Apenas e só “especulação”. É assim que o Grupo Lufthansa – que detém a Lufthansa, Brussels Airlines, Swiss Airlines, Austrian Airlines e Eurowings – descreve as notícias desta sexta-feira que dão conta de uma alegada disponibilidade da empresa de aviação alemã para adquirir uma posição minoritária no capital social da TAP, permitindo, desta forma, viabilizar junto de Bruxelas o plano de reestruturação do Governo para a companhia portuguesa.
E, como tal, quando confrontada com esta possibilidade, a porta-voz da Lufthansa, Anja Stenge, limita-se a afirmar à VISÃO que “não comenta qualquer especulação”. A notícia, publicada pelo Eco, garante que o interesse num acordo entre Governo português e Lufthansa “é recíproco”, mas a VISÃO sabe que esse cenário é praticamente impossível de se tornar real.
Lufthansa afasta-se: nova companhia alemã vai concorrer com TAP
Dois cenários impedem o acordo no imediato: o legal e o comercial. Por um lado, a Lufthansa está impedida de investir em novas companhias aéreas no âmbito dos apoios estatais que recebeu; por outro, prepara-se para ter a sua própria companhia de longo curso, tornando-se concorrente da TAP.
É isso mesmo que explica à VISÃO Pedro Castro, consultor em aviação comercial. “Legalmente, não vejo como é que o Grupo Lufthansa se poderia comprometer a participar na TAP no imediato. Com as ajudas que a própria Lufthansa recebeu do Governo alemão, usar parte desse dinheiro para a aquisição de outra companhia não me parece que seja possível”, diz. Recorde-se que esta foi uma das condições que ficaram definidas entre Berlim e a empresa na sequência do apoio estatal no valor de nove mil milhões de euros que a Lufthansa recebeu para enfrentar a crise no setor. Este apoio permitiu ao Estado alemão passar a deter 20% do capital da empresa (a participação pode chegar aos 25%) através da subscrição de novas ações, tornando-se no principal acionista da Lufthansa. O Governo alemão assegurou, no entanto, que não vai interferir na gestão da empresa, e que prevê colocar a sua posição à venda em 2023.
[A Lufthansa] não comenta qualquer especulação
Anja Stenge, PORTA-VOZ do grupo alemão de aviação
Outro sinal contrário, é a aposta do Grupo Lufthansa no lançamento de uma nova marca: a Eurowings Discover, que recebeu o certificado da Autoridade Federal de Aviação da Alemanha no passado dia 16 de junho, vai apostar em voos de longo curso, a partir das bases da Eurowings na Alemanha e no estrangeiro (a Eurowings tem bases em Salzburg, Palma de Maiorca, Pristina e mais recentemente Praga). América e África são os destinos principais – cobrindo, desta forma, parte do mercado que a TAP considera mais rentável. A primeira ligação da Eurowings Discover está agendada para dia 24 de julho, entre Frankfurt am Main, Mombasa, no Quénia, e Zanzibar, na Tanzânia.
Segundo Pedro Castro, esta é mais uma pista que permite concluir o afastamento entre Lufthansa e TAP. “Esta nova companhia é uma companhia que está vocacionada para o transporte a partir de bases europeias para qualquer local do mundo. De certeza que a Lufthansa prefere criar a sua própria companhia, do que estar a comprar uma companhia que, neste momento, atravessa problemas graves, e nem sequer conta com paz social. Não acredito que, face a este cenário, seja plausível a Lufthansa interessar-se pela TAP”, diz o especialista.
Como se explica, então, o interesse num acordo demonstrado publicamente pelo Governo português? “É uma wishlist [lista de desejos]”, diz Pedro Castro. O consultor em aviação comercial diz “compreender que o Governo português gostasse de ter a Lufthansa a participar e a dar credibilidade à TAP”, mas não vê “o grupo alemão a poder ou a querer fazê-lo”. “Neste momento, estão legalmente impedidos e comercialmente têm a Eurowings Discover. Nem sequer há um concorrente, uma Air France ou uma British Airways, por exemplo, com interesse na TAP, o que poderia levar a Lufthansa a avançar. A aviação europeia não está numa fase compradora”, conclui.
Credibilizar o plano: Bruxelas analisa apoios e o exemplo da Alitalia
O nome da Lufthansa tem vindo a ser lançado frequentemente como hipótese, sempre que uma companhia aérea europeia atravessa por dificuldades. Esta seria uma forma de o Governo português credibilizar o plano de reestruturação da empresa que continua, mais de sete meses depois – foi entregue a 10 de dezembro –, sem receber luz verde de Bruxelas. Decisão, essa, que não parece estar para breve: hoje ficou também a saber-se que a Comissão Europeia vai enviar para “investigação aprovada” o plano da TAP que prevê apoios e garantias públicas que podem chegar aos 3,7 milhões de euros até 2024 – o ministro Pedro Nuno Santos já assegurou que a TAP só estará em condições de começar a devolver dinheiro ao Estado em 2025.
Em comunicado, a Comissão confirmou “a abertura de uma investigação [que] dá a Portugal e aos terceiros interessados a oportunidade de apresentarem as suas observações, sem prejuízo do resultado da investigação”, um procedimento que poderá demorar, pelo menos, três meses. Em causa, estará a queixa da Ryanair, junto do Tribunal Geral da União Europeia, na sequência da injeção de 1,2 mil milhões de euros TAP em 2020.
A posição do Governo português faz lembrar a do italiano que, durante anos, acenou publica e constantemente com um eventual interesse da credibilizada Lufthansa na Alitalia, que nunca se chegou a concretizar. Se o interesse foi ou não real, apenas os media italianos confirmariam (com os alemães em silêncio). Bruxelas, por sua vez, nunca abrandou nas exigências, e as negociações ficaram concluídas apenas ontem. Em processo de falência, desde 2017, o Governo de Mario Draghi fechou esta quinta-feira as negociações que decorriam há meses com a Comissão Europeia, tendo em vista salvar a empresa.
Depois de, nos últimos quatro anos, Roma ter concedido dois empréstimos de cerca de 1.600 milhões de euros à Alitalia, sem que parte desse dinheiro tivesse sido devolvido, como estava previsto, Bruxelas decidiu apertar a vigilância. O acordo agora alcançado só ficou fechado depois de o Governo italiano ter deixado cair o nome da empresa. A Alitalia começa a voar com a designação de Ita já no próximo dia 15 de outubro.
A VISÃO contactou o Ministério das Infraestruturas, que tem a tutela dos transportes, para perceber que ligação existe atualmente entre TAP e Lufthansa mas, até ao momento, ainda não obteve resposta.