Depois da crise do grupo Global Media, todos os partidos se fizeram ouvir com propostas para a resolução do problema. Mas será que as suas preocupações de então se refletiram nos programas eleitorais?
No campo da ciência e tecnologia, todos são a favor de um reforço no investimento. O volume de propostas para estas áreas é maior à esquerda, enquanto a palavra ciência aparece zero vezes no campo das propostas do Chega. O Bloco e o PAN não mencionam uma única vez a expressão “inteligência artificial”.
Lusa gratuita para todos. E mais?
À exceção do Chega, todos os partidos são a favor de uma maior transparência na questão da titularidade dos órgãos de comunicação social. E nesse sentido, o Partido Socialista quer a atuação de outros reguladores como o Banco de Portugal, a CMVM e a Autoridade da Concorrência.
Os socialistas, a CDU, o Livre e o Bloco querem que o Estado assuma uma posição maioritária na Lusa, sendo que o PS acrescenta que a quer disponibilizar de forma gratuita aos órgãos de comunicação.
No campo da fiscalidade, o PAN pretende criar na dedução à coleta, em sede de IRS, uma rúbrica que permita a dedução de custos com jornais e revistas até aos 250 euros. A AD vai “avaliar” a criação de uma proposta semelhante, mas sem detalhar e a IL junta-se a esta medida, mas também sem valores concretos. O BE quer eliminar o IVA nas assinaturas comerciais.
O PS, o Livre e o BE querem atribuir um cheque-jornal que reverte em assinaturas de órgãos de comunicação.
No que toca ao jornalismo local, Pedro Nuno Santos propõe providenciar apoios à distribuição de publicações periódicas em zonas do interior do país. Medida semelhante tem André Ventura e Luís Montenegro. Mas em nenhum caso é especificado como é que esse apoio será feito.
A estas medidas, a Aliança Democrática quer rever a Lei da Imprensa para corrigir o seu “anacronismo” ou estimular a criação de plataformas de verificação de factos que possa validar a informação que circula nas redes sociais e meios digitais. O Chega pretende estabelecer programas de formação para jornalistas, mais focados em competências digitais, jornalismo de investigação e reportagem. A IL pretende privatizar a RTP e o BE criar um imposto sobre os gigantes digitais, o conhecido “imposto Google”, para financiar o jornalismo.
Em suma, nenhum dos partidos apresenta uma proposta alargada e sistemática para o setor da comunicação social, apesar das inúmeras preocupações e compromissos afirmados aquando das dificuldades públicas do grupo Global Media.
Quem é que ignora a ciência?
A AD, o PS, o Livre e o Bloco querem aumentar para 3% do PIB, até 2030, o investimento em ciência (foi 1,7% em 2022 e a média europeia de 2,2%) e melhorar a transparência e performance da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A palavra ciência aparece zero vezes nas propostas do Chega. A Iniciativa Liberal propõe eliminar burocracias desnecessárias na investigação científica e reforçar o investimento na investigação, nomeadamente na FCT.
O PS propõe concretizar programas de emprego científico anuais e inscrever 1000 lugares de investigadores de carteira nas Instituições de Ensino Superior. O Bloco quer um aumento do investimento equivalente, mas sem uma data-objetivo, uma revisão da carreira de investigador, alteração do modelo de funcionamento da FCT, um contrato de trabalho com 14 meses para os bolseiros de investigação científica, com direito a subsídio de desemprego e outros direitos laborais.
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O PCP quer duplicar a despesa em ciência, reforçar a rede de centros de investigação integrando os institutos politécnicos, reorganizar os sistemas de laboratórios do Estado, defender um contrato entre a FCT e a Ciência Viva ou valorizar a carreira de investigação. O PAN quer substituir também as bolsas investigação por contratos de trabalho e garantir a carreira de investigador.
O Livre, à semelhança de outros, tem como objetivo o aumento de financiamento acima referido (com a particularidade de ser financiamento em 50% pelo Estado e 50% pelos privados), da revisão do estatuto de investigador e um novo modelo de governação para a FCT. O partido de Rui Tavares propõe ainda criar a carreira de gestor de ciência, integrando-a no estatuto de carreiras científicas, financiar a contratação permanente de investigadores, criar um gabinete de apoio à atividade na Assembleia da República, investir na literacia científica e democratizar a produção cientifica.
Uma questão de inteligência artificial
No campo da tecnologia, a inteligência artificial (IA) domina parte dos programas de alguns partidos. Em alguns, são raras as propostas e confundem-se com a questão da ciência; noutros, como o BE ou o PAN, não surge qualquer referência à IA.
À esquerda, o Livre foi o primeiro a apresentar uma agência nacional para o estudo e implementação da IA, com o objetivo de incentivar a investigação nesta área e implementá-la no setor público e privado. Ao mesmo tempo, quer ter um organismo que regule a sua evolução, para que cumpra com as diretrizes europeias, apresentadas há poucos meses.
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A CDU, por sua vez, quer limitar o uso da tecnologia da IA, quando isso implica diretamente a vida dos portugueses, como a atribuição de apoios sociais ou o acesso ao emprego e, nos casos em que se recorre à tecnologia, o seu uso terá de ser sinalizado. Propõe ainda colocar os benefícios decorrentes dos avanços tecnológicos na melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo, combatendo a apropriação privada dos ganhos obtidos e garantir que os sistemas autónomos sejam banidos de aplicações bélicas.
O BE olha para outros ramos da tecnologia, como por exemplo, os criptoativos. Quer, por isso, uma maior regulação e tributação do setor, que envolve transações de bitcoin e outras criptomoedas, criando um sistema de reporte para registar todas as transações e os montantes detidos pelos cidadãos. Nas escolas, quer implementar um uso saudável de tecnologias sobre limites à utilização de telemóveis.
O Partido Socialista propõe a concretização da Estratégia Digital 2023 e para os dados e a Inteligência Artificial, publicada em 2019, bem como impulsionar projetos com esta tecnologia em setores públicos, como já acontece para o setor da justiça, por exemplo. As propostas do PAN para a tecnologia convergem com as da ciência.
Na direita, a AD – para além de querer aplicar a tecnologia em setores do Estado – propõe apostar na qualificação dos portugueses em competências tecnológicas e digitais e preparar a força de trabalho para a revolução da inteligência artificial e a aposta nesta tecnologia para aumentar a transparência e reduzir a burocracia.
O Chega foca grande parte do seu programa para a tecnologia na “blockchain” – que visa a descentralização como maior foco de segurança. Quer estudar a hipótese de usá-la para reduzir burocracia e propõe apostar na educação de tecnologia desde o ensino primário, com cursos de economia digital, cibersegurança ou “blockchain”. Já a IL defende que Portugal tem de alavancar o seu crescimento económico em tecnologias emergentes como a IA ou a “blockchain”, defende a resistência ao uso de videovigilância no espaço público e a introdução de educação básica para a segurança e privacidade na era digital, nas aulas de tecnologias de informação e comunicação (TIC) e cidadania.