Quem passasse pelas nove da noite à porta do Capitólio, junto à Avenida da Liberdade, acreditaria que o espetáculo da sala do Parque Mayer estava no intervalo. Os militantes jovens do Bloco de Esquerda podiam muito bem ser espectadores de um concerto, àquela hora a desentorpecer as pernas, com a ajuda de um copo reciclável cheio de cerveja, a €1,5 no bar. Um ou dois cigarros, conversas acesas que criam um bruááá muito mais ruidoso do que o ambiente de cortar à faca do interior.
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Inês Amaro, 38 anos, chegou nessa altura, mas não ficou lá fora. Com a bandeira vermelha do partido enrolada no pau, está de olhos cravados nas TVs. E comenta para o lado, mesmo que não conheça quem a ouve, enquanto esmiúça o sobe-e-desce dos partidos mais pequenos: “Prefiro o PP à IL.”
Embora vote Bloco de Esquerda desde que tem idade legal para o fazer, quase inaugurando o próprio partido, Inês estreou-se em comícios apenas há umas semanas. Foi no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa, que lhe deram a bandeira que agarra agora com convicção. Guardou-a para hoje, mesmo que os resultados não lhe sorriam tanto quanto desejaria. “Já estivemos pior, agora estamos em quinto lugar”, constata, antes de vir a ser desmentida pelos totais nacionais.
“Deputado racista”
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A intérprete de língua gestual portuguesa, Sofia Fernandes, recebe uma mensagem curta ao ouvido e aproxima-se do palco. Significa isso que Catarina Martins estará quase a surgir na sala, talvez esteja à espera que Jerónimo de Sousa acabe de falar. Lá fora, largam-se as cervejas, apagam-se os cigarros. O intervalo acabou – a agitação toma conta da sala.
Inês senta-se então numa cadeira na última fila do lado esquerdo, com a bandeira pronta a desfraldar-se, Catarina assume o palanque pelas dez e meia e recebe uma ovação de cerca de um minuto. “É uma derrota.” “É um mau resultado.” “É um dia muito difícil.”
A coordenadora nacional do partido compromete-se “com quem trabalha” e lamenta o crescimento da extrema direita, especialmente do Chega. “Um deputado racista no parlamento é sempre um deputado a mais.” A sala levanta-se em peso, Inês incluída, embora não ganhe coragem para dar vida à sua bandeira. “Não passarão”, junta antes ao uníssono, de punho erguido.
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A defesa do SNS e de um salário digno são as palavras-chave do discurso de derrota que demorou apenas três minutos mais perguntas. Catarina Martins também repetiu que o Bloco não “faltará ao seu mandato” e que “assumirá todas as responsabilidades”. E reforçou a expressão “deputado fascista” para gaudio da assistência.
A simpatizante Inês Amaro aplaude com força e ânimo, sem nunca mais pensar em abrir a bandeira. No final assume que não quis sobressair da plateia contida: “Ninguém trouxe, não ia ser a única”. Seria ela única a acreditar que a noite seria um espetáculo?