A Assembleia da República recusou o pedido do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa (TCICL) para levantar a imunidade parlamentar de Catarina Martins, no âmbito de um processo de difamação, que resultou de uma queixa apresentada pelos deputados do Chega contra a coordenadora do Bloco de Esquerda.
A Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados rejeitou que Catarina Martins fosse constituída arguida e interrogada nessa qualidade, considerando que as declarações que motivaram este processo “foram proferidas no contexto de confronto político-partidário, pelo que o levantamento da imunidade parlamentar teria a virtualidade de limitar o livre exercício do mandato parlamentar” da líder do BE.
Recorde-se que este processo surge depois de uma queixa dos 12 deputados do Chega, na sequência das declarações de Catarina Martins na ressaca do ato eleitoral de 30 de janeiro. Ainda na noite das legislativas, Catarina Martins afirmou que “este é também um mau resultado, por causa do resultado que teve a extrema-direita e o Chega e devemos abordar isso com clareza (…) cada deputado racista eleito no Parlamento português é um deputado racista a mais e cá estaremos para os combater todos os dia” – a coordenadora do BE referia-se ao processo movido pela família Coxi, do Bairro da Jamaica, em que André Ventura foi condenado.
O eventual levantamento de imunidade parlamentar de Catarina Martins “poderia abrir uma verdadeira ‘caixa de pandora’, motivando novos processos judiciais pelas mais variadas expressões e atuações políticas
Comissão de Transparência
Embora o juiz do TCICL, refira no despacho que nenhum dos deputados do Chega “alguma vez proferiu qualquer declaração ou intervenção em que afirmou, defendeu, ou sustentou a superioridade de certas raças ou o direito dessas raças dominarem, ou mesmo suprimirem outras”, a comissão de Transparência considera que “facilmente se conclui” que as declarações de Catarina Martins “foram proferidas no exercício da sua atividade política, não se tratando, assim, de factos que se integrem na sua esfera pessoal ou profissional (extrapolítica)”.
Mais: a relatora Isabel Moreira, deputada do PS, considera que “no contexto dos debates parlamentares e dos trabalhos das comissões, tem-se revelado normal que aqueles partidos políticos [Chega e Bloco], sendo declaradamente de espectros opostos, critiquem as posições e ideias um do outro, muitas vezes com forte vigor, no normal desenvolvimento da atividade de oposição político-partidária”. “Os partidos políticos que queixosos e denunciada integram são verdadeiros ‘adversários políticos’ e as expressões que possam ser utilizadas por pelos membros de um partido contra os dos outros (ou contra os próprios partidos políticos enquanto pessoas coletivas) têm, forçosamente, de integrar e de se qualificar como oposição político-partidária”, lê-se no documento.
A comissão considera mesmo que o eventual levantamento de imunidade parlamentar de Catarina Martins “poderia abrir uma verdadeira ‘caixa de pandora’, motivando novos processos judiciais pelas mais variadas expressões e atuações políticas, que significaria atribuir aos tribunais a função de ‘policiar’ a atividade política, tudo culminando num forte risco de recessão democrática por via da violação da separação das funções política e jurisdicional do Estado”.