% SNS”, resumiu o candidato, na primeira intervenção.
O candidato do RIR quis também prestar uma homenagem aos profissionais de saúde que “têm salvado a vida de muitos milhares de pessoas” durante a pandemia. E aproveitou a oportunidade para contar a história do “amigo Tó”, que esteve 38 dias em coma e que, por isso, não lhe atendia o telemóvel. “Um dia liguei-lhe e ouvi o hino”, recordou, de um jeito muito próprio. Conquistada a atenção, culminou: “Milagre!”.
Confiando na popularidade – e depois de ter conseguido somar mais de 150 mil votos nas Presidenciais de 2016 –, Vitorino Silva prometeu “investir no futuro dos jovens”. E, se for eleito, propõe “aliviar a carga fiscal aos portugueses”, tendo até já escolhido um número mágico: 10%. “Quero 10% de redução das portagens, 10% dos impostos sobre os combustíveis e 10% do IVA na restauração”. “É a favor da descarbonização e quer descer o preço dos combustíveis?”, perguntou o moderador Carlos Daniel. O mundo não é perfeito, lamentou Tino.
A FRASE: “O meu amigo Tó esteve em coma 38 dias. Ligava-lhe e ele não me atendia”.
ERGUE-TE
José Pinto Coelho debateu com dez e mais um… O adversário ausente tem nome: Chega, a quem o Ergue-te disputa eleitorado – e a quem, tavez, Pinto Coelho culpe pela perda de dez mil votos nas Legislativas de há dois anos. “Somos o único partido antissistema português, que não se sufraga este regime de Abril”, disse, inaugurando uma nova modalidade radical… à direita.
Por conteúdo ou forma, o candidato do Ergue-te conduziu quase todas as suas intervenções para o tema da pandemia – para a negar, primeiro, ou para negar a sua gravidade, no compêndio de outras doenças, depois, e após uma intervenção espantada de Carlos Daniel. “Farsa”, “tirania”, “ditadura sanitária” foram alguns dos adjetivos utilizados para descrever a Covid-19.
Em relação a ideias? “Fazer tábua rasa deste sistema”.
As prioridades? “Travar a substituição demográfica”, que alega estar a ocorrer na Europa (e, pelos vistos, em Portugal). “Queremos alterar a lei da nacionalidade: só será português quem for filho de portugueses”, pois o Ergue-te defende que outra “receita” estraga partilha e respeito por “valores identitários”.
A FARSA: “Isto [a pandemia] é uma grande farsa”.
MPT – Partido da Terra
Pedro Soares Pimenta também levou a dsputa para fora do estúdio… Neste caso, o alvo de todas as críticas foi o PAN: “Nós não somos radicalistas”, disse, numa referência ao partido liderado por Inês Sousa Real. “Ambientalista [o PAN]?”, questionou. “Um partido que aprova grande parte dos projetos do partido [PS] do Governo, que tem aniquilado todas as políticas ambientais e de apoio às populações?”, questionou, outra vez, agora de forma retórica.
Para além do campeonato “quem é mais amigo do ambiente”, o MPT – partido fundado por Gonçalo Ribeiro Telles – criticou ferozmente a “gestão dos recursos” feito pelo Estado, dando como (mau) exemplo a “gestão da pandemia”, responsabilizando o Executivo de António Costa.
Pedro Soares Pimenta aproveitou ainda para enumerar algumas “das muitas propostas” que constam do programa do partido: “Reduzir os impostos. Reforçar efetivamente o SNS. E fiscalizar e minimizar a economia paralela”, foram algumas delas.
A FRASE: “Nós não somos radicalistas [referindo-se ao PAN]”.
Nós, Cidadãos
Protagonizou um dos momento da noite: ao admitir as condições que justificariam a “extinção” do próprio partido que representa. Joaquim Afonso explicou: “Nascemos de movimentos civícos, para garatir representação aos cidadãos independentes. Se os cidadãos independentes passarem a poder ser eleitos para a Assembleia da República, extingue-se a função do partido”.
Mas antes que isso aconteça, o presidente do Nós, Cidadãos foi-se apresentado ao eleitorado, desfraldando a bandeira que privilegia: “Queremos quebrar o ciclo de corrupção que gira à volta do Parlamento”, afirmou. Joaquim Afonso aproveitou ainda o “tempo de antena” para lançar críticas ao Governo pela gestão da pandemia; para logo depois encher de elogios Gouveia e Melo, camarada de armas na Escola Naval (cursos de 1979 e 9180, segundo o próprio candidato), na resolução da “trapalhada”.
As prioridades também ficaram gravadas: “Maior coesão territorial. Para isso, temos de repor benefícios fiscais às populações do interior e criar pólos universitários no interior para fixar jovens”, afirmou.
A FRASE: “Se os cidadãos independentes passarem a poder ser eleitos [para a AR], extingue-se [o partido].
ADN – Alternativa Democrática Nacional
Bruno Fialho esteve a debater à distância, sozinho numa sala… Sozinho, não. Na verdade, o candidato do ADN – um partido novo, que não é o ex-PDR de Marinho Pinto, e que apenas quer esquecer o passado (como, aliás, sempre recorda no presente) – esteve acompanhado por “um elefante [de peluche] na sala”, que pretendia simbolizar o grande tema (e único) do momento para o candidato: a pandemia.
Bruno Fialho, que não foi a estúdio porque se “recusou a fazer o teste” – que a RTP, segundo o próprio Carlos Daniel, nem sequer exigiu aos candidatos –, dedicou todas as suas intervenções à Covid-19, utilizando o discurso negacionista que partilha com muitos dos mandatários que escolheu para esta campanha (que, por sua vez, partilham as suas opiniões em abundância nas redes sociais).
Resumindo: não acredita nos testes, que, segundo o próprio, “só servem para aqueles que não querem ir jantar a casa da sogra”. “Para mim não, que eu gosto muito da minha. Daqui vai um beijo para a dona Fernanda”, disse. E não acredita no número de infetados e muito menos nas mortes registadas. “A pandemia é apenas uma fraude, inventada com objetivos político-financeiros pelos governos à escala global”, garantiu. Como sabe? Descobriu, um dia, quando “ainda andava a dormir” como a maioria. Depois: “Acordei! E quando acordamos a revolta é ainda maior”.
Depois de lançar críticas aos partidos com assento parlamentar, que considera cúmplices na “retirada de liberdades e garantias dos cidadãos” – incluindo o partido do “dono da coelha Acácia”, numa referência a André Ventura –, aproveitou a última declaração para anunciar, com estrondo, qual seria a sua primeira medida quase fosse eleito: “Decretar o fim da pandemia!”. Já não era sem tempo.
A(S) FRASE(S): “Existe um elefante na sala”; “Acordei! E quando acordamos a revolta é ainda maior”.
Juntos Pelo Povo
De traço local, o JPP apresentou-se no debate com ideias bem consolidadas – e, a par do MAS, Élvio Sousa foi quem melhor conseguiu passar a mensagem.
Ideologicamente, o partido com raízes no município de Santa Cruz, na Madeira, assumiu-se próximo da direita liberal, apostando na redução da carga fiscal para empresas e pessoas; e na contratualização de acordos com os privados em setores fundamentais, como a saúde. “Não temos barreiras ideológicas [em relação aos privados]”, referiu.
Sem entrar em diálogos diretos, como alguns dos seus colegas, Élvio Sousa aproveitou o tempo ao seu dispor da melhor maneira, apresentando prioridades: “A redução fiscal para empresas (IRC), emagrecer a despesa do estado, subir progressivamente o salário mínimo sustentado e a manutenção da Segurança Social para garantir reformas e pensões”.
A quebra nas receitas do Estado (na sequência da quebra de impostos) não retira, porém, o foco da meta final do JPP: “Reduzir a dívida pública”. Como? “É possível, cortando nas gorduras do Estado”, assegurou Élvio Sousa.
A FRASE: “Não temos barreiras ideológicas [em relação aos privados]”.
PTP
O programa do Partido Trabalhista Português (PTP) tem pouco mais de uma página… Talvez por isso, Amândio Madaleno tenha levado para o debate uma história de um alegado crime de homicídio, de um homem de 52 anos, ocorrido no Estabelecimento Prisional de Alcoentre, no passado dia 10 de janeiro. “Consta que existem provas que foi assassinado”, disse o candidato. Como chegámos aqui, ninguém percebeu (mas a pergunta referia-se ao setor da saúde)…
Foi desta forma errática que Amândio Madaleno prosseguiu. E foi assim que “saltou” da prisão de Alcoentre para as águas quentes do oceano – um qualquer onde existam tubarões, não um, mas três, que o PTP se propõe a “pescar”: José Sócrates, António Costa e André Ventura. Como chegámos aqui, também ninguém percebeu…
Depois de um diálogo “acalorado” (e caricato) com José Pinto Coelho, que acusou o “toque” depois de Amândio Madaleno pedir penas de prisão para crimes de racismo, o candidato do PTP – que tem esperança de eleger José Manuel Coelho na Madeira (e apresenta, com orgulho, um cabeça de lista de etnia cigana pelo círculo de Setúbal) – ainda teve tempo de colocar prioridades em cima da mesa: habitação e aumento do salário mínimo para os 1.000 euros.
A FRASE: “Consta que existem provas que foi assassinado”.
MAS – Movimento Alternativa Socialista
Renata Cambra, representante do MAS, foi a grande figura da noite – a sua prestação (adulta) destacou-se pela positiva e promete tornar-se viral. Falta saber o reflexo nas urnas, para um partido que, em 2019, foi o menos votado (com pouco mais de três mil votos)
A jovem professora, de apenas 30 anos, aproveitou, da melhor maneira, a oportunidade para se dar a conhecer (e ao seu partido), conseguindo enumerar, na medida certa, algumas das propostas do MAS para estas Legislativas. Direta, clara e coerente, Renata Cambra não tremeu nas perguntas mais complicadas – destacando-se a resposta à questão sobre se viabilizaria um Governo PS, caso estivesse nessa posição: “A prioridade é impedir um Governo de direita, mas não damos cheques em branco”, esclareceu.
Crítica da esquerda parlamentar (PS, BE e PCP), Renata Cambra assumiu-se como alternativa (ainda mais) à esquerda, afirmando que “só é possível impedir Governo de direita ou extrema-direita com uma esquerda combativa no Parlamento (…) [e] isso deixou de acontecer”.
Dando voz à tradição do MAS, a candidata por Lisboa assumiu uma posição (mais) radical: “[BE e PCP] Dizem que é preciso mais dinheiro para a saúde, mas não dizem onde o dinheiro está, que é nos empresários que roubam. Temos de ir onde está o dinheiro: nas offshores“. E prosseguiu nas principais bandeiras desta campanha: “A prisão para quem rouba o país, permitindo usar esse dinheiro para aumentar pensões e reformas; o fim das offshores; revogar os 14 contratos de exploração mineiro assinado pelo Governo; revogar as leis laborais da troika, para podermos apostar na semana de trabalho de quatro dias”.
Prova superada.
A FRASE: “Só é possível impedir Governo de direita ou extrema-direita com uma esquerda combativa no Parlamento (…) [e] isso deixou de acontecer”.
Volt
O Volt estreou-se nas Autárquicas, no ano passado, e não esperava encontrar-se tão cedo numa corrida para a Assembleia da República. O primeiro partido português transfronteiriço quis começar por se dar a conhecer e, para tal, o líder Tiago Matos Gomes puxou dos galões: uma câmara municipal (Coimbra), em coligação; e presença de deputados no Parlamento Europeu e nos parlamentos da Holanda e Bulgária, recordou.
“Não somos um partido de causas, mas um partido com causas. Temos um projeto projeto para a sociedade”, afirmou. No enanto, a estreia em TV foi curta para o que se esperava – europeísta, humanista e progressista, a mensagem de Tiago Matos Gomes percorreu pelas questões nacionais, não conseguindo transmitir, de forma perceptível, o projeto diferenciado para a criação de uma Europa federada. “Não podemos ficar na soberania do século XIX”, disse, porém, meio envergonhado, sem concretizar as eventuais qualidades de uma alternativa.
Quanto a propostas fortes, enumerou: “A aposta na habitação acessível; a descarbonização da Europa até 2040; e a aposta na energia nuclear”. O tempo, no entanto, chegara ao fim.
A FRASE: “Não somos um partido de causas, mas um partido com causas”.