Aos poucos, a palavra vai passando e a praça António Augusto de Aguiar, em Évora, enche-se de gente. As bandeiras fazem-se mostrar, enquanto se espera pelo início da arruada do Chega. André Ventura chega 37 minutos depois da hora marcada, já as luzes coloridas da fonte, junto ao teatro, estão acesas.
A população, maioritariamente jovem, acumula-se junto ao triângulo de lona que anuncia, de um lado, a peça Às Três Pancadas, de António Torrado, e do outro, o ciclo de concertos da Quaresma. Mas ninguém repara na oferta cultural da cidade alentejana. Está tudo mais preocupado em arranjar bandeiras para a multidão e elas estão guardadas na mala de um carro.
“Ventura vai em frente, tens aqui a tua gente!” É com este cântico que o líder é recebido, curiosamente igual a um dos que se entoaram a Luís Montenegro na sua arruada em Faro, na semana passada – com as devidas alterações de nome. Logo aqui, à saída do seu carro oficial, Ventura desata aos beijinhos e nunca mais há de parar.
Até à mítica Praça do Giraldo – talvez a mais curta distância percorrida até agora, em ações de rua -, o líder do Chega, ao lado de Rui Cristina, o seu maior trunfo da região, por ter virado costas ao PSD para dar a cara por este partido mais radical, é seguido por cerca de 150 pessoas, algumas delas, muitas, sem idade para votar.
É o caso de Rita, de 15 anos, que se dirige, sem vergonhas, a André Ventura, com uma folha que rasgou dos seus apontamentos, para lhe pedir um autógrafo. “Para a Rita, com um beijinho”, escreveu Ventura. E logo a seguir, repetiu a dose para a sua irmã gémea, Joana, que não conseguiu ir à arruada. Rita nem sabe bem o que sente e tem dificuldade em justificar este gesto, que costuma ser dirigido aos nossos ídolos. “André Ventura luta por Portugal. É o partido com que mais me identifico. O meu pai também vota Chega”, revela.
“Ventura, faz-me um filho!”
Mas não se pense que são apenas os mais novos que entram na histeria de estar perante alguém que conhecem das televisões e que admiram. Mira Godinho, 62 anos, e Carlos Viegas de Almeida, 63 anos, um reformado da hotelaria, outro empresário, também acabam de furar a forte segurança para chegar à fala com o presidente do Chega, “Estou felicíssimo!”, não esconde Carlos, ainda a olhar para o telemóvel em que ficou registada a foto que tiraram ao lado do “Doutor Ventura”. “Eu disse-te que íamos conseguir”, atira a Mira Godinho. Ambos confessam que vão publicar a relíquia nas redes sociais, captada já no final da arruada, mesmo antes de Ventura voltar ao resguardo do seu carro.
Mira Godinho, alentejano, que antes votava no CDS, já afinou o discurso com o do partido, dizendo que é preciso “acabar com esta gente esquerdalha, que anda a roubar constantemente. Temos de mudar Portugal”.
Ao longo do caminho, ouve-se “Ventura, amigo, o Alentejo está contigo”. E veem-se carrinhos de bebé, pessoas de muletas, mães e pais com crianças ao colo, que assim as levam a abraçar Ventura, mirones à janela, apoiantes à porta de lojas e de restaurantes, muitos telemóveis a filmar, miúdas de lágrimas nos olhos a la Beatlemania, uma mulher sexagenária a gritar: “Ventura, faz-me um filho!”
Só por uma vez, nos deparamos com uma boca aberta de espanto e, mais à frente, com um dedo do meio levantado, em voto de protesto pela caravana que passa.
“E salta, Ventura, e salta Ventura, olé!” E ele salta, bate palmas, ri e conversa com quem o rodeia. Está visivelmente satisfeito com a forma como lhe está a correr a arruada. “Senti que as pessoas estavam a pedir mais rua. E foi uma receção fantástica, uma grande massa de apoio, sobretudo jovem. Há uns anos, Évora não era a nossa casa, mas agora sentimo-nos confortáveis em todo o País”, afirmou Ventura para as câmaras que o seguiram pelas ruas da cidade, como um enxame.
Aproveitou a deixa, depois de fazer um apelo ao voto, sobretudo para a faixa entre os 18 e os 35 anos, que é aquela que apresenta taxas mais altas de abstenção, para garantir, “com 99% de certeza”, que haverá um acordo com a AD. “Se Montenegro não o quiser, terá de sair.” Quem o tirará de lá?, perguntam-lhe. “Ai, isso não sei, eu não sou.”
O casamento do Chega com o Alentejo
A Quinta Nova de Degebe, em Galhetas, a 10 minutos de Évora, é descrita, no site casamentos.pt, como “um sítio muito bonito e encantador, que oferece condições de excelência e requinte para a celebração de um dia único. Aqui, poderão festejar com os vossos convidados e guardar memórias especiais e magníficas de um dia que será, certamente, histórico e marcante!”
É este o local que o Chega escolheu para finalizar o dia na região. E embora não se trate de um casamento, visto de fora, e descontextualizado de uma campanha eleitoral, bem poderia sê-lo. A sala tem 26 mesas para convidados, a uma média de oito a dez pessoas por cada uma, é fazer as contas… O bruáá que contamina o ambiente é prova evidente da quantidade de alentejanos que aqui comparece para apoiar o partido de extrema-direita.
A festa estava marcada para as 20h, e Carlos Magno Magalhães anunciou-a, ainda em Évora, como uma muito boa refeição. Antes de começarem a servir os pratos, já há croquetes, rissóis e pastéis de bacalhau para picar, além dos queijos e enchidos alentejanos, como não podia deixar de ser.
“Vamos recebê-lo de pé, bandeiras lá em cima, é o nosso André Ventura!” A voz que sai do microfone é de Ricardo Pinheiro, 54 anos, e a sua história já a contámos no texto sobre o almoço de hoje. Ele entra pela porta principal e vai logo direto ao palco, com Rui Cristina pela mão. O hino do Chega, que faz lembrar um cântigo religioso, ecoa em pano de fundo.
Jay-C, de quem também já demos conta no texto linkado no final desta prosa, volta a cantar para a plateia, desta vez sem óculos azuis, e com o som francamente mais alto. Escolhe duas músicas orelhudas – Carta, de Tiago Bettencourt e When You Say Nothing At All, de Ronan Keating, mas não obtém grande feedback, a não ser de uma mesa que comenta, em tom jocoso, que isto mais parecia uma sessão de karaoke.
“Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha”
A hora é de comer, que o jantar daqui a nada fica frio. Comecemos pela sopa de legumes com crutons, que depois ainda há bacalhau com espinafres e gambas e pernil assado no forno, que se desfaz na boca, junto com umas migas como só se apanham no Alentejo. Pela primeira vez, nesta ronda de almoços e jantares, a refeição tem dois pratos, mesmo a la casamento. Um brinde a isso, com Reguengos, Seleção.
O ambiente casamenteiro, de vinho a jorrar pelos copos a acompanhar um demorado jantar, só é interrompido por mais um momento musical, a cargo do já expectável Jay-C. Um casal, mais ousado, levanta-se e dança, animado. A Cabritinha, de Quim Barreiros – em homenagem à presença do cantor pimba no comício de encerramento da campanha – leva a sala a acordar do torpor causado pela refeição. Depois, Ricky junta-se ao palco, a puxar pelas centenas de apoiantes, e acabam em duo, com a música Dalinda, de Alex Mica. É então que todos, os da mesa de honra, se põem a dançar uns com os outros, em jeito de baile da aldeia.
A ronda de discursos começa logo a seguir. Maria Conceição Rosa, número 3 da lista por Évora, fala da “verdadeira alternativa de mudança” e elenca um rol de “desgraças”, em que inclui, por exemplo, a “ideologia de género”. Acaba a citar Fernando Pessoa, ou algo parecido com o que o escritor disse: “O Homem pensa, Deus quer e a obra avança” (na verdade é Deus quer, o homem sonha, a obra nasce) torcendo ainda mais o sentido para uma frase sua: “Nós pensamos, se Deus quiser vamos ganhar.”
Um discurso igual a tantos outros
A apoteose geral dá-se segundos antes de Ventura chegar ao palco. Imediatamente, põe-se a elogiar o “melhor deputado do PSD”, em alusão a Rui Cristina que acabara de falar, já meio rouco, lembrando que se sentiu sozinho no momento em que virou mais à direita.
“Nós viemos para ficar e vamos vencer as eleições”, atira o grande líder, antes de entrar com nova frase-forte: “O nosso crescimento nasce da insatisfação do povo português.” Daqui para a frente, evocará “as elites”, os “tachos” e desfiará um rol de insultos que não poupa ninguém: de Carlos César – a quem já se tinha dirigido no comício do almoço – a Cavaco Silva, passando, claro, pelo “neto do sapateiro”.
Quem nunca ouviu André Ventura dizer que está “cansado de viver num País em que quem trabalha ganha menos do que quem não trabalha” é por que não está atento às frases-feitas que tanto usa para excitar as hostes. Já quase no final da sua preleção por um Portugal que não retém os jovens, como Rita Matias, que também foi a Évora ouvir o seu líder, cometeu a gaffe da noite, ao contar que, nessa tarde, uma jovem de 15 anos lhe pedira: “Salve Portugal da democracia… (risos) dos socialistas!”
Depois da clamação do rei-sol, ao som de Conquistador, dos Da Vinci (outra vez…), que põe a sala ao rubro, já perto da meia-noite, a campanha segue na estrada, até sexta-feira, 8, Dia da Mulher, terminando com o Quim Barreiros, a cantar no palco da Praça do Município, em Lisboa, depois de uma arruada pela capital. Haverá cruzamentos com a marcha feminista, que nesse dia se manifesta Avenida Almirante Reis abaixo?