Ana Jara, vereadora do PCP, passou por acaso pela Avenida 5 de Outubro, a caminho de um trabalho. Eram 9h da manhã e foi uma das primeiras pessoas a assistir à retirada de jacarandás da Avenida 5 de Outubro, por uma equipa da estrutura verde da Câmara de Lisboa (CML), acompanhada por um agente da polícia municipal. Acabou por ficar lá até ao meio da tarde, entre a incredulidade com o que estava a ver e a vontade de lutar contra uma decisão que está a ser contestada numa petição online que já tem mais de 48 mil assinaturas.
“Isto é arrepiante por várias razões. A primeira é que nada disto foi anunciado. Isto começa à revelia dos cidadãos”, diz Ana Jara à VISÃO, explicando que na véspera destes trabalhos tinha havido uma reunião de Câmara na qual Carlos Moedas não deu aos vereadores qualquer indicação de que os trabalhos de remoção das árvores para a construção de um parque de estacionamento com 400 lugares se iam iniciar no dia seguinte.
Mais: está anunciada para amanhã uma sessão de esclarecimento promovida pela CML precisamente para explicar o projeto que a Câmara diz que levará a que, no final da obra, fiquem apenas 30 dos 75 jacarandás que existem na avenida, sendo plantados mais 39.
Perante esta promessa, Ana Jara estava longe de imaginar que se iria deparar com cinco árvores já cercadas, quando passou casualmente pelo local, onde ficaria a assistir ao processo de remoção desses jacarandás ao longo do dia.
“O presidente devia ser capaz de negociar isto com o promotor”
Para Ana Jara, esta é uma situação carregada de simbolismo. E não é só por os jacarandás serem uma árvore icónica da cidade. “Aqui se percebe para onde vai o poder, para onde pende o poder, se para os cidadãos ou para os promotores imobiliários”.
Em causa está a construção de um parque de estacionamento com 400 lugares que a Câmara concessionou à empresa Fidelidade Property Europe e que está previsto que entre em funcionamento em 2027.
“Se numa coisa tão simples como salvar uma fila de jacarandás, alterando o projeto, não se consegue fazer nada, em que é que se consegue fazer alguma coisa?”, questiona a eleita comunista.
“Isto é uma revolta. O presidente devia ser capaz de negociar isto com o promotor”, afirma Ana Jara.
PAN vai para tribunal para tentar salvar jacarandás
Durante o dia também a deputada do PAN Inês Sousa Real esteve no local a assistir aos trabalhos, depois de a informação começar a correr pelas redes sociais.
O PAN anunciou esta quinta-feira que vai interpor uma providência cautelar para travar o processo.
“O PAN espera que esta decisão suspenda de imediato o abate e que se promova um debate público transparente sobre o futuro do arvoredo urbano em Lisboa, exigindo uma maior consideração pela preservação do património ambiental e natural da cidade”, anuncia o partido numa nota enviada às redações, na qual critica a atitude de Carlos Moedas que diz que irá compensar o abate de árvores em Entrecampos com a plantação de novas árvores, num total de 200 em toda a cidade, que foram doadas pelo promotor da obra.
“Plantar mais e novas árvores não resolve o problema, porque nunca substituirão árvores maduras e seculares que, se forem arrancadas, vão morrer”, explica Inês Sousa Real nessa nota.
Parecer da CML de 2019 propunha revisão do projeto
Carlos Moedas tem garantido que o projeto que inclui o abate e o transplante de árvores é da responsabilidade do anterior executivo, mas essa tese entra em contradição com um parecer dado pelos serviços em 2019, que garantia o bom estado das árvores e propunha a revisão do projeto do parque de estacionamento.
“Propõe-se que este projeto seja revisto, de modo a manter estes exemplares arbóreos intocáveis, quer ao nível do seu raizame, quer ao nível da copa”, lê-se nas conclusões do documento a que a VISÃO teve acesso e onde se explica que apenas o presidente da Câmara tem poderes para decidir em contrário e optar pelo abate e transplante de árvores.
A VISÃO pediu ao gabinete de Carlos Moedas para ter acesso ao documento que comprove que essa orientação foi dada por Fernando Medina, mas até ao momento de publicação desta notícia, não obteve resposta.
“Questionado pelos vereadores do PCP sobre qual o plano original que previa o corte de todas as árvores, Carlos Moedas não responde. E não responde porque esse plano verdadeiramente não existe. Houve certamente outras versões para a intervenção ali programada. Nenhuma previa o corte de todas as árvores. A decisão de cortar árvores não pode ser justificada inventando algo que nunca foi considerado”, escreveu o vereador do PCP João Ferreira nas redes sociais.
“Não queremos perda de identidade e o jacarandá é a nossa identidade. No nosso executivo salvamos jacarandás e é essa a mensagem de hoje. Estamos a salvar jacarandás”, disse esta semana a vereadora do Urbanismo Joana Almeida, numa conferência de imprensa convocada sobre o tema, citada pelo Público.
Segundo as informações que avançou, esse plano prevê que passem a existir 69 jacarandás onde hoje estão 75. O plano da CML prevê que dos 75 exemplares desta espécie que existem na área intervencionada: 30 deles serão, 25 abatidos e 20 transplantados. Dos 69 que ficarão no local, 30 já lá existem e 39 serão plantados de novo.
Joana Almeida anunciou, aliás, que a Fidelidade “pagou” como compensação “mais de 200 jacarandás” para serem distribuídos pela cidade, incluindo os 39 que serão plantados na 5 de Outubro.