Faltavam dez minutos para começar o debate das propostas de atribuição de subsídios às forças de segurança e a escadaria em frente à Assembleia da República estava vazia. Nem um sinal da grande concentração a que se assistiu em 2012, quando os policiais se juntaram à porta do Parlamento. No acesso lateral do edifício, por onde entra o público que assiste ao plenário, uma fila aonde estariam menos de 300 pessoas formava-se para entrar.
No hemiciclo, os deputados do Chega impacientavam-se no arranque do debate. Pedro Frazão chegou mesmo a subir às galerias para depois ir fazer declarações aos jornalistas na porta lateral do Parlamento, acompanhado por mais dois deputados da sua bancada. Aos microfones, Frazão criticou a forma como se estava, no seu entender, a dificultar a entrada do público nas galerias.
“Vão lá buscar quem está lá em baixo”, ouvia-se na bancada do Chega
Na Sala das Sessões, André Ventura fazia uma intervenção inicial, ainda com as galerias bastante vazias. O líder do Chega procurou fazer um paralelismo entre a forma como são tratados imigrantes e as condições de trabalho das polícias.
“Se um polícia morre, é mais uma notícia. Se um imigrante morre, é um escândalo nacional”, começou por dizer, antes de afirmar que as vidas dos criminosos são mais valorizadas do que as dos polícias. “Se um bandido morre, merece quase o hino nacional”, declarou, dizendo querer acabar “com este país ao contrário”.
Depois de acusar o anterior Governo socialista de ter cometido “uma injustiça histórica” contra as forças de segurança ao atribuir um subsídio de risco à PJ que não deu a mais nenhuma polícia, Ventura descreveu as condições em que muitos agentes são obrigados a viver. “Camaratas que eu visitei pessoalmente envergonhariam o país mais pobre da Europa”, notou.
“Os polícias não querem mais um cêntimo, querem dignidade”, disse André Ventura, a concluir a intervenção, num momento em que crescia o nervosismo na sua bancada que via as galerias pouco compostas.
“Vão lá buscar quem está lá em baixo”, começou a ouvir-se na bancada do Chega, num crescendo de apartes que levou o Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, a explicar que os procedimentos de verificação de segurança na entrada do Parlamento são sempre iguais para todos. “Não há nenhuma situação especial em relação à entrada das visitas em relação a um dia normal”, garantiu.
Hugo Soares exaltou-se na crítica ao Chega
Hugo Soares, líder da bancada do PSD, fez mesmo uma exaltada interpelação à mesa precisamente para explicar que esses procedimentos levam muitas vezes “escolas com crianças pequeninas” a ficar numa fila à espera de entrar. “É assim que se faz no Parlamento”.
Pedro Delgado Alves, do PS, também falou para defender que os procedimentos de verificação de segurança feitos à entrada do Parlamento são iguais para todos.
As galerias do Parlamento para o público, que levam cerca entre 400 e 600 pessoas, foram-se compondo ao longo de um debate com intervenções de defesa das forças de segurança por parte de todos os partidos.
“Há uma hora e meia que estão pessoas lá fora. É uma vergonha”, atirava um deputado do Chega, olhando para as galerias, ainda muito longe de estarem cheias, às 16h30.
PSD acusa Ventura de usar polícias para dar a volta a desaire eleitoral
A meio do debate, António Rodrigues, já classificava a convocatória de André Ventura – que chamou os polícias a virem manifestar-se para a porta do Parlamento – como “um fracasso” do Chega, concluindo que o número político que Ventura tentou criar não teve eco nos agentes de segurança nem o respaldo dos sindicatos que os representam.
“Este debate só foi marcado para depois das europeias. Sabem porquê? Porque o desastre foi tão grande, que era preciso animar as hostes”, atirou António Rodrigues.
António Rodrigues foi vocal no ataque ao Chega, quando os outros partidos preferiram reclamar um histórico de defesa dos polícias e o PS, pela voz de Isabel Moreira, preferiu concentrar as críticas na forma como o primeiro-ministro, Luís Montenegro, anunciou que o Governo não daria “nem mais um cêntimo” às forças de segurança além dos 300 euros mensais que estão a ser oferecidos nas negociações com os sindicatos.
Partidos reclamam-se defensores dos polícias e trocam ataques
António Filipe, do PCP (um dos partidos, além do Chega e do PAN que trouxeram propostas ao debate), quis lembrar o histórico dos comunistas na defesa das condições remuneratórias e laborais das polícias, cujo trabalho enalteceu. E vincou que a proposta comunista prevê um aumento de 450 euros até janeiro de 2026 não só para a PSP e GNR, mas também para a Guarda Prisional, a Polícia Marítima e a ASAE.
Inês Sousa Real afirmou que o PAN quer um “subsídio pago a todos os membros das forças de segurança” sem exceção e recordou que na anterior legislatura o seu partido já tinha feito propostas nesse sentido durante a discussão de Orçamentos do Estado. “Não podemos compactuar é que venham aqui fazer números mediáticos à conta das forças de segurança”, disse, já em resposta a um pedido de esclarecimentos da bancada do Chega, que tinha lembrado o apoio do PAN ao Governo PS.
Também alvo de fortes e ruidosos protestos pela bancada do Chega foi o líder parlamentar do BE, Fabian Figueiredo, quando descreveu as condições precárias de habitação e de vida dos agentes policiais, elogiou o seu trabalhou e deplorou a elevada taxa de suicídio que se verifica entre os seus profissionais e que considerou mesmo ser “uma catástrofe”.
“Salário justo, dignidade, respeito e tempo para viver”, pediu o bloquista para os polícias, sob os apartes do Chega. “Nem parece o BE a falar”, ouviu-se.
De resto, João Almeida, do CDS, fez uma intervenção, para atacar (sem nomear) o Bloco de Esquerda, por estar a defender a polícia, considerando que essa seria uma incongruência. E defendeu, apresentando-se como deputado “da direita institucional” o agravamento de penas para crimes cometidos contra elementos das forças de segurança.
“Queremos que as forças de segurança recebam mais e sejam tratados com maior dignidade”, disse João Almeida.
Uma intervenção que serviu para o líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, perguntar “como é que vai votar o CDS”, se como disse Nuno Melo, que defendeu a equiparação de subsídios entre as forças policiais, ou não.
Rui Rocha, da IL, atacou “a tremenda hipocrisia” do PS e a “injustiça que foi feita à socapa” pelo Governo de António Costa ao atribuir um subsídio de risco à PJ e não às outras forças policiais.
Rocha defendeu, contudo, que “aquilo que André Ventura fez é grave”, comparando a convocatória feita pelo Chega “ao pior PCP, o PCP do PREC”, e acusando Ventura de estar a tentar manipular o descontentamento das forças de segurança. Um comportamento que classificou como “irresponsável” e que disse ter constituído uma tentativa de coação e condicionamento dos deputados e deputadas.