Foi ao som de Step Out, de José González, que Francisco Rodrigues dos Santos subiu ao palco do Parque de Exposições de Aveiro, no encerramento do 28º Congresso do CDS, no domingo, 26 de fevereiro. Após um conclave de recados e insinuações, de ataques e contragolpes, de ofensas e vitimizações, de recomendações paternalistas e vaias pouco habituais, o presidente dos democratas-cristãos, 31 anos, quis serenar os apoiantes e os potenciais opositores. Os números com que fechou a reunião magna inspiravam cuidados. Sendo certo que já tinha absorvido as correntes conservadoras minoritárias, com destaque para a Tendência Esperança em Movimento (TEM), de Abel Matos Santos, Chicão (como é conhecido) quis limitar os focos de contestação interna.
Na madrugada em que soube que a sua moção tinha sido a mais votada pelos delegados (46,4%), iniciou uma maratona negocial, longe dos microfones e das indiscretas câmaras. Fontes que acompanharam as discussões em torno de listas e lugares contam à VISÃO que Rodrigues dos Santos só abandonou o pavilhão perto das 9h de domingo – mal pregou olho. Ainda ensaiou uma aproximação a João Almeida, cuja moção conquistara 38,9% dos votos, mas o ex-porta-voz, principal opositor, preferiu montar a sua lista para o Conselho Nacional. Rodrigues dos Santos conseguiu, no entanto, somar às suas fileiras, compostas maioritariamente por vastos contingentes da Juventude Popular (JP), uma parte substancial dos soldados de Filipe Lobo d’Ávila, o candidato da “terceira via”, promovido a vice-presidente, que arrebanhara 14,45% das escolhas.
Desde que soube que ascenderia da presidência da jota à do próprio CDS, Rodrigues dos Santos assumiu as vestes de líder agregador. O tom (não o volume) começou a ser mais comedido, o choque geracional foi relegado para segundo plano e as ideias limadas, para que não haja confusões entre si e figuras como Donald Trump, Jair Bolsonaro ou André Ventura. O discurso com que encerrou o congresso foi, de resto, uma demarcação clara do conservadorismo hard a que o colam e um chega para lá ao Chega. Em todo o caso, as ideias e o registo valeram dividendos políticos. Para os mais novos, Chicão simboliza o back to basics centrista, o que garantiu ao advogado uma “tropa de combate” no congresso.
Mas quem são e o que querem os miúdos que deram uma vassourada no partido fundado por Diogo Freitas do Amaral e por Adelino Amaro da Costa? Os sub-30 do CDS são mesmo seguidistas e unanimistas, como sugeriram alguns dos notáveis? Há ou não culto do chefe? À semelhança do “querido líder”, são mais conservadores do que os pais e os avós? E sentirão a ameaça da concorrência à direita? A VISÃO foi ouvi-los.
A defesa da vida e a monarquia
José Matias tem 23 anos e é do Seixal. Está a completar o mestrado em Educação Musical, no Piaget, e defende que ser democrata-cristão em 2020 passa por “pôr no centro da política a pessoa” e “defender os valores intrínsecos” ao ser humano: a vida e a família. Revê-se nas posições que o partido assumiu nos últimos anos, do aborto à eutanásia, passando pela procriação medicamente assistida ou pelas barrigas de aluguer, e até assegura que “é muito pacífico” ser conservador num concelho gerido pela CDU desde o 25 de Abril.
Mais incisivo, Sebastião de Sá Marques, 21 anos, residente em Lisboa, “protojurista”, como se define, por frequentar o quarto ano de Direito na Universidade Católica, acredita que “pode haver momentos de crise ou de visões alternativas, mas a verdade prevalece sempre”. Garante ainda não ter “problemas” com as caricaturas que fazem dos conservadores. “São os meus valores, tenho orgulho neles”, reforça Sebastião. “Um conservador não é um obtuso. Sou monárquico e sofro imenso! As explicações que tenho de dar às pessoas, aquela típica noção de que ‘És monárquico porque a tua família é isto ou aquilo…’, e não é, de todo!”, assevera. Quanto à agenda fraturante, aplaude as opções que o partido tomou nos últimos anos e não se distancia da ideia de Abel Matos Santos em apertar a malha ao divórcio unilateral, isto é, por vontade de um dos cônjuges: “Trata-se de uma família, não só dos cônjuges. Há crianças [envolvidas]. Os meus pais divorciaram-se e eu fiquei marcadíssimo”, justifica.
E se é certo que ambos advogam que Portugal deve ter “a capacidade de acolher o outro”, sem que isso ponha em risco a segurança dos cidadãos portugueses, Sebastião revela mais cautelas em relação às cedências no capítulo da integração de quem chega ao nosso país. Partindo do exemplo do hijab (véu islâmico), levanta a dúvida: “E será que essas comunidades, essas pessoas, querem integrar-se? Tem de haver um esforço para se aproximarem da cultura portuguesa e se sentirem em casa.” Relativamente aos refugiados, prossegue, deixou-o “ligeiramente triste” que tenham usado Portugal apenas “como porta de entrada na Europa”.
Os “coitadinhos”, o RSI e o grito de revolta
Natural de Gaia, estudante de Línguas e Relações Internacionais e trabalhadora de uma empresa municipal, Cristina Ferreira Lopes, 29 anos, frisa que não tem medo dos rótulos de “beata” ou “puritana”. Na prática, realça a jovem, é seguir o “moto” da Igreja Católica: “Amar o próximo como a nós mesmos e, se conseguirmos tratar as pessoas através desse moto, conseguiremos fazer com que a sociedade cresça muito mais.”
Daí, enfatiza, “não ser contra” as ajudas públicas aos mais desfavorecidos, mas a ideia traz uma adversativa: “Ajudar quem precisa mesmo; não aqueles que parecem coitadinhos, mas não o são.” A lógica deve ser aplicada em prestações como o Rendimento Social de Inserção. “Claro que esse discurso tem de ser feito e tem de existir uma fiscalização. É um dos pontos que o CDS tem de voltar a abordar”, defende, reconhecendo que “talvez” possa ser um caminho para estancar a fuga de eleitorado para o Chega.
Liberal nos costumes, em clara dessintonia com o líder, elogia-lhe, porém, a capacidade de agregar e refuta a crítica do pensamento único: “Não ostraciza quem discorda dele, muito pelo contrário.” Já quando questionada sobre as diferenças da sua geração em relação às anteriores, às dos ditos barões, sai-lhe um grito de emancipação: “Se calhar, nem somos, só não tivemos a oportunidade de mostrar que não somos assim tão diferentes. A nossa geração é constantemente advertida para ouvir os mais velhos. Não sabemos o que é responsabilidade, não sabemos o que é trabalhar… Adelino Amaro da Costa fundou o CDP-PP aos 31 anos!”
Rúben Cardoso, médico, 26 anos, formado em Santiago de Compostela, salienta que ser democrata-cristão é “contrariar o establishment” de “descristianização da política”. Residente e profissional em Évora, diz que no distrito a clivagem é outra: “Capitalista ou não capitalista. O próprio PCP é conservador. CDS e PCP estiveram aliados em grandes momentos, como foi o da votação da eutanásia. O discurso do [João] Oliveira, que é de Évora, eu poderia assiná-lo por baixo”, recorda.
Da mesma forma que segue a declaração de princípios do partido nas questões da vida, adianta ser contra a adoção de crianças por casais homossexuais. Só se opõe a que chamem matrimónio ao casamento gay, por ser “um termo eclesiástico”. “Qual é a diferença entre dois homens que vivem 50 anos juntos e uma mulher e um homem que se casem ao fim de um ano? Uns têm umas prerrogativas legais e outros não, em termos de heranças, de descontos… Nesse aspeto, sou bastante liberal”, indica. Quanto às migrações, destoa da maioria dos companheiros. “Se vier um multimilionário árabe, abrimos-lhe as portas, mas se vier uma pessoa que é pobre, não. É uma fobia aos pobres!”, critica.
Aquilo que contesta com veemência, ainda que discorde em muitos assuntos do novo presidente do partido, é que chamem aos millennials do CDS seguidistas. “Não acredito que sejamos carneiros. Apoiar o Francisco era ser contracorrente, era muito mais fácil apoiar o [João] Almeida”, contrapõe Rúben, admitindo vislumbrar algum receio nas hostes centristas por causa da emergência de Ventura: “Pode ter abanado o partido e [como resposta] nós fomos à base, ao original do CDS, que é um discurso como o do Francisco.”
A social-democrata e os “30 e tal géneros”
Completamente liberal no que toca a direitos individuais, Catarina Teixeira surpreende. Aos 30 anos, a empresária madeirense (opera no setor de rent-a-car e vai alargar o negócio à pastelaria) esteve no congresso como observadora e confessa uma linha doutrinária peculiar. Acredita que o sistema deve “cuidar daqueles que, por uma razão ou outra, não têm as mesmas oportunidades” e isso, aponta, “é que é a social-democracia”. Polémica é a visão da jovem, formada em Ciências da Cultura, acerca da chamada ideologia de género e da “doutrinação” de crianças nas escolas: “Não percebo como poderá haver 30 e tal géneros, porque ainda tenho a ideia aliada à biologia…”
Quanto à ascensão meteórica de Chicão, Catarina encontra uma explicação assente no discurso virado para a classe média, para os que se sentem “lesados pelas políticas fiscais” e que “andam a trabalhar a vida toda e nada alcançam”. E mais: “Gostei de algo que ele disse, que foi o parar com o preconceito para com a palavra ‘direita’.”
Num registo institucional, Francisco Laplaine Guimarães, 29 anos, um dos generais da JP que Rodrigues dos Santos promoveu à direção do partido, evita as tiradas divisivas. Declara que ser democrata-cristão “é o mesmo que era em 1974” e observa que o partido “tem de ser fiel a si próprio”. Contudo, previne que é preciso “uma liderança forte e carismática”, que, se for necessário, tome posições “mais controversas”.
O vice-presidente, formado em Direito pela Universidade Lusíada e mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais na Católica, mostra-se defensor de um “olhar humanista”sobre os fluxos migratórios e partidário do reforço da autoridade dos polícias e dos professores. “Sem abusos”, salienta. De Matos Santose do mini-Tea Party que ganhou lugar na direção no CDS, Laplaine Guimarães traça linhas vermelhas: “Todos os que abdicaram em nome da moção Voltar a Acreditar e que integram a Comissão Executiva ou a Comissão Política Nacional estão cá para cumpri-la. Pretendemos aplicar esse modelo e nenhum outro.”