Fosse qual fosse o desfecho da votação do Orçamento do Estado para 2022, os portugueses já tinham percebido que vivemos o último estertor da Geringonça, com a última peça da “maquineta”, o PCP, a acusar o desgaste de seis anos de um conflito de baixa intensidade. Ora, por estranho que, hoje, nos possa parecer, as relações entre PS e PCP – cujo estado degradado o debate parlamentar terá revelado com eloquência – apenas voltaram ao “velho normal”: os 47 anos de democracia, salvo o interregno dos últimos seis, ficam marcados pelas divergências historicamente insanáveis, sem prejuízo dos episódios de encontros tácitos, como o de 2015. A linha divisória, definida, no PREC de 1974/75, entre Mário Soares e Álvaro Cunhal guiou sempre ambas as partes. Veja como, em dez momentos…
1974 Tensão no 1º de Maio
Cerca de um milhão de pessoas enchem as avenidas de Lisboa – e mais umas centenas de milhares replicam-no, noutras cidades. Na tribuna de honra, sucedem-se os discursos antifascistas. No alinhamento das intervenções, Mário Soares, líder do Partido Socialista, fundado um ano antes, em Bad Munstereifel, perto de Bona, na Alemanha Ocidental, será o penúltimo a falar. A última palavra pertence a Álvaro Cunhal, secretário-geral do PCP, desde 1960, e decano dos resistentes à ditadura. “Explicaram-me que ele seria o último, por ser mais velho”, diria Soares, posteriormente. “Mas não fiquei convencido.” Numa jogada de antecipação, Soares ocupara o terreno, regressando do exílio a 28 de abril. Ele sabia que o primeiro a chegar seria o dono do palco. Álvaro Cunhal, só aterraria na Portela a 30 de abril. Pouco depois, o duelo PS vs. PCP começaria.