João Lemos Esteves, 34 anos, jurista, ex-cronista do Sol que se dedicou a atividades conspirativas, está ligado a uma mão cheia de sites de propaganda de desinformação, admitiu esta terça-feira – durante o primeiro julgamento por difusão de fake news em Portugal – que inventou e publicou informações sobre o historiador José Pacheco Pereira, ficando obrigado a pagar uma indemnização de dez mil euros ao visado.
Foi a partir de 2016 que João Lemos Esteves começou a exprimir o seu lado mais radical, acompanhando a ascensão política do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de quem Lemos Esteves é um fiel seguidor, tal como de temas relacionados com Israel. No Twitter, agora X, o jurista refere-se ao político norte-americano como uma “estrela maior”, “brilhando mais do que as estrelas de Hollywood”; repetia as mensagens de Trump e publicou mesmo um livro, em abril de 2018, sobre o ex-presidente.
O “Dia D – O Dia de “The Donald”, editado pela Alêtheia de Zita Seabra, é apresentado como uma forma de “explicar a normalidade institucional da vitória do candidato republicano” e as “razões pelas quais devemos acreditar no sucesso da nova Administração” norte-americana. O prefácio é assinado pelo líder do Chega, André Ventura, que também esteve presente na apresentação.
Um início no PSD
Tal como Ventura, também Lemos Esteves começou pelo PSD. Foi militante social democrata e apoiante assumido de Marcelo Rebelo de Sousa, de quem foi aluno na Faculdade de Direito. Começou a escrever cedo na imprensa – aos 21, colaborava com o blogue do Expresso “Politicoesfera” e, um ano depois, estreava uma rubrica num programa da SIC Radical. No episódio de despedida recebeu inclusivamente a visita do atual Presidente da República, que se referiu a Lemos Esteves como “um génio do comentário político”. “Eu já cá não estou quando ele for muito mais importante do que eu”, vaticinou então Marcelo, que, anos mais tarde, se viria a arrepender destas palavras. Ao Público, em 2021, o chefe de Estado demarcava-se dizendo que “Lemos Esteves foi meu aluno, mas nunca foi meu assistente (…) Fui ao programa dele na televisão há muitos anos, porque fui apoiado por ele, mas desde que sou Presidente que sou alvo sistemático das suas críticas”.
João Lemos Esteves licenciou-se em 2011 com 16 valores, seguiu para o mestrado em Direito Constitucional que acabou com 18. E, logo em 2013, começa a dar aulas, a tempo parcial, como assistente convidado da Faculdade de Direito da Universidade nas cadeiras de Direito Comparado e Direito das Sucessões. Escreveu na revista da Associação Académica da Faculdade. Todavia, até quando ou se ainda tem qualquer vínculo contratual com a instituição académica não é possível perceber pelo site da Universidade, onde ainda consta como assistente convidado. Colegas testemunham, à VISÃO, que se dizia perseguido e ausentava-se da instituição durante longos períodos de tempo, tornando-se incontactável.
A VISÃO enviou um pedido de esclarecimento à Faculdade, há dois dias, no sentido de perceber qual a relação que tem ou teve com o professor, mas, até o momento, não obteve qualquer resposta. Sendo certo, por relatos vários, que João Lemos Esteves ainda deu aulas na instituição quando começou o processo de radicalização.
Uma investigação do Público, publicada há dois anos, assinada pela jornalista Bárbara Reis, notava as ligações do jurista a vários sites de desinformação escritos por pessoas fictícias e com currículos que citavam instituições inexistentes. Foi “diretor”, “editor” e “colaborador” da Voz Ibérica, da Total News Agency, da Alianza 24 e da Citizens for the World. Tudo plataformas ligadas à propaganda de notícias falsas.
De resto, as crónicas que assinou, entre 2020 e 2021, no semanário Sol já mostravam uma contaminação de um universo alternativo, com argumentos ficcionados. Houve uma – o ataque a José Pacheco Pereira – que não ficou sem resposta.
“Perseguido pelo SIS”, alega
Em Junho de 2023, alegava estar a ser perseguido pelo SIS. “Considerando a controvérsia da utilização ilegal da inteligência portuguesa SIS para perseguir interesses pessoais de funcionários do governo, é importante recordar o que o socialista radical António Costa fez comigo nos últimos meses – o mesmo modus operandi relatado por Frederico Pinheiro (assistente do Ministro Galamba), só que muito pior”, lê-se num mail enviado para a direção da VISÃO.
“Tal como descreveu Pinheiro, em Abril e Maio de 2022, recebi também a visita de um ‘enviado da Presidência do Conselho de Ministros’ na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, para negociar uma ‘vida tranquila’ em troca do meu silêncio sobre a atividade da Rússia, da China e do Irão no Portugal de Costa… se não, sofreria consequências… na semana seguinte, o Procurador-Geral português agiu e as minhas aulas começaram a ser sabotadas…”, acrescentava.
Neste mail, escala a sua história a uma conspiração internacional: “O diretor do jornal português Nascer do Sol – disse-me, depois do meu último artigo sobre a empresa Huawei, para permanecer calado sobre a China, a Rússia e o Irão porque não estávamos a ser espiados apenas por Portugal: isto ‘já estava muito além de Portugal’…”
Em Janeiro passado, já tinha enviado outro mail com outras teses conspirativas: “O Portugal do socialista António Costa é um refúgio para a perseguição da China e do Irão, atividades de inteligência – minando a liberdade e a democracia, utilizando meios de comunicação portugueses próximos de António Costa e Boaventura de Sousa Santos, violando as sanções dos EUA ao dar apoio material ao IRGC, uma organização designada terrorista”. E termina: “Com o apoio e envolvimento activo de Antonio Costa, iniciaram uma estratégia de guerra jurídica, incluída numa estratégia mais geral de ‘guerra não convencional’ inspirada (segundo eles) nos ensinamentos do General Qassem Soleimani”, escreveu na mensagem.
No entanto, contactado pela revista, desta vez, não respondeu, até à hora da publicação deste texto.
Culpado de desinformação
“Afirmo publicamente não corresponder à verdade tudo o que escrevi sobre a relação de José Pacheco Pereira com o Irão num artigo publicado no jornal Sol de 9 de Janeiro de 2021, que acabou por ser republicado em várias publicações anónimas”, começou por ler João Lemos Esteves, esta terça-feira, 12, perante o Tribunal de Rio Maior, em Santarém, depois de uma manhã de negociações com a defesa de Pacheco Pereira, que terminaram num acordo que obriga o jurista a pagar 10 mil euros ao historiador até setembro de 2025.
O ex-cronista admitiu publicamente que recorreu a “fontes falsas” para escrever o artigo publicado no semanário com o título “Pacheco Pereira, o Ayatollinho que apela ao antissemitismo (what a nasty man!)”, em que acusava, entre outras coisas, o historiador de ser “presença assídua nas festas da embaixada do Irão em Lisboa”, de ser “consultor especial do embaixador” a troco de “luxos e privilégios”. Além de um “potencial envolvimento com o Movimento BDS e organizações terroristas” financiadas pelo Irão.