A pressão sobre Marta Temido foi escalando na última semana, até se aproximar de níveis tóxicos, pouco recomendáveis para a saúde. Começou com a intervenção de António Costa, na reta final da reunião do Infarmed que voltou a juntar especialistas da Direção-Geral da Saúde (DGS) e elementos da oposição, mais Marcelo Rebelo de Sousa e outros responsáveis políticos. Acabou com o presidente da Área Metropolitana de Lisboa (e da capital) a exigir respostas imediatas no ataque à propagação da pandemia onde ela está em níveis mais elevados – se não, teriam de rolar cabeças. Com tudo isto, como fica Temido? “Não há uma questão ‘ministra da Saúde’”, garante fonte do Governo à VISÃO, procurando esvaziar o balão que já ameaçava rebentar no número 9 da Avenida João Crisóstomo. “Não há qualquer fragilidade”, assegura a mesma fonte.
A temperatura da cadeira onde Marta Temido se senta não começou a subir apenas agora. É verdade que a pandemia trouxe maior exposição a um lugar já de si basto em sobre-exposição mediática, mas não é menos verdade que os primeiros três meses de combate à propagação do vírus garantiram à ministra da Saúde um estado de graça que só não pôde ser desfrutado porque… havia uma pandemia a percorrer as ruas do país que era preciso combater. O combate prossegue, o estado de graça parece ter começado a esvair-se há uma semana.
No encontro com especialistas de Saúde Pública, no edifício do Infarmed, a 24 de junho, António Costa mostrou-se exasperado. Faltavam-lhe dados concretos que explicassem e ajudassem a perceber o motivo pelo qual, desde o início do desconfinamento, a região de Lisboa tem registado números de propagação da Covid-19 mais acentuados face a outras zonas do país. Mais: os números apresentados pelos especialistas na reunião evidenciavam que Portugal era, entre um conjunto de 27 países europeus, aquele com índice Rt (que mostra a transmissão do vírus) mais elevado no período que se seguiu ao controlo de movimentos da população.
Se, na última semana – e depois das notícias que davam conta dos momentos que se viveram na reunião no Infarmed – António Costa permaneceu em silêncio, outros responsáveis políticos optaram por falar. E fizeram-no com estrondo. Foi o caso de Fernando Medina, presidente da Área Metropolitana de Lisboa e da Câmara Municipal de Lisboa. No seu espaço habitual de comentário político, na TVI, o autarca protagonizou 13 longos minutos de críticas arrasadoras da estratégia seguida pelas autoridades de saúde, e apontou diretamente o dedo aos “maus chefes” pela situação pandémica na região da Grande Lisboa.
Entre espaços de comentário e editoriais nas páginas dos diários, que já assinalavam no calendário a cruz no dia de saída de Marta Temido do Governo, o silêncio de António Costa começava a ser interpretado como um sinal de que a confiança política na ministra estava a esgotar-se. E, questionada já esta terça-feira, 30, sobre as declarações de Fernando Medina a respeito da intervenção das autoridades de saúde, a ministra recusou-se a comentar a “apreciação” do autarca. “Compreendo a preocupação que todos temos neste momento com a necessidade de interromper cadeias de transmissão na Área Metropolitana de Lisboa, sobretudo nos concelhos que estão a ser mais afetados pela incidência da doença”, disse, pedindo ainda “tempo” para que as medidas tomadas “há pouco tempo” possam “produzir os seus efeitos”. Antes, porém, durante a cerimónia de apresentação do manifesto “Salvar o SNS – estamos do lado da solução”, a ministra terá pedido resistência à “crítica fácil” e à “má língua”.
Mas não ficaria sozinho. Também esta terça-feira, em declarações à VISÃO, fonte do Executivo veio agora dar um sinal de apoio à ministra da Saúde que António Costa chamou para substituir Adalberto Campos Fernandes, ainda em outubro de 2018. “Não há qualquer fragilidade da Ministra da Saúde, pelo contrário, se há coisa que a caracteriza é a sua resiliência, que é muito apreciada no Governo”, garante aquela fonte, que acrescenta não haver “uma questão ‘ministra da Saúde’” para resolver porque Temido está de pedra e cal na equipa. “Ela está na primeira linha do combate, em estreita coordenação com o primeiro-ministro”, garante a mesma fonte, procurando afastar a ideia de que a ausência de resultados na Área Metropolitana de Lisboa pudesse levar Costa a uma (nova) mudança de rostos no Conselho de Ministros.
De resto, há um alinhamento entre a leitura que o Governo faz dos problemas nesta região e as queixas que os autarcas dos cinco concelhos ainda com áreas sob estado de calamidade – todo o território de Amadora e Odivelas e várias freguesias de Loures, Sintra e da própria cidade de Lisboa – levaram ao Governo na reunião da semana passada.
Perante os sinais de “descontentamento” com o tempo de resposta das autoridades de saúde nestas zonas da Grande Lisboa, ficou decidido, nessa reunião, criar equipas conjuntas de elementos da saúde comunitária, da Segurança Social e da Proteção Civil. Essas equipas permitiram libertar as equipas de saúde do acompanhamento dos casos positivos de Covid-19, passando a estar dedicados à realização de testes epidemiológicos. Uma mudança que, espera o Governo, possa acelerar o objetivo de quebrar as linhas de transmissão do vírus na comunidade: testes com resultados mais rápidos e inquéritos feitos em menor tempo após os resultados serem conhecidos significam, em princípio, intervenção mais rápida junto dos doentes.
As reuniões no Infarmed, essas, nada garante que sejam para continuar. No final do último encontro com os epidemiologistas, António Costa acertou nova data para daí a 15 dias, portanto, tudo indica que a 8 de julho se volte a repetir o cerimonial. Depois disso, logo se verá.