Como se fosse uma lição de História, e porque “é importante ter memória”, Durão Barroso começou a sua intervenção no comício da Aliança Democrática (AD), em Santa Maria da Feira, nesta sexta à noite, por recordar os tempos em que esteve à frente da presidência da Comissão Europeia (CE, entre 2004 e 2014). Mais precisamente, os anos em que Portugal viveu uma crise financeira e económica e o governo socialista pediu a intervenção da troika. “Quem pôs Portugal na bancarrota foi o governo do PS”, apontou. Com a subida ao poder de Pedro Passos Coelho e a obrigação de cumprir “um programa de ajustamento dificílimo”, “houve a coragem de enfrentar um problema”, que não tinha sido criado pelo governo de coligação do PSD/ CDS-PP, mas que este conseguiu resolver, na leitura dos acontecimentos feita por Durão. “Não temos de pedir desculpa por esse período, temos de ter orgulho pelo que fizemos com sentido patriótico”, salientou.
Apesar de afastado da política nacional há muito tempo, o ex-presidente da CE teve uma receção entusiástica no comício da AD, que contou com o auditório do Europarque lotado. Ali chegou “pelas velhas autoestradas de Cavaco”, “mais rápidas do que as ferrovias dos socialistas”, contou. O ataque cerrado ao PS, aliás, andou quase sempre pelo ringue da economia. Foram “os problemas económicos”, indicou Barroso, que fizeram Portugal divergir, nos últimos anos, em relação aos outros países da Europa ocidental. “Levaríamos 45 anos para convergir com a média [de riqueza] da União Europeia… Como podemos estar satisfeitos?”
A propósito das declarações polémicas de Eduardo Oliveira e Sousa sobre as alterações climáticas, afirmou que “não vão ser alguns meninos e meninas da cidade que nunca viram uma vaca ou um bezerro que nos que vão dizer como se deve ligar à natureza. Temos de evitar as posições extremistas”.
Durão Barroso reforçou o piscar o olho ao eleitorado mais à direita, com uma alusão à mudança de imagem da comunicação institucional feita pelo governo socialista. “Chocou-me a justificação, diziam eles que o logótipo, as nossas antigas armas, não eram suficientemente inclusivas, que há uma parte das pessoas que não se identificam com elas. Mas se esses portugueses não se identificam com o nosso brasão de armas, então, para mim, não são verdadeiros portugueses”, defendeu. “Os símbolos têm importância! É uma questão de saber o quanto amamos o nosso País””, exclamou, obtendo uma chuva de aplausos.
Antes, já tinha aludido à possibilidade de, caso os socialistas cheguem ao poder com o apoio do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, “termos o governo mais à esquerda desde o PREC”. “A solução é construir uma alternativa”, indicou, e “governar com equilíbrio e responsabilidade”. Para quem não tinha entendido a pista, concluiu: “Não chega [enfatizou a palavra] um voto de protesto”.
Comício auspicioso
A plateia do Europarque, muito heterogénea, começou por ser aquecida por Emídio Sousa, presidente da câmara municipal de Santa Maria da Feira, com um discurso simples e eficaz, a apontar para as fragilidades e forças do distrito, a que o principal adversário, Pedro Nuno Santos, também pertence. “Ele não conhece Aveiro”, apontou, elencando a forte industrialização do território. “Disse que apostava no desenvolvimento da indústria com as empresas que considerasse estratégicas, ele é que nos vai dizer quais são (…). Não percebe que a força de uma nação está em todos nós, não está no líder, está num governo que faça as pessoas crescer”, criticou. Já Montenegro “acredita que nós somos capazes”. O autarca não se esqueceu de alertar também para “um novo jogador” no campo político, André Ventura, “um irresponsável” com promessas vãs. “Ao fim de uns meses de governação teríamos a bancarrota (…), não é a solução”, vaticinou.
Emídio Sousa apresentou ainda o convidado-estrela da noite: “Durão Barroso, se fosses do PS já tinhas uma estátua. Mas nós não andamos à procura de estátuas”. Antes de este subir ao palco, Nuno Melo proferiu a gafe da noite, ao apelar “aos indecisos que nos podem dar uma vitória robusta que permita ao Pedro Nuno Santos ser primeiro-ministro, sem dependermos muito dos outros”, provocando as gargalhadas nervosas do público. ““Eu disse isto? Estava a correr tão bem”, brincou. Falava, afinal, “do ministro que António Costa demitiu por incompetência”, apontou, e que agora, paradoxalmente, irá apoiar. “Prefiro um radical assumido do que um moderado encenado… quer-se apresentar ao País como uma coisa nova, e não o é”, lamentou o Presidente do CDS-PP.
O discurso final do comício pertenceu ao cabeça de lista da AD, que carregou novamente na tecla da necessidade de “criação de riqueza”, passo essencial “para ninguém ficar para trás”, e na incapacidade de os socialistas darem “um safanão na economia portuguesa”, quando tinham uma governação com maioria absoluta – “o maior exercício de instabilidade política da democracia portuguesa”. É possível colocar o País a crescer mais de 2%, acredita. “O que não teríamos feito com um PPR [Plano de Recuperação e Resiliência] destes, Dr. Durão Barroso”, exclamou Luís Montenegro.
E reiterou a promessa: “Só governarei como primeiro-ministro se ganhar as eleições”. Isto porque “quero respeitar a vossa decisão [dos eleitores], quero a legitimidade da vossa vontade. Não vim para fazer arranjos partidários. Vim para mudar o País”, concluiu.