Quando Luís Montenegro agendou um congresso extraordinário para este sábado, no Complexo Municipal dos Desportos de Almada, tinha em mente debater os estatutos do partido (sem revisão desde 2012). A crise política e as eleições legislativas antecipadas para março renovaram a importância do encontro, em que o principal foco passou a ser a estratégia para chegar ao poder, depois de março, aproveitando a ocasião para tirar uma fotografia de família, em que todos aparecessem sorridentes. O líder pediu um partido unido, responsável, moderado, focado nos problemas dos portugueses e a ambição de governar o país novamente falou mais alto, amolecendo os críticos e desvalorizando as dificuldades dos sociais democratas em descolar nas sondagens, mas não – o partido não está a falar a uma só voz. Embora tenha feito um grande esforço nesse sentido.
A reunião magna começou com o presidente da mesa, Miguel Albuquerque, a pedir aos delegados que evitassem ao máximo inscreverem-se para falar sobre os estatutos, de forma a acelerar a votação das alterações à lei do partido, com uma proposta única da direção do PSD. Os sociais democratas respeitaram e, apesar de algumas resistências, aprovaram em bloco as ideias da direção de Montenegro. Todavia, não deixaram de fazer notar à mesa o seu desconforto. “Embora discorde de algumas alíneas, percebo que não é o momento e vou abdicar de discursar sobre estatutos, porque precisamos de ganhar estas eleições”, sublinhava Luís Ricardo de Sousa, presidente da concelhia de Paredes (distrito do Porto), sintetizando desta forma o pensamento de muitos outros.
Mesmo assim, foram várias as vozes das concelhias que acusaram a direção de autoritarismo ao insistir em votar os novos estatutos, sem tempo para os discutir e ouvir as criticas. “O PSD recusa-se a perceber que é preciso dar mais poder aos militantes e decide discutir estatutos a três meses das eleições, dando um sinal errado e mostrando incapacidade para se renovar. O Governo caiu, o mundo muda e nós continuamos na mesma senda”, acusou José Miguel Ferreira, vice-presidente da Juventude Social Democrata entre 2014 e 2018. Este está em linha com o “desconforto” já expresso pelo militante Carlos Costa Neves, que apontou o dedo à direção por colocar “em segundo plano uma questão muito importante para o partido”, e pelo ex-deputado Luís Rodrigues, que solicitou à cúpula do partido, sem sucesso, que reconsiderasse a votação da proposta, neste sábado.
Os estatutos foram aprovados e o partido concentrou o resto do congresso na estratégia eleitoral, desvalorizando as conclusões das sondagens, que colocam o PSD taco a taco com o PS, mesmo depois da crise política.
A (im)provável defesa de Montenegro
Campanha em marcha, até os críticos deram tréguas. Salvador Malheiro, autarca de Ovar e “vice” de Rui Rio, subiu ao púlpito, para dizer que está “aqui para ajudar”. “Não vale a pena olhar para trás, para as pequenas divergências que tivemos, agora somos todos convocados”, indicou um dos rostos da oposição interna a Montenegro, prometendo “ajudar a atual liderança a destronar o partido socialista”, e insistindo que “este espírito de união tem de passar lá para fora”.
Também José Ribau Esteves – presidente da Câmara de Aveiro, ex-candidato à liderança do partido e crítico de Montenegro – fez questão de mostrar que este “é o tempo do Luís”, aconselhando-o a deixar claro, durante a campanha, os erros da governação socialista – pedido aliás transversal a muitos dirigentes, que alternaram entre aconselhar a liderança a ignorar os socialista e a forcar-se em apresentar propostas – principalmente para a saúde, educação, economia, habitação – e apontar o dedo aos últimos oito anos de governação.
Mas os caminhos vão dar todos ao mesmo lugar: ao apelo ao voto no PSD. “Qualquer outro voto é, na prática, continuar a votar no PS”, defendeu o líder parlamentar, Joaquim Miranda Sarmento. Já o vice-presidente Paulo Rangel fez a defesa de Montenegro, destacando o “sentido patriótico” e “capacidade de sofrimento” do presidente, que estava preparado para ficar na oposição durante quatro anos e meio, enquanto via “a encruzilhada em que o país está”, garantindo ao Congresso que o presidente está preparado e tem uma equipa determinada “em preparar uma alternativa para recuperar a credibilidade e o prestígio das instituições aqui e fora do país”. Terá agora de “salvar este país do pântano”.
Não se pode dizer que o congresso foi um desfile de figuras de proa do partido, mas Montenegro foi salvo pela aparição de umas quantas personalidades. Além de ministros do passismo como Miguel Poiares Maduro, Aguiar-Branco, Maria Luís Albuquerque e da antiga líder Manuela Ferreira Leite, o líder foi presenteado com o regresso de José Luís Arnaut, ministro-adjunto de Durão Barroso, que considerou que a “gravidade do momento” exigia que quebrasse o silêncio a que se remeteu nos últimos anos, diagnosticando que Portugal está a viver “uma mentira” e acrescentando que “é mentira que Luís Montenegro tenha falta de equipa, tenha problemas de comunicação, que o partido faça uma oposição frouxa. Não é muito diferente do que disseram de Sá Carneiro, de Cavaco Silva, de Durão Barroso, de Passos Coelho. […] Nós já vimos este filme e vamos mobilizar-nos” para “um dos votos mais importantes de que me lembro”.
Todavia, foi a visita surpresa do antigo presidente e primeiro-ministro social democrata Aníbal Cavaco Silva que parou o congresso durante quase dez minutos. E representou uma viragem no tom do encontro, com Montenegro a abrir o jogo e a anunciar que o programa do PSD para as próximas legislativas conterá com um aumento das pensões para 820 euros, uma baixa generalizada do IRS, medidas contra a corrupção, além de investimentos na saúde e na educação. Nesta última área, Montenegro prometeu o descongelamento das carreiras dos professores “de forma gradual e exequível”.
Num momento único na reunião magna, o presidente do PSD elogiou o Governo de Costa por ter “aumentado o salário mínimo nacional”, criticando-o logo de seguida por não ter conseguido fazer o mesmo com o salário médio, outra das suas prioridades. Assim como as pensões, sobre as quais disse: “não vamos cortar um cêntimo a nenhuma pensão. Vamos aumentá-las de uma forma geral e colocar a referência do complemento social para idosos nos 820 euros”, acrescentando que esta medida é “realizável” e “não coloca em causa o equilíbrio das contas públicas”.
A estratégia para derrubar o PS. Pré-coligação à vista?
Luís Montenegro só será primeiro-ministro depois de 10 de março se os sociais democratas vencerem as eleições antecipadas, foi o próprio quem o reafirmou, no púlpito do Congresso, posicionando-se como a alternativa “moderada, aberta, responsável e segura”, por oposição a um PS que encostou aos extremos de esquerda (acusando Pedro Nuno Santos, candidato à liderança do PS, de estar a preparar o regresso da “geringonça”) e de direita (por ter interesse em que o Chega tenha um resultado melhor nas urnas).
Para os sociais democratas chegarem ao resultado que os permita governar, ouviram-se, na reunião magna, apelos a uma coligação eleitoral de direita, que robusteça a proposta do PSD. “Não vejo que exista qualquer impedimento à promoção de um acordo com o CDS e com a Iniciativa Liberal, que permita dar o tal élan que precisamos de acrescentar àquilo que consistentemente o nosso líder tem feito”, defendeu Nuno Morais Sarmento, antigo ministro da Presidência de Durão Barroso e de Santana Lopes, o único delegado aplaudido de pé mal colocou um pé no palco. Mensagem já antes defendida por Manuel Castro Almeida, antigo secretário de Estado de Cavaco Silva e de Passos Coelho, que além da sugestão de uma pré-coligação, alertou para as escolhas de candidatos a deputados, que devem ter particular atenção à qualidade num momento em que a imagem da classe política se deteriora.