Nem um ano e meio de pandemia, com o País a atravessar uma quarta onda de infetados por Covid-19, levou António Costa a mudar a habitual fórmula da análise da governação que leva todos os anos à Assembleia da República, antes das férias parlamentares. Não houve espaço, nos 17 minutos de intervenção, para polémicas recentes, entre as quais as do ministro da Administração Interna, ou o cada vez maior apagamento da ministra da Saúde; ainda que Eduardo Cabrita e Marta Temido tenham sido dos poucos membros do Governo que acompanharam o primeiro-ministro na bancada. E para as reformas que estão sob críticas, como a extinção do SEF, só foi sinalizado que estão nos carris.
No arranque do debate do Estado da Nação, o socialista acenou com cinco medidas importantes a curto prazo – entre elas, a vacinação de jovens, com mais de 12 anos, já no próximo mês, e 900 milhões de euros para apagar os efeitos dos confinamentos em alunos e escolas -; recuperou algumas medidas de orçamentos anteriores que ficaram por executar, principalmente de 2020, mas agora financiadas pelo Plano de Recuperação; e insistiu nas linhas do programa de Governo de 2019.
Quanto ao impacto da Covid-19 na vida dos portugueses, o primeiro-ministro destacou a resiliência de todos, principalmente para quem manteve a economia a funcionar no meio de estados de exceção, confinamentos e limites à circulação. “Há um ano, afirmei aqui que o estado da nação era o de uma nação em luta. Dessa luta nos estamos agora a reerguer”, assegurou, lembrando as palavras do debate do Estado da Nação, em julho de 2020.
No imediato: vacinas e dinheiro
“Permitam-me que vá direto ao tema deste debate: o que nos exige o Estado da Nação”. Ora, Costa esclareceu logo no começo porque não arrancaria com uma análise do estado do País, mas antes do que, segundo o Governo, é preciso para voltar ao normal nos setores mais atingidos, elencando cinco eixos – um dos quais, o mercado laboral, em resposta a cinco anos de exigências à esquerda, que pedia medidas de proteção do trabalho e mexida no Código Laboral.
Primeiro, vai-se completar a vacinação, e isso inclui – caso o parecer da Direção-Geral da Saúde seja positivo – imunizar os 570 mil jovens a partir dos 12 anos, já a partir de 14 de agosto. Depois, Costa repescou o investimento no Serviço Nacional de Saúde (SNS) que o Orçamento Suplementar de 2020 já estabelecia, mas desta vez financiado por 1 383 milhões da “bazuca” de Bruxelas. Mais 900 milhões de euros para recuperar as aprendizagens afetadas pela pandemia, onde se inclui mais recursos digitais. Por último, duas frentes: proteger trabalhadores, principalmente os precários e os que passaram por um teletrabalho sem regras claras, naquilo que chamou de “trabalho digno”; e planear onde o País vai gastar o dinheiro do orçamento europeu 2030.
De volta às agendas de 2019. Reformas faladas en passant
“A pandemia não nos desviou das quatro agendas estratégicas que nos guiam e que agora ganham novo impulso com o reforço dos recursos para as executar”, explicou, para justificar que os princípios que guiaram a apresentação do programa de Governo, em 2019, são para ser resgatados, agora com a ajuda do Plano de Recuperação da Europa atingida pela Covid-19.
Costa deu um exemplo do que significa associar os euros da “bazuca” aos desígnios traçados pelo Executivo antes da pandemia para uma das agendas, a do combate ao envelhecimento da população e à desigualdade: “Os 8 600 milhões de euros que escolhemos dedicar a esta agenda asseguram, desde logo, que podemos prosseguir de forma robusta as políticas de inclusão e combate à pobreza, de ação social escolar e as políticas de emprego. Trata-se de um reforço claro: por cada euro disponível no anterior quadro comunitário, temos agora quase 2,7 euros dedicados à coesão social”. As restantes agendas, como a transição climática e a modernização da administração pública – ou medidas específicas, como o realojamento de 26 mil famílias até aos 50 anos do 25 de Abril, em 2024 -, gozarão igualmente da vinda dos 16,6 mil milhões de euros.
Antevendo o que seriam as análises das bancadas, principalmente à direita, sobre o último ano legislativo, o Chefe do Governo aflorou as polémicas reformas, que estão pendentes no Parlamento, como a extinção da polícia da imigração ou a monitorização da aplicação do dinheiro que vem da Europa. Porém, apenas para sinalizar a intenção de as concluir e não para responder às críticas: “A execução da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, a reforma da estrutura de comando das Forças Armadas, a separação das funções policial e administrativa na relação do Estado com os imigrantes, a reforma da rede consular, o desenvolvimento do Portal da Transparência, são um conjunto coerente de reformas que melhoram as nossas instituições e que se impõem para alcançarmos um Estado mais transparente e mais eficiente”.
A coisa já não está tão mal
António Costa dedicou quatro minutos a olhar para trás, após os 13 minutos de anúncios de medidas, defendendo que o País já se conseguiu “reerguer” das ondas pandémicas que quase afundaram a economia. Exemplo disso, salientou, são “a contenção da taxa de desemprego em 7,1%”, que “um valor de exportações de bens nos primeiros meses de 2021 foi mesmo superior ao do período homólogo de 2019” e que o “primeiro trimestre de 2021 tivesse fixado um novo máximo de investimento empresarial, pelo menos desde 1999, início da série estatística”.
Reconhecendo a “dor do luto”, que permanece desde março de 2020, mais uma vez destacou o esforço de vários profissionais públicos, a começar pelos do SNS, e terminou com o lema mundial em tempos de pandemia, comprometendo-se a “não deixar ninguém para trás”.