A cumprir o terceiro e último mandato como presidente da Câmara Municipal de Paredes de Coura pelo PS, Vitor Paulo Pereira, 54 anos, licenciado em História (”um curso inútil”) e mestre com especialização em Cultura e Poderes, foi o convidado de mais um Irrevogável (também disponível em vídeo e podcast). Depois de ter posto um território de baixa densidade populacional – cerca de 9 mil habitantes – no mapa com um festival de música que se tornou um culto, protagoniza agora a conquista da única fábrica de produção de vacinas víricas do país. Uma indústria com potencial para crescer – uma segunda fábrica está já a nascer – e que pode vir, também a produzir uma nova vacina para a tuberculose, para substituir a “velhinha” BCG.
O pequeno concelho que era essencialmente rural é hoje essencialmente industrial. A fábrica da Zenal, com sede em Porriño, Galiza – a 30 minutos de carro de Paredes de Coura, agora que esta tem novas ligações viárias – junta-se às que para lá já tinham migrado, do setor do calçado, da metalomecânica e de componentes da indústria automóvel, alavancando as exportações. Mas também a necessidade de mão de obra qualificada.
“A fronteira de Vieira do Minho é das que tem mais circulação de pessoas, automóveis e mercadorias. Temos de criar aqui sinergias e um polo biotecnológico entre Porriño e Paredes de Coura já está a acontecer”, diz o autarca, que até já conseguiu criar “um novo curso de biotecnologia na escola profissional” e assegura que outras “empresas satélites fornecedoras da produção de vacinas” estão para chegar.
A agricultura “já não é uma opção” e a indústria passou a ser “uma obsessão”. Para o autarca, hoje “é mais fácil captar investimento industrial do que fazer projetos inovadores agrícolas”, de minifúndio, sem grandes possibilidades de escalar.
Mesmo assim, perdeu “cerca de 3% da população”. Mas podia ter sido muito mais. “Agora imaginem que não tínhamos feito esta aposta na indústria e na formação, a perda seria muito, muito maior”, afirma. “Em 2013, havia mesmo desemprego, excesso de mão de obra. Hoje, não digo que há falta de mão de obra, porque as empresas do futuro são muito tecnológicas, com menos mão de obra, mas cada vez mais qualificada.”
Tudo isto mostrou ao primeiro-ministro, António Costa, que lá foi, a 20 outubro passado, dar pompa e circunstância à inauguração da nova fábrica. Vitor Paulo Pereira é daqueles que se habituou a andar sempre no terreno a agilizar coisas para que elas aconteçam. É pragmático e gosta de discutir coisas concretas. “O céu de Paredes de Coura é igual ao céu de Berlim. São as pessoas e não a geografia que determinam… Não vale a pena as pessoas estarem sempre a queixar-se da geografia, é melhor apresentar propostas do que chorar.”
“Ainda olham para os autarcas como um conjunto de pessoas mal preparadas, uns nabos”
O sucesso do festival de música deu-lhe protagonismo para chegar à câmara em 2013. Não há passado político antes desta data. Mas, em dezembro do ano passado, ganhou a presidência da Federação Distrital do PS de Viana do Castelo, sucedendo a Miguel Alves, ex-autarca de Caminha, que renunciou à liderança e ao cargo de secretário e Estado adjunto do primeiro-ministro depois de ter sido acusado de prevaricação na Operação Teia.
Não sabendo se tem à sua frente uma carreira partidária, Vitor Pereira considera-se, contudo, “político até à medula”. Mas confessa: “O mundo da política é difícil. As pessoas têm ambições e muitas vezes as ambições são proporcionais à sua menoridade.”
Sem querer desculpar a corrupção, admite que qualquer autarca está sujeito a envolver-se num processo judicial face à quantidade de documentos que assina todos os dias, confiando no pessoal técnico. “Acreditam que os americanos ou escandinavos ou alemães são menos corruptos que os portugueses? Têm é um sistema de vigilância institucional e de escrutínio superior. O país, nos últimos anos, deu passos significativos no reforço dos mecanismos de controlo”, diz, confiante, para justificar que o fantasma da corrupção não pode ser um obstáculo à progressão da regionalização.
Considera que a governação desta maioria absoluta “está a ser feito num contexto muito difícil e que “a transferência de competências para as câmaras é fundamental”. Mas “não pode ser feita a correr, tem de ser ponderada” e de forma “progressiva”. Terá, contudo, de chegar o dia em que as competências venham acompanhadas de poder.
“Eu também quero o poder. E não é um poder bacoco. É um poder que me vai dar responsabilidade. Não quero o poder para ser o xerife da cidade, mas para transformar e melhorar a vida das pessoas. E depois ser avaliado nas eleições”, frisa. Para não ser apenas o tarefeiro de serviço.
Ele, que a tudo gosta de responder com exemplos concretos, considera que “a descentralização é pensar o território numa escala mais humana e menos política”. Por exemplo: “Se o centro de saúde de Paredes de Coura funcionar mal, não tenho nenhuma capacidade de entrar lá dentro, fazer parte da direção e discutir as coisas. Há passos: nesta altura, estão a passar-me os edifícios e o pessoal. No futuro – e isso é que é verdadeiramente a descentralização – é darem-me poder para eu estar lá representado e assumir responsabilidades. Porque a proximidade, muitas vezes, leva a eficiência. Se funcionar mal, as pessoas responsabilizam-me e perco as eleições a seguir.”
Outro exemplo: “As escolas e os professores estão dispostos a que tenha um papel mais importante na escola? Lançou-se a ideia de que iam municipalizar a educação e caiu o Carmo e a Trindade. Ainda olham para os autarcas como um conjunto de pessoas mal preparadas, uns nabos… Hoje [os autarcas] já não andam a ir aos aniversários das bandas filarmónicas, têm de dar à perna e já são mais gestores. As coisas estão a mudar “.
Quanto ao conflito na saúde, que opõe o ministro ao pessoal médico, – sempre que fala com Pizarro “ele está otimista” – “é preciso introduzir uma ideia de justiça nas instituições: salarial, de horários, de promover o mérito…”. Na sua opinião, “estar a responsabilizar os médicos é uma idiotice. E estar a responsabilizar apenas o governo também não é completamente justo”.
O que vai fazer Vitor Pereira quando terminar o seu último mandato em Paredes de Coura? “Não consigo planear. Não sei o que é tratar da minha vidinha, nem estou preocupado com isso. Mas gosto de desafios difíceis, isso gosto”.
Para ouvir em podcast: