“O orador é advertido pelo presidente da Assembleia quando se desvie do assunto em discussão ou quando o discurso se torne injurioso ou ofensivo, podendo retirar-lhe a palavra.” Escudado neste ponto 3 do artigo 89º do Regimento da Assembleia da República, Augusto Santos Silva comprou uma guerra com o Chega – e agora, ao que parece, com boa parte da direita portuguesa, a que acaba de juntar-se (embora por motivos indiretos) o líder da oposição, Luís Montenegro. O início das hostilidades pode ser reconstituído logo a partir da intervenção na tomada de posse de Santos Silva, como presidente do Parlamento: “O único discurso sem lugar, aqui, será o do ódio.” Na altura, alertava contra as “simplificações abusivas do populismo”. E, rematava: “A melhor maneira de o combater é não lhe conceder mais relevância do que aquela que o povo português lhe quis atribuir”. Estava declarada a guerra.Desde então, foram inúmeras as ocasiões em que Ventura e Santos Silva se confrontaram, o que, em julho do ano passado, motivou mesmo a apresentação, por parte do Chega, de uma resolução para censurar o comportamento do segundo. Entre outras queixas, a recusa do Presidente da AR em aceitar um projeto de lei que aumentava a pena máxima de prisão para os 65 anos (por manifesta inconstitucionalidade) ou uma advertência de Santos Silva, que, a propósito de um crime cometido por um cidadão de etnia cigana – pelo qual Ventura responsabilizava toda a comunidade… –, advertiu o líder do Chega de que não existe, em Portugal, a atribuição de “culpa coletiva”.
Em declarações à VISÃO, Augusto Santos Silva mostra-se tão crítico cá fora, face ao Chega, como implacável lá dentro, no hemiciclo: “O que é novo é haver um partido que provoca os incidentes para ganhar protagonismo”. Mas há outro fator novo – e esse é o segredo mais mal guardado da política portuguesa: enquanto os seus antecessores tiveram no cargo o seu final de carreira, agora, pela primeira vez, um presidente do Parlamento é apontado como o próximo candidato de um partido à Presidência da República. Para muitos observadores, este conflito antecipa a longínqua campanha presidencial de 2026, pressupondo-se que Augusto Santos Silva será o candidato apoiado pelo PS e André Ventura repetirá a tentativa de 2021, apoiado pelo Chega. O primeiro recusa comentar essa possibilidade: “São foguetes que não deitei; por isso, não tenho de apanhar as respetivas canas.”