O juiz Pedro Correia deu, na passada quinta-feira, 13 de julho, 90 dias às defesas dos arguidos José Sócrates e Carlos Santos Silva 90 dias para contestarem a decisão do juiz Ivo Rosa, de abril de 2021, sobre uma eventual alteração substancial dos factos. A decisão do magistrado surge na sequência de um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de março, que deu razão ao antigo primeiro-ministro. Além dos 90 dias, as defesas, de acordo com o mesmo acórdão, terão depois mais 120 dias para apresentarem um recurso do que for decidido quanto às nulidades invocadas. Nessa altura, Pedro Correia já não estará no lugar J2 do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, porque será substituído pela juíza Carla Marinho Pires.
Recapitulando: após a decisão instrutória de Ivo Rosa, em abril de 2021, as defesas de Carlos Santos Silva e José Sócrates contestaram o facto de o magistrado ter procedido a uma alteração substancial dos factos, isto é, tranformando Carlos Santos Silva – a quem o Ministério Píublico imputava crimes de corrupção passiva, em co-autoria com José Sócrates – no único corrruptor ativo do antigo primeiro-ministro.
Logo a 15 e a 22 de abril de 2021, as defesas de José Sócrates e Carlos Santos Silva, tendo em conta a dimensão do despacho de instrução (quase sete mil páginas), pediram 90 dias para a chamada arguição de nulidades da decisão judicial, justamente ligada à alteração feita por Ivo Rosa à narrativa do despacho de acusação. Por exemplo, Paula Lourenço, advogada do empresário Carlos Santos Silva, defendeu que o magistrado judicial não comunicou previamente a alteração da “qualificação jurídica”, o que impediu o seu cliente de exercer o “seu legítimo direito de defesa”, já que até então apenas se tinha defendido de uma acusação de corrupção passiva, em coautoria com José Sócrates.
Os argumentos foram, porém, rejeitados pelo magistrado judicial, a 23 de abril do mesmo ano. O juiz fundamentou a sua decisão, alegando que, afinal, ambos os arguidos e o próprio Ministério Público já tinham apresentado os respetivos requerimentos de arguição de nulidades, no prazo que a lei prevê, três a oito dias. Defesas e Ministério Público acabariam por avançar com um requerimento a suscitar a nulidade do despacho de pronúncia na sequência da alteração substancial de factos feita pelo juiz, com os procuradores a classificarem algumas das passagens da decisão do juiz como “absurdas” e a pedirem que, face à nulidade verificada, a parte que seguiu para julgamento fosse integrada no segmento do processo arquivado, o qual seria alvo de recurso.
A 4 de junho de 2021, o magistrado judicial rejeitou a existência da tal invocada nulidade relacionada com a alteração da narrativa da acusação e, mesmo com um prazo para um eventual recurso da sua decisão de 23 de abril em não conceder o prazo de 90 dias para as defesas alegarem nulidade, declarou o fim dos seus poderes, enquanto juiz de instrução neste processo. Coincidentemente, naquele mesmo dia de junho de 2021, dava entrada no Tribunal Central de Instrução Criminal um recurso da defesa de José Sócrates, contestando a não concessão do prazo alargado para colocar em causa eventual nulidade (90 dias), mais 120 dias para recorrer das mesmas. No recurso, Pedro Delille, advogado de José Sócrates, considerou que Ivo Rosa, ao rejeitar dar o prazo pedido, “não cuidou de atender à complexidade e dimensão dos processos em causa”.
Só que Ivo Rosa estava mesmo decidido e ordenou a “imediata remessa” dos autos (a parte que seguia para julgamento) para o Juízo Central Criminal de Lisboa, de forma a ser distribuído a um coletivo para julgamento. Mas o recurso de José Sócrates ficou parado algures numa secretária do TCIC, não tendo acompanhado a remessa dos autos para julgamento, nem subido para o Tribunal da Relação de Lisboa. E nem se diga que, a partir deste momento, o juiz de instrução não tocou mais no processo da Operação Marquês: é que depois da distribuição feita à juíza Margarida Alves (Juiz 19) para o julgamento, os autos ainda regressariam mais vezes ao TCIC e às mãos de Ivo Rosa, mas o recurso continuou parado.
Nas rédeas do caso de José Sócrates desde setembro do ano passado, só a 14 de dezembro de 2022 é que Pedro Correia remeteu o recurso de 4 de junho de 2021 para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual foi distribuído aos juízes João Abrunhosa, Filipa Costa Lourenço e Maria Gomes Perquilhas, que por maioria (Maria Pequilhas vitou contra) deram razão ao antigo primeiro-ministro.
Ou seja, até meados de novembro (o mês de agosto não conta devido às férias judiciais), as defesas ainda terão que pronunciar-se sobre a matéria da alteração substancial dos factos, ficando ainda em aberto a concessão de um prazo de mais 120 dias para recorrerem da decisão que a juíza Carla Marinho Pires venha a tomar.
Com isto, os recursos do Ministério Público quanto à não pronúncia de José Sócrates e outros arguidos ficam congelados no Tribunal da Relação de Lisboa, enquanto o processo que já estava em julgamento – por crimes de falsificação de documentos e branqueamento de capitais – tem o mesmo destino. Tudo porque, apesar de já estarmos em 2023, para a justiça a “Operação Marquês” deve regressar a abril de 2021.