É o fim de uma era, devido ao incidente no Ministério das Infraestruturas que se transformou numa “divergência de fundo” entre o Presidente da República e o primeiro-ministro. Dois dias depois de António Costa ter travado a demissão de João Galamba, Marcelo Rebelo de Sousa quebrou o silêncio, para assegurar que, apesar de não atirar o País para eleições antecipadas, não vai dar mais o benefício da dúvida ao Governo PS sempre que esteja em causa “uma deterioração” e a “confiança” dos portugueses na gestão do País.
Numa comunicação a partir de Belém, esta quinta-feira, o presidente da República foi duro quanto à permanência de João de Galamba no Executivo – “como pode esse ministro não ser responsável pelo que aconteceu?”. Segundo Marcelo, que avisou que a partir de agora irá estar mais atento ao que o Governo vai fazer”, não só “responsabilidade é mais do que pedir desculpa”, como “não se apaga dizendo que já passou” o problema. Mais: questionou o uso neste caso condenável dos “serviços mais sensíveis da proteção nacional”; ou seja, do SIS.
Após aludir aos recentes resultados da economia (pelo qual o PS tentou puxar nos últimos dias para desviar os holofotes da polémica sobre os incidentes no Ministério das Infraestruturas), dizendo que esse “crescimento económico não se faz sentir na vida dos portugueses”, Marcelo começou por dizer que a “autoridade para existir tem de ser responsável” e que, usando as palavras do primeiro-ministro, isso não aconteceu na reação do Governo à situação “recambolesca” e às cena “inadmissíveis” que envolveram um adjunto de Galamba.
Criticando que, após o comunicado de Galamba e as palavras de Costa na terça-feira à noite, “acabam por só responder [pelo que aconteceu] os mais pequenos”, aludindo a Frederico Pinheiro, demitido pelo ministro, Marcelo respondeu à questão que marcava a discussão política nas últimas 48 horas: “vai o Presidente da República retirar do caso ilações; ou seja, conclusões imediatas ou a prazo? Sim. Duas conclusões que se retiram e completam entre si. Primeira conclusão: tudo visto e ponderado, continuar a preferir a continuidade da estabilidade institucional, não fazer aquilo que por aí andam como cenários, implicando, imediata, direta ou indiretamente, o apelo ao voto popular antecipado. Os portugueses evitam esses sobressaltos, essas paragens, esses compassos de espera, num tempo como este”.
Recado para Costa, e Galamba também: “responsabilidade não é pedir desculpa”
“Comigo não contem para criar conflitos. Ou para deixar crescer tentativas, isoladas ou concertadas para enfraquecer a função presidencial, envolvendo-a em alegados conflitos institucionais”, disse, salientando que os portugueses recordam como “acabaram esses conflitos no passado”, envolvendo outros chefes de Estado e governantes.
Contudo, assumiu ter uma “divergência” profunda com o primeiro-ministro, por Galamba não ter visto o seu pedido de demissão aceite na terça-feira, ao final do dia.
De acordo com Marcelo, Galamba não tem condições para continuar em funções quando se considera “não ser responsável pelo colaborador que escolhera manter na sua equipa mais próxima, no seu gabinete, a acompanhar – ainda que para efeitos de informação – um dossiê tão sensível como o da TAP, onde os portugueses já meteram milhões de euros, e merecer tanta confiança que podia assistir a reuniões privadas, preparando outras reuniões (essas públicas na Assembleia da República)”.
“Como pode o ministro não ser responsável por situações recambolescas, muito bizarras, inadmissíveis ou deploráveis (as palavras não são minhas), suscitadas por esse colaborador, levando aos serviços mais sensíveis da proteção nacional – que aliás, por definição estão ao serviço do Estado e não de governos?“, questionou. “Como pode esse ministro não ser responsável pelo argumentário público que afirmara o seu subordinado , revelando pormenores do funcionamento interno, incluindo referência a outros membros do Governo?”, acrescentou, frisando que “a responsabilidade administrativa” ,que Galamba mostrou não ter, é essencial para que os portugueses acreditem naqueles que os governam.
Ou seja, defendeu, “responsabilidade é mais do que pedir desculpa, virar a página e esquecer. É pagar por aquilo que se faz ou se deixou de fazer“. E frisou, deixando no ar que o ministro irá ficar muito fragilizado, até tendo em conta o que é expectável o que venha a acontecer e a ser dito na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP: “não se mistura política com Justiça. Não se apaga dizendo que já passou; não passou. Reaparece, todos dias, todos os meses e todos os anos, para que os portugueses não se convençam que ninguém responder por nada e que ninguém manda em nada”. “Foi por tudo isto que considerei que o ministro das Infraestruturas deveria ter sido exonerado e que ocorreu uma divergência de fundo com o primeiro-ministro“, apontou, salvaguardando que as suas críticas não têm a ver com “qualidades pessoais e até o desempenho” de Galamba.
Costa deixou de querer “acertar agulhas”. “É pena”, lamenta Belém
Marcelo deixou claro que a decisão de Costa tenha mudado o que existia até agora, que era um “acertar de agulhas” entre São Bento e Belém. “Desta vez, não. Foi pena. Não por razões pessoais, ou disputa entre cargos que a Constituição distingue entre si, mas por razões de interesse nacional”.
Marcelo avisou que, a partir de agora, irá “estar ainda mais atento à gestão política e administrativa” do Governo
Por isso, perante a decisão de Costa, o Chefe de Estado avisou que “o que sucedeu terá outros efeitos no futuro”: “Terei de estar ainda mais atento à questão da gestão política e administrativa dos que mandam, porque até agora eu julgava que existia – com mais ou menos distância temporal – acordo no essencial”.
Sem poupar nas palavras, disse que este caso veio expor “diferença de fundo” e que “assim, para prevenir o aparecimento e o avolumar de fatores imparáveis, e o indesejável conflito”, irá “estar mais atento e mais interveniente” do que até este episódio.
Marcelo admite que, se assim não for, terá de recorrer a “poderes de exercício excecional que a Constituição” lhe confere.
Resumindo, “ao próximo destes mais de dois anos” que ainda terá pela frente em Belém, até às próximas Presidenciais, Marcelo vai estar de “forma intensa” muito mais interveniente, tendo em conta que, pelo lado de Costa e de Galamba, “a responsabilidade política não foi assumida como deveria ter sido, com a exoneração do ministro das Infraestruturas”.
Antes desta comunicação, Marcelo esteve reunido com António Costa, cerca de uma hora, já que é às quintas-feiras que o presidente da República e o chefe do Executivo se encontram.