RAMALHO EANES
1976-86: Gravadores sobre a mesa
Eanes e Balsemão levavam cada um o seu gravador para as audiências, por desconfiarem de culpas mútuas, nas fugas de informação…
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Em 1981, Ramalho Eanes inaugurava o segundo mandato e estava desejoso de deixar a sua marca. O primeiro turno já fora turbulento: acusado por Mário Soares e, sobretudo, por Sá Carneiro, de ter um projeto de poder pessoal estribado numa tutela militarista, Eanes saíra incompatibilizado com ambos os líderes. Agora, relegitimado pelo voto, em sucessivas intervenções demolidoras, Eanes mantinha em lume brando o governo Balsemão. O Presidente lutava contra o projeto de revisão constitucional que unia o futuro arco do governo – PS, PSD e CDS – e que, em 1982, retiraria importantes poderes ao PR. Desde logo, o mais importante, o de demitir o primeiro-ministro e de o substituir por outro, mantendo a funcionar o Parlamento. Ao lidar com o segundo chefe de governo da AD, Francisco Pinto Balsemão, num clima de intriga permanente e com fugas de informação seletivas sobre os encontros entre PR e PM, em Belém – e muito bem aproveitadas por colunistas de jornais como um certo Marcelo Rebelo de Sousa… −, Presidente e primeiro-ministro chegaram ao ponto de levarem, cada um, o seu gravador, para registar os encontros semanais em Belém. Aprovada a revisão constitucional de 1982 e com um governo do Bloco Central, chefiado por Soares, Eanes patrocinaria, a partir do “Palácio Cor-de-Rosa”, um novo partido, o Partido Renovador Democrático (PRD), que viria a obter 18% em 1985. O PR entrava, por interpostas pessoas – desde a sua mulher, Manuela Eanes, ao líder provisório que lhe aquecia o lugar, Hermínio Martinho −, no combate político-partidário.
MÁRIO SOARES
1986-96: A ditadura da maioria
No primeiro mandato, nas presidências abertas, Mário Soares exibiu a obra do cavaquismo. No segundo, mostrou o lado miserável do País…
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Em setembro de 1986, Mário Soares, recém-eleito Presidente, inaugura o conceito de Presidência Aberta, em Guimarães. Mas o foguetório que servira, no primeiro mandato, para publicitar a obra do cavaquismo, iria, no segundo turno, dar lugar ao lado negro, ao País deprimido, descontente e desiludido. A última das presidências abertas, em abril de 1994, versou sobre “Ambiente e Qualidade de Vida” e andou pelos subúrbios degradados da Área Metropolitana de Lisboa. Ficou célebre a cena, ocorrida durante esta iniciativa, em que o Presidente assomou a uma janela do autocarro onde seguia para expulsar a patrulha da GNR que se mostrava reticente em prosseguir por uma ruela de um bairro degradado: “Ó senhor guarda, desapareça! Não queremos polícias!” Ainda em 1994, setores soaristas promoveram o Congresso Portugal, Que Futuro?, com o patrocínio do próprio PR. Em causa, um desfilar de críticas ao governo. Pelo meio, os representantes dos vários descontentamentos eram recebidos em Belém e alguns assessores revelaram, posteriormente, que o Presidente os encorajava a pedirem audiências, muito publicitadas. Sucessivamente, foi vetando ou solicitando ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva de diplomas estruturantes como o das propinas, o da lei dos coronéis, o da lei dos disponíveis e o das alterações à lei da greve. Em entrevistas, falou do direito à indignação e da ditadura da maioria, enviou mensagens demolidoras à AR e “obrigou” Cavaco, logo em novembro de 1992, a incluir o PR entre as “forças de bloqueio”. Em dezembro de 1993, já o primeiro-ministro clamava: “Deixem-nos trabalhar!”
JORGE SAMPAIO
1996-06: Sampaio despede Santana
Para acautelar o “regular funcionamento das instituições”, o PR tomou a decisão inédita de dissolver a AR com uma maioria e um governo em funções
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O ano de 2001 começa com a reeleição de Jorge Sampaio para Belém e termina com a demissão de António Guterres da chefia do governo. Era o pântano. O Presidente dissolve o Parlamento e convoca eleições antecipadas. Ganhou o PSD de Durão Barroso, com maioria relativa, e fez uma coligação com o CDS. Por essa altura, Sampaio começava a dar sinais de impaciência: “Há mais vida para além do Orçamento.” Na primavera de 2003, o primeiro-ministro é o anfitrião da Cimeira das Lages, onde George W. Bush, Tony Blair e José María Aznar decidem a favor dos falcões e dão luz verde à invasão do Iraque. Sampaio é ultrapassado: tinham-lhe dito que a cimeira seria um último esforço para evitar a guerra. No dia de São Pedro de 2004, 29 de junho, aniversário natalício de Pedro Santana Lopes, Durão Barroso anuncia, em conselho de ministros, a sua saída para sobraçar o cargo de presidente da Comissão Europeia. Pressionado a convocar eleições, o PR prefere aceitar a solução do governo PSD/CDS e indigitar Santana primeiro-ministro. Depois de uma série infindável de azares, umas vezes, e de trapalhadas, outras, o novo PM queixar-se-á dos seus próprios companheiros de partido, que tratam o governo como se estivessem “a pontapear um bebé na sua incubadora”. Cavaco reaparece para publicar o arrasador artigo da “boa e da má moeda”, tendo Santana como alvo. E Sampaio, aproveitando a cereja no topo do bolo de uma remodelação falhada (caso Henrique Chaves), despede sumariamente Santana, tornando-se o primeiro Presidente a dissolver um Parlamento que dispunha de uma maioria a apoiar um governo em funções. Nas urnas, o povo dá-lhe razão, concedendo maioria absoluta a José Sócrates.
CAVACO SILVA
2006-16: “Há limite para os sacrifícios”
Sem esperar nem mais um minuto, Cavaco Silva desfez o governo de Sócrates, no próprio discurso da tomada de posse para um segundo mandato
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Aníbal Cavaco Silva foi eleito, em 2006, com a garantia de manter uma “cooperação estratégica” com o governo de José Sócrates. Nos primeiros dois anos, o ímpeto reformista do primeiro-ministro foi, em diversas ocasiões, elogiado pelo Presidente. Tudo parecia correr sobre rodas quando, subitamente, no verão de 2008, o PR interrompe as férias para fazer uma grave comunicação ao País. O País não percebeu a gravidade, mas Cavaco estava furioso com a aprovação, nas suas costas, do polémico Estatuto dos Açores, que retirava ao PR a prerrogativa de dissolver a Assembleia Regional. Este foi o primeiro caso, ainda no primeiro mandato, a configurar aspetos de conflito institucional. Quando o episódio das “escutas de Belém” colocou sob suspeita o governo Sócrates, relativamente a espionagem sobre as conversas privadas do PR, o caldo estava definitivamente entornado. Ainda assim, pensando na reeleição, Cavaco tentou conter-se o mais possível. Mas, depois, não esperou mais: no próprio dia em que era empossado para um segundo mandato, em março de 2011, o discurso que proferiu foi uma eloquente peça de revanchismo sobre tudo o que fora obrigado a engolir, no primeiro mandato, por causa da alegada “falta de lealdade” do primeiro-ministro. “Há limite para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos portugueses”, sentenciou Cavaco, desautorizando a política de austeridade já então seguida. Nesse mesmo mês, sentindo-se encorajado pelo respaldo presidencial, Passos Coelho liderou uma coligação negativa, no Parlamento, e inviabilizou o PEC IV, o que levou à demissão do governo.