Inflação é uma das palavras mais ouvidas nos noticiários dos últimos tempos. Jorge Barreto Xavier – antigo secretário de Estado da Cultura entre 2012 e 2015 – acompanha a necessidade de falar sobre o tema, mas, adverte, em entrevista ao Irrevogável, que as medidas para fazer face ao aumento do custo de vida não podem deixar de parte o setor cultural.
“Além da energia, saúde, habitação, educação, o acesso à cultura tem de ser efetivo. Vai ser necessário contribuir ativamente para que os profissionais da cultura – que já foram muito castigados no período pandémico – possam desenvolver o seu trabalho e para que a oferta cultural não pare, num período de dificuldade”, disse, acrescentando que “a cultura não é supérflua”; é antes “um elemento critico em democracia”, pois “as pessoas só são livres se tiverem capacidade critica. Temos de alimentar o corpo, mas temos de alimentar o espírito. Não é secundário, em tempo de crise, não atender à acessibilidade dos bens culturais”.
Barreto Xavier realçava a importância das autarquias disponibilizarem, de forma gratuita, atividades culturais, como a exposição do maior prémio de fotojornalismo do mundo, o Wold Press Photo, inaugurada nesta quinta-feira e que estará no Parque dos Poetas, em Oeiras, até 15 de outubro. Um corredor de fotografias que contam histórias sobre temas da atualidade, desde as alterações climáticas, aos refugiados ou à defesa de direitos civis.
“As imagens são reveladoras de que nós humanos somos capazes do melhor e do pior”, comenta o diretor municipal de Educação, Desenvolvimento Social e Cultura da Câmara Municipal de Oeiras sobre a imagem escolhida pelo júri para foto do ano. Da autoria da fotojornalista canadiana Amber Bracken (a quinta mulher a receber esta distinção), o trabalho conta a história de uma instituição canadiana onde morreram centenas de crianças indígenas vitimas de maus tratos. Bracken conseguiu captar, na opinião de Barreto Xavier, “a violência contra os mais fracos”. “Sejam eles crianças ou pessoas que se veem numa luta sem armas para lutar, é uma cobardia imensa que continua muito presente nos tempos contemporâneos”.

“A qualidade da democracia está obviamente em risco”
Tema transversal a todos os trabalhos do World Press Photo, a liberdade de expressão está em destaque, mais uma vez, nesta edição e Jorge Barreto Xavier chama a atenção para “o decréscimo na qualidade da democracia, que tem impacto no decréscimo da liberdade de expressão com retrocessos no jornalismo livre”. No ano passado, segundo dados revelados pela associação Repórteres sem Fronteiras, 46 jornalistas foram mortos e 488 presos enquanto trabalhavam.
“É um fenómeno que exige uma explicação e empenho dos países democráticos”, aponta o antigo governante. E continua: “a qualidade da democracia está obviamente em risco. Temos cada vez mais pessoas a votarem nos extremos à direita ou à esquerda. É preciso perceber aquilo que preocupa as pessoas. Isto significa também uma incapacidade dos partidos do centro”, que abrem a porta ao crescimento do “autoritarismo, radicalismo, da intolerância, da agressividade e, no limite, à violência”.