Foram 16 minutos de recados e “puxões de orelhas”. Marcelo Rebelo de Sousa encerrou este sábado a sessão solene de evocação do 25 de Abril colocando-se ao lado do presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, e dos partidos que forçaram a realização da cerimónia no hemiciclo. O Presidente assegurou que não hesitou um minuto sobre a necessidade de estar presente no Parlamento e recordou os críticos da celebração de que esta “não é uma festa de políticos, alheia ao clima de privação vivido pela sociedade portuguesa”.
“Em tempos excecionais, de dor, sofrimento, luto, separação e de confinamento, é que mais importa evocar a pátria, a independência, a República, a liberdade e a democracia”, fundamentou o chefe do Estado, que, apesar de se ter mostrado “sensível” às dúvidas dos portugueses sobre o formato da cerimónia, observou que não seria “compreensível”, aos olhos da população, um “desencontro com a casa da democracia, num momento da vida do País que exige convergência” devido aos efeitos do surto de coronavírus.
Para Marcelo Rebelo de Sousa, mesmo num quadro de emergência, as datas mais relevantes da nossa História coletiva não podem deixar de ser assinaladas. Exemplificou com 10 de Junho, com o 5 de Outubro e com o 1 de Dezembro para concluir: “O 25 de Abril é essencial e tinha de ser evocado.”
Ainda que tenha frisado que a unidade nacional não significa “unicidade” ou “unanismo”, o Presidente procurou travar as leituras divisivas – entre povo e poder político – a que a sessão se prestou. Ele próprio e os deputado não vieram de “outro país, de outro mundo ou de outra galáxia”. “Fomos a livre escolha dos portugueses. E o que nos reúne hoje são os seus dramas, anseios, angústias, pelos quais somos responsáveis”, reforçou, para realçar que não se tratou de uma comemoração em circuito fechado ou desligada dos cuidados sanitários que têm sido impostos ao País.
Num discurso que mereceu alguns ajustes, escritos à mão, já com a cerimónia a decorrer, Marcelo vincou que a vigência de um estado de emergência (com obrigação de confinamento e uma série de medidas restritivas às liberdades individuais) “implica um reforço extraordinário dos poderes do Governo”. “Quanto maiores são os poderes do Governo, maiores devem ser os poderes da Assembleia da República. E, por isso, a Assembleia da República nunca parou de funcionar”, acrescentou. “Esta sessão é um bom e não um mau exemplo”, apontou ainda, sem deixar uma palavra às “vozes discordantes” que se ouviram esta manhã.
No entanto, lá veio o remoque ao CDS e, sobretudo, a André Ventura (que deverá vir a enfrentar na próxima disputa presidencial): “O que seria incompreensível e civicamente vergonhoso era a Assembleia da República demitir-se de exercer os seus poderes. São esses os valores de Abril.” De caminho, saudou o ex-Presidente António Ramalho Eanes (que qualificou como o espelho do “espírito de unidade” do encontro), o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, único resistente em S. Bento desde a Constituinte, e recordou os quatro líderes fundadores da democracia: Mário Soares, Francisco Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Diogo Freitas do Amaral, todos já falecidos.
Com uma pandemia ainda por controlar, Marcelo defendeu evocar Abril é também apelas a uma Europa “lúcida, solidária, empenhada e rápida a agir”, assim como capaz de “ultrapassar egoísmos e unilateralismos” e que não se permita “imolar quem ficou para trás”, ou seja, os mais vulneráveis em qualquer crise. “Evocar Abril”, prosseguiu”, é também garantir uma “comunicação social sem censura” e “redes sociais sem controlos”, atirou, parecendo ter os olhos postos ao que se passa na vizinha Espanha.
Da mesma forma que estendeu a mão à esquerda na fase inicial da intervenção, o chefe do Estado também piscou o olho ao seu eleitorado mais natural, o do centro-direita e lançou o repto para que se resista a “simplismos”, à discriminação de ideias, correntes de opinião ou pessoas, “como se o 25 de Abril fosse só de uma parte de Portugal”. A rematar, advogou que se releguem para segundo plano as “pulsões transitórias, passageiras e efémeras”: “Se Abril tivesse cedido ao efémero, a nossa liberdade e a nossa democracia teriam tardado.”