Com os debates às próximas eleições legislativas na reta final, raras têm sido as vezes em que a política externa é discutida pelos protagonistas nos debates eleitorais ou fora deles, ignorando o facto de estarmos a viver um dos períodos mais complexos das últimas décadas com o intensificar de guerras à porta da Europa.
Nos programas partidários, há grandes diferenças na forma de olhar para os conflitos. Entre os partidos de direita, por exemplo, a palavra Palestina aparece zero vezes, é a CDU quem mais vezes fala nos Estados Unidos da América e a China é mencionada dez vezes no programa da Iniciativa Liberal. Afinal, o que distingue ou o que é que aproxima os partidos em matéria de política externa?
Apoiar ou não a Ucrânia?
Quase todos os partidos defendem que Portugal continue a apoiar a defesa da Ucrânia da invasão russa, de acordo com as diretrizes europeias, defendendo a rápida integração do país na União Europeia. Exceção feita ao Chega, que nada diz sobre o tema, ao Bloco, que propõe “uma cimeira pela paz na Europa para um fim negociado da invasão russa à Ucrânia” e à CDU que rejeita “o incremento dos meios financeiros alocados à escalada armamentista”. O PAN não menciona a Ucrânia no seu programa.
Como olham para a guerra no Médio Oriente?
Nenhum dos partidos ou coligações de direita (AD, Iniciativa Liberal, Chega) menciona a Palestina nos seus programas eleitorais, enquanto Israel aparece duas vezes no programa da IL – uma para falar do país como exemplo na exportação de água e outra para contextualizar o atual conflito. AD e Chega também nunca se referem a Israel. Nenhuma das forças políticas mencionadas elaborou propostas concretas sobre o tema.
Posições diferentes têm os partidos do meio para a esquerda. O Partido Socialista, tal como Livre, Bloco, CDU e PAN, defende a solução dos dois Estados, palestiniano e israelita, com a promoção da paz entre ambos, vivendo lado a lado. O Livre quer apelar à justiça internacional para o julgamento de crimes de guerra e genocídio, o Bloco quer a condenação de Israel.
Reformar a União Europeia. Mas como?
O papel de Portugal em Bruxelas e a forma de funcionamento da União Europeia são os temas mais abordados pelos partidos nos capítulos dedicados à política externa. Comecemos pelos partidos à esquerda.
O Partido Socialista é o que apresenta mais propostas para uma participação na UE. Entre elas, quer acompanhar os processos de novas entradas no bloco central, mas garantindo que o alargamento não prejudica os atuais níveis de financiamento dos fundos europeus em vigor. Sugere também a criação de um novo fundo europeu para requalificar profissionais, de forma que se adaptem às novas exigências do mercado e o nascimento de um fundo europeu para a habitação, para financiar não só habitação pública, como habitação a custos controlados.
O PAN quer promover um debate para o “federalismo europeu”, rever o projeto do salário mínimo europeu, defender a transformação Política Agrícola Comum numa Política Alimentar Comum, “assumindo a sustentabilidade e promoção de dietas saudáveis como objetivos prioritários” e, tal como outros partidos, pugnar pelo fim dos paraísos fiscais dentro da UE.
O Livre quer prosseguir com o alargamento da UE, com as entradas imediatas da Ucrânia e da Moldova, abrindo a porta também aos países dos Balcãs ocidentais. Defende ainda que a entrada no grupo deve estar aberta a qualquer país com uma conexão razoável à atual UE, “abrindo a possibilidade a Estados do Norte de África, Ásia Ocidental ou Central a não serem prejudicados numa potencial adesão pela sua condição geográfica, destacando critérios democráticos como intransigíveis”. Alguns destes países, como a Turquia, Marrocos, Egipto ou a Tunísia já fazem parte do grupo de países que podem estar abrangidos em alguns programas e fundos europeus. O partido liderado por Rui Tavares defende ainda o fim de paraísos fiscais dentro da União, uma harmonização fiscal ou a eleição direta da presidência da Comissão Europeia.
O Bloco de Esquerda quer, assim como a CDU, uma desvinculação do Pacto Orçamental – regras europeias para o equilíbrio orçamental – ou a autonomia total do país na tomada de decisões sobre nacionalizações, recapitalizações, resgates ou vendas de empresas. A CDU defende que Portugal rompa com a “submissão à União Europeia”, propõe que os portugueses se possam pronunciar, via referendo, sobre decisões da UE que tenham impacto na vida nacional, recusar impostos europeus e a revogação do Pacto de Estabilidade e Crescimento, que regula o procedimento por défices excessivos e incita à estabilidade e convergência entre os países da região com objetivos de médio prazo.
À direita, a Aliança Democrática diz querer acompanhar as futuras entradas de países na UE, contribuir para uma reforma institucional de Bruxelas e completar os pilares da União Económica e Monetária. A Iniciativa Liberal propõe medidas como dar poderes à Assembleia da República para escrutinar os fundos europeus ou alterar o PRR junto da Comissão Europeia.
Nesta matéria, o Chega tem várias propostas que visam apenas a manutenção do que está atualmente em vigor, como “reafirmar a necessidade de Portugal permanecer na UE”, “defender a manutenção do direito de celebrar tratados internacionais, bilaterais ou multilaterais”, “defender sempre a manutenção dos Estados de estabelecer relações diplomáticas, com quem entenderem e melhor lhes convier” ou “manter intactas as características de base de um Estado soberano” na Defesa, Segurança, Justiça, Políticas Económicas. Fora isso, defende, por exemplo, terminar com a participação em agências e ONGs que “interfiram sobre a soberania nacional”.
Reforçar a posição na NATO ou sair?
Começando agora pelos partidos mais à direita, o Chega defende o aumento de investimento na defesa nacional, para cumprir com os compromissos com a NATO e consolidar o espaço de Portugal dentro da organização. Semelhantes propostas tem também a Iniciativa Liberal e a Aliança Democrática, que acrescenta um reforço das participações das forças nacionais em missões internacionais com a NATO.
À esquerda, as posições mudam de forma drástica. A CDU acusa a NATO de promover um genocídio na Palestina, quer um “Portugal livre e soberano” que rompa com “a convivência com a NATO” e vai mais longe ao defender a “dissolução dos blocos político-militares, designadamente a NATO”. O BE defende a saída de Portugal da NATO e a defesa do desarmamento negociado e multilateral e a conversão da Base das Lajes num aeroporto plenamente civil, exigindo aos EUA as indemnizações devidas pelos danos ambientais e sociais causados. O Livre e o PAN não mencionam a NATO no seu programa. Já o PS, tal como a AD, argumenta que Portugal deve aprofundar a participação no seio da organização e adotar um novo conceito estratégico de Defesa Nacional, aproximando ao conceito estratégico da NATO.
Direito ao voto dos imigrantes ou fim dos apoios sociais?
O PS defende políticas de combate ao racismo e à discriminação étnico-racial e de apoio aos imigrantes e refugiados, ao mesmo tempo que quer um reforço dos meios de prevenção e combate à imigração ilegal e tráfico de seres humanos. Quer ter políticas de integração no mercado de trabalho, com cursos de português, e que os patrões sejam responsáveis pelas condições de habitação dos trabalhadores, nas situações de trabalho temporário e sazonal.
O Bloco está alinhado com o PS em muitas das medidas neste campo, acrescentando o direito de voto a todas as pessoas titulares de residência em Portugal – atualmente, só os imigrantes oriundos da UE, Reino Unido, Brasil e Cabo Verde (com mais de dois anos de residência), Argentina, Chile, Colômbia, Islândia, Noruega, Nova Zelândia, Peru, Uruguai e Venezuela (com título de residência em Portugal há mais de três anos) podem votar nas eleições autárquicas. Nas eleições para a Assembleia da República, podem votar os cidadãos brasileiros titulares do Estatuto de Igualdade de Direitos Políticos. Esta é uma medida também defendida pelo Livre.
A CDU quer simplificar os processos de regularização, criar equipas temporárias para regularizar os processos em curso e acelerar a adaptação dos imigrantes. O PAN propõe criar o estatuto de refugiado climático, garantir a não deportação em caso de processo de regularização em curso ou criar uma bolsa nacional de intérpretes disponíveis para a integração de imigrantes.
À direita, a AD mantém a intenção de combater a discriminação contra imigrantes, gerir a imigração ilegal, criar um programa de atração para promover a integração regulada dos núcleos familiares dos imigrantes, fomentar a aprendizagem de língua portuguesa e adotar o princípio de “que somos um País de portas abertas à imigração, mas não de portas escancaradas”.
O Chega quer garantir um controlo das fronteiras, revertendo a extinção do Serviço de Estrangeiro e Fronteiras – extinto após vários escândalos de abuso de poder, que culminaram com a morte de Ihor Homeniuk a 12 de março de 2020 – repatriar ao país de origem quem não consiga “demonstrar uma capacidade de subsistência entre 6 a 12 meses” e só permitir o acesso a apoios sociais do Estado depois de cinco anos de contribuição.
A Iniciativa Liberal quer assegurar que, quem entra no país, tem prova de meios de subsistência para assegurar uma vida digna, autorizar a residência só com prova de contrato de trabalho ou emitir vistos humanitários para refugiados através dos serviços consulares.
Reverter a subida de juros do Banco Central Europeu?
À direita, nenhum partido fala do Banco Central Europeu, a não ser a IL para dar algum contexto sobre política monetária. Livre, PAN e PS têm uma postura idêntica. Mais à esquerda, o caso muda de figura. O Bloco de Esquerda propõe uma inversão da política monetária da entidade liderada por Christine Lagarde, mudando o objetivo primário da inflação para o pleno emprego e a CDU rejeita a “dependência e submissão do BCE face aos interesses do capital financeiro”, mas vai mais longe: “A exigência da reversão dos aumentos das taxas de juro e a defesa de medidas que mitiguem as suas consequências”.