As velas de altar, feitas em cera, que Gabriela Ferreira ainda tem coragem de expor para venda no Mercado dos Produtores de Viseu, deveriam ser direitas, mas estão tão tortas que mais parecem refletir as curvas e as contracurvas de muitas das estradas da Beira Alta. Sofrem com o efeito do calor insuportável que se faz sentir naquele espaço, que a câmara liderada pelo histórico social-democrata Fernando Ruas classifica como “provisório”. Apesar de ser manhã cedo e de pairar a ameaça de uma tempestade, que se desenha no horizonte, a técnica para frequentar aquela feira tem de passar por usá-la como se de uma sauna se tratasse: entra-se, fica-se cinco minutos, no máximo, e sai-se, para não se correr o risco de se ficar desidratado. Ainda que o couto de cera esteja num triste estado, é com um deles que Gabriela recebe em riste Mariana Mortágua, sábado, 2 de setembro, quando passavam quase 100 dias (assinalados na última terça-feira) desde que a deputada foi eleita líder do Bloco de Esquerda. “Está aqui isto – a prova deste calor horrível. Precisamos de alguém que nos ouça. É que ninguém nos ouve; ninguém”, atira a vendedora, de 40 anos, com um olhar perdido, que leva uns quantos segundos até perceber, surpreendida, a quem se está a dirigir.
Está é mais uma feira por onde Mariana Mortágua passa, desde que substituiu Catarina Martins à frente de um partido que caminha para os 25 anos de existência. Apesar de recusar tratar-se de uma resposta à oposição interna, que, na convenção eletiva de 28 de maio, criticou a anterior coordenação bloquista por, alegadamente, não sair da bolha cosmopolita das grandes cidades e de não rumar ao Interior, a coordenadora do BE parece ter resgatado a receita que permitiu ao CDS – já lá vão duas décadas – roubar ao PSD uma boa fatia do eleitorado fora dos centros urbanos e ter o então presidente com o cognome cunhado de “Paulinho das Feiras”.