A “imigração descontrolada” é a expressão que André Ventura quer pôr no centro do debate político e mediático. O método é apresentar uma proposta de referendo a quotas de imigração como moeda de troca para viabilizar o Orçamento do Estado e anunciar uma manifestação em Lisboa para o dia 21 de setembro.
O líder do Chega começou por anunciar que ia avançar com a apresentação de uma proposta de referendo no Parlamento em setembro, explicando, em declarações ao Expresso, que este seria “mais um elemento nas negociações” com o Governo para viabilizar o Orçamento. Segundo disse ao semanário, Ventura considerava “importante” a posição de Luís Montenegro face a esta proposta, mas não fazia depender da sua viabilização o voto a favor do Orçamento, que é obrigatório para que o País não entre em duodécimos ou viva uma nova crise política. As declarações foram feitas no fim-de-semana.
Três dias depois, Ventura deu uma conferência de imprensa para anunciar que o Chega tem três exigências “incontornáveis” para aprovar o Orçamento do Estado para 2025. À cabeça destas exigências está o referendo sobre a imigração. Mas há mais duas, sempre dentro do mesmo tema: o Chega exige o reforço das verbas para o controlo fronteiriço em Portugal e a revisão dos programas de apoios e de subsídios a imigrantes e refugiados.
Mesmo usando a expressão “incontornáveis” para se referir às propostas, não é líquido que, sem todas elas aprovadas, o Chega vote contra o Orçamento. Recorde-se que, no dia a seguir às eleições, Ventura exigia fazer parte da solução de Governo para viabilizar Orçamentos do Estado. Nessa altura, Ventura explicava que queria um acordo com a AD de “convergência de decisões quanto à composição do Governo, ao que será o Governo, às medidas principais e aos objetivos que queremos alcançar”. Essa reivindicação já caiu pelo caminho.
Discriminação negativa de imigrantes proposta por Passos foi chumbada pelo TC em 2015
Dentro deste espírito de retirada de direitos aos imigrantes, André Ventura tem uma proposta semelhante a outra que já foi chumbada pelo Tribunal Constitucional (TC).
Ventura quer que os imigrantes só tenham direito a prestações sociais após cinco anos a descontar para a Segurança Social portuguesa. Ou seja, um imigrante ficaria obrigado ter cinco anos de descontos para conseguir ter licença de parentalidade, baixa por doença ou subsídio de desemprego. Muito mais do que é exigido aos cidadãos nacionais para ter acesso às mesmas prestações sociais.
Ora, já existe jurisprudência no TC, segundo a qual “à luz do princípio geral da igualdade perante a lei, ninguém pode ser prejudicado ou privado de qualquer direito, nomeadamente em razão do território de origem”.
Em 2015, o Tribunal Constitucional travou uma alteração à Lei de Bases da Segurança Social feita pelo Governo de Pedro Passos Coelho, que determinava que os imigrantes tinham de estar legais durante três anos antes de poderem aceder ao rendimento social de inserção.
O que é que Ventura quer perguntar aos portugueses?
Segundo André Ventura, o referendo devia ter duas perguntas. Uma sobre se os eleitores querem controlar a entrada de imigrantes anualmente e outra para perceber a adesão dos votantes à restrição da entrada de imigrantes por quotas.
Ventura fez saber que vai dar nota dessas exigências em matéria de política de imigração durante as reuniões de negociação do Orçamento do Estado que o Governo prometeu para setembro.
O silêncio do PSD e o que diz o Governo sobre as quotas
Para já, Governo e PSD não comentam as pretensões do Chega em relação ao referendo. Mas o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, já tinha feito saber que o Executivo não tem em vista a criação de um regime de quotas para a imigração, embora admita que a atribuição de vistos possa ser condicionada pelas necessidades de mão de obra, não sendo muito claro como funcionaria esse método.
“Nunca defendemos a introdução de quotas, mas o estabelecimento de objetivos quantitativos, não na ótica de portas fechadas, mas na atração proativa de talento. Falamos no plano em lista de necessidades laborais, que é uma linguagem que não pode ser manipulada para querer parecer outra coisa”, dizia Leitão Amaro em entrevista ao Expresso em junho.
A última palavra é de Marcelo
Mas mesmo que o Governo aceite viabilizar no Parlamento a iniciativa do Chega, só haverá referendo com o aval do Presidente da República.
Segundo o artigo 36.º da Lei Orgânica do Regime de Referendo, “se o Presidente da República tomar a decisão de não convocar o referendo, comunica-a à Assembleia da República, em mensagem fundamentada, ou ao Governo, por escrito de que conste o sentido da recusa” e “a proposta de referendo da Assembleia da República recusada pelo Presidente da República não pode ser renovada na mesma sessão legislativa”.