Hugo Soares foi à Now afastar a ideia de que a direção nacional pudesse tirar poderes a Luís Newton e Ângelo Pereira. “Não é a direção nacional que se deve nem meter nem imiscuir nisso, porque no dia em que isso acontecer, então, eu abro uma Caixa de Pandora que não tem fundo”, disse quando perguntado sobre por que motivo Newton tinha suspendido o mandato de deputado, mas não o de presidente da Junta de Freguesia da Estrela. Cinco dias depois, a direção do PSD emitia um comunicado no qual anunciava que a Comissão Política Nacional do partido tinha decidido “avocar o processo de escolhas de todos os candidatos autárquicos no concelho de Lisboa, sendo que esta decisão foi tomada de acordo com as respetivas estruturas”.
Entre uma coisa e outra, sabe a VISÃO, foram poucas as conversas entre o secretário-geral do PSD, Hugo Soares, e os líderes da distrital de Lisboa, Ângelo Pereira, e da concelhia de Lisboa, Luís Newton, que foram informados desta decisão pouco antes de ela ser anunciada à imprensa.
Dias antes, numa reunião da Comissão Política Concelhia, Newton tinha recebido apoio da sua estrutura para continuar em funções, de forma plena, mesmo que tenha feito saber internamente que não iria indicar o seu nome para nenhuma lista nem o de nenhum dos acusados na Operação Tutti Frutti. Nos contactos feitos no PSD Lisboa pela VISÃO durante o fim de semana, era claro que a convicção era a de que as listas seriam feitas pela concelhia e pela distrital, sem interferência nacional. Mas isso mudou.
Luís Montenegro, que já tinha falado com Luís Newton sobre a necessidade de este suspender o mandato como deputado no Parlamento, chegou à conclusão de que ter dois dos acusados na Operação Tutti Frutti a fazer listas para Lisboa era incompatível com a indicação clara que deu ao partido de que arguidos e acusados não deviam formar parte das listas de candidatos do partido.
Ângelo Pereira decide listas de concelho pelo qual é acusado
A decisão tomada pela direção do PSD coloca, contudo, alguns problemas. O mais óbvio é que Ângelo Pereira, sendo líder da distrital do PSD em Lisboa, fica afastado do processo de feitura das listas do concelho liderado por Carlos Moedas, mas não no das outras oito concelhias que a distrital abrange, incluindo Oeiras, o município onde era vereador quando aceitou uma viagem à China paga por uma empresa, facto que lhe valeria a acusação no processo Tutti Frutti.
A VISÃO questionou Hugo Soares com esta aparente contradição, mas até ao momento da publicação deste artigo não obteve resposta.
Decisão viola os estatutos?
Há, contudo, ainda outro problema que, embora teórico, pode vir a dar muito mais dores de cabeça ao PSD em Lisboa. É que os estatutos do partido são muito claros sobre a competência dos órgãos quando se trata de apresentar candidatos autárquicos: cabe às concelhias indicarem os nomes, que são aprovados pelas distritais e homologados pela direção nacional. É o que se retira do artigo 56.º dos estatutos, que diz que cabe às concelhias “propor à Comissão Política Distrital as listas de candidatura aos órgãos das Autarquias Locais, ouvidas a Assembleia de Secção e as Comissões Políticas dos Núcleos”.
No tempo de Rui Rio, a forma como a nacional decidiu impor candidatos em Barcelos, Castelo Branco e Leiria, nas autárquicas de 2021, mostrou bem a batalha que pode significar avocar processos de escolha de candidatos.
No caso de Barcelos, o caso chegou até ao Tribunal Constitucional. Rio impôs o nome do empresário João Sousa como cabeça de lista, depois de a concelhia e a distrital terem aprovado a candidatura de Mário Constantino.
O Conselho de Jurisdição Nacional do PSD foi chamado a pronunciar-se e considerou que isso constituía “uma grave violação” dos estatutos do partido. Inconformado com a decisão, o secretário-geral do PSD à data, José Silvano, recorreu ao Tribunal Constitucional, onde o processo haveria de bater na trave. Mas apenas por razões formais: o TC não aceitou a impugnação por ter sido submetida na qualidade de dirigente nacional e não de militante.
Vencido na Jurisdição e sem conseguir travar o processo nos tribunais, a escolha de Rui Rio acabaria por não constar nos boletins de votos. Mário Constantino foi mesmo a votos. E ganhou as eleições em Barcelos.
Qualquer um pode impugnar listas na Justiça
O caso em Lisboa tem contornos diferentes, embora a história de Barcelos ajude a provar que há um problema jurídico quando a direção nacional do partido passa por cima das estruturas locais. É que em Lisboa, sabe a VISÃO, nem a concelhia nem a distrital irão tentar impugnar as escolhas de Montenegro.
O problema, explicam militantes do PSD conhecedores dos estatutos, é que essa violação pode levar qualquer um (militante ou não) a ir aos tribunais contestar a legalidade das listas sociais-democratas no concelho de Lisboa. Caso isso aconteça no último dia do prazo legal da entrega de listas, o problema poderá ser inultrapassável.