Em 2011, a lista das palavras mais pesquisadas na internet e registadas pelo site blogger.com foi reveladora. “Laura Ferreira”. Mais do que Pedro Passos Coelho, Vítor Gaspar, Paulo Portas ou memorando da troika, o que os portugueses queriam saber era quem é a “mulher de Passos”, “a esposa do primeiro-ministro” ou “Laura Passos Coelho” os termos da pesquisa variavam.
Quatro anos depois, Laura Maria Garcês Ferreira escolheu ser figura pública, ao aparecer ao lado do marido em diversas ocasiões oficiais, ao dar o seu contributo para as duas biografias de Passos Coelho e até ao representá-lo em eventos sociais ou solidários, mas recusou dar-se a conhecer em profundidade aliás, não quis colaborar com este perfil possível, que a VISÃO agora traça, e algumas pessoas próximas também se mostraram indisponíveis.
As cautelas com o seu lado público intensificaram-se desde que começaram os tratamentos de saúde, para atacar um tumor ósseo diagnosticado em novembro de 2014. A exceção foi no início de julho, quando Laura Ferreira integrou a comitiva da visita do primeiro-ministro aos dois países africanos onde passou a infância e onde ainda tem familiares.
“Ela tinha o sonho de ir à Guiné e a Cabo Verde e foi”, conta um amigo do casal. Surgiu de cabeça rapada, num gesto com mais significado pessoal do que político. “Está no desafio da vida dela. É duríssimo”, acrescenta o amigo, explicando a opção de aparecer “sem filtros”.
“Eu tenho medo de deixar as minhas filhas, a minha família, o meu marido”, desabafou a própria a Sofia Aureliano, autora da biografia mais recente de Pedro Passos Coelho, assumindo que está a viver estes dias como se não houvesse amanhã. “Ter consciência da morte é duro, mas é uma coisa real e que não assusta. Há momentos em que tive uma paz de espírito e em que pensei, é assim mesmo. Olho ao espelho e penso que este corpo vai deixar de existir. Depois há um lado que se levanta e diz: ‘Não! Tens o teu marido, tens as tuas filhas e a tua família!’ Eu tenho de viver, tenho tanta coisa para fazer.”
Osteossarcoma, importa-se de repetir?
Laura, hoje com 50 anos, signo balança a data de nascimento ninguém a soube precisar à VISÃO, passou o mandato do marido a gerir com pinças as suas aparições e a levar uma vida normal entre o trabalho de fisioterapeuta no Centro de Educação para o Cidadão Deficiente, em Mira Sintra, e a vida familiar, passada sobretudo no bairro de Massamá, para onde se mudou há mais de uma década.
Mas já na reta final da legislatura, uma dor persistente no joelho tornou-a protagonista de uma história que fez capas de revistas cor-de-rosa. “No verão de 2014, Laura sofreu uma lesão de trabalho, que não passou como devia. Os meses foram correndo e a mobilidade foi ficando limitada, cimentando-se a suspeita de que podia ser algo mais sério. Confirmou-se o pior cenário. Foi-lhe diagnosticado um osteossarcoma [no joelho], um tumor ósseo agressivo que a forçou, e força ainda, a várias sessões de quimioterapia pré e pós-operatória”, lê-se na biografia.
Alguns amigos foram informados ainda em novembro, mas o País só ficou a saber em janeiro deste ano, quando o gabinete do primeiro-ministro emitiu um comunicado. “Confirmo que foi diagnosticado à minha mulher um problema do foro oncológico”.
No dia do anúncio, Laura Ferreira caiu e fraturou o joelho, o que a levou ao Hospital de Santa Maria para uma intervenção cirúrgica. Nessa altura, já vários amigos do casal haviam sugerido tratamentos no estrangeiro, mais caros, mas eventualmente mais eficazes. Nada feito. Laura seria tratada em Portugal, no IPO, onde Pedro poderia apoiá-la o mais possível, atendendo à sua agenda de primeiro-ministro, impossível de afrouxar.
Passos sempre presente
E assim foi. Na terça-feira de Carnaval, “extraíram-lhe o tumor, cortando-lhe a tíbia e o fémur, considerando uma zona de segurança que pudesse garantir que não restam células cancerosas”, conta Sofia Aureliano. A seguir, já com uma extensa prótese que lhe condiciona mobilidade (com o tempo, será recuperada a 90%), começou a quimioterapia.
Ao fim do segundo tratamento, e depois de um primeiro corte radical de cabelo, foi o próprio marido a rapar-lhe a cabeça que Laura exibiu em Cabo Verde e na Guiné Bissau. As imagens correram o País, mas não houve nem uma palavra da ‘primeira-dama’ sobre o assunto. Discreta e em silêncio. Na saúde e na doença. Quem a conhece diz que Laura Ferreira não se resume ao cancro, mas que a doença fez dela «uma sombra do que sempre foi». O sorriso constante deu lugar à introspeção. A vida ativa do leva-a-miúda-à-escola-traz-a-miúda-do-ballet, vai ao supermercado, vai trabalhar, faz o jantar, passeia a Peluche e a Olívia (as cadelas da família) deu lugar ao descanso obrigatório, às refeições de take-away, aos internamentos mais longos do que o esperado e às idas regulares ao IPO. Apesar de o ano de 2015 ser atípico, as férias do verão serão como nos anos anteriores a última etapa do tratamento de Laura foi feita no fim de julho. “Dez dias na segunda quinzena de agosto”, no Algarve, confirmou o primeiro-ministro à margem da estreia do filme O Pátio das Cantigas.
A estância algarvia de Manta Rota é o momento relax do casal, que junta a família numa casa de praia arrendada, com seguranças à porta e visitas dos amigos que também andam pelo Algarve, como Miguel Relvas e a mulher, Marta Sousa.
Tempos houve em que Pedro e Laura iam com as quatro filhas: Joana (26 anos) e Catarina (21) , do primeiro casamento de Pedro; Teresa (20), do primeiro casamento de Laura; e Júlia (8), a filha comum. Atualmente, com a filha mais velha de Passos já casada, o núcleo familiar de veraneio ficou mais reduzido.
Um homem no sofá
A preferência pelo Algarve vem dos tempos de namoro, quando “era comum, nas férias, ver o Pedro e a Laura a passearem de mãos dadas em Santa Eulália2, recorda um algarvio que conhece o casal. Aliás, foi precisamente nessa zona, em Olhos de Água, que ambos se cruzaram pela primeira vez, recém-divorciados, em casa de um amigo de Passos e primo do cunhado de Laura.
As filhas de ambos ficaram amigas e, no regresso a Lisboa, Pedro ligou a Laura. “Quando ouvi aquela voz de barítono a falar comigo, deixei cair o telemóvel, fiquei sem bateria. Confesso que estava com o coração aos saltos e já ligeiramente impressionada com o rapaz”, contou a mulher de Passos no livro já referido. “Ele era muito atento às filhas, muito preocupado em fazer programas com elas (.). Abdicava de fazer coisas para estar com as miúdas, por causa do banho e do jantar. E eu dizia ‘este homem não existe’ (.)”.
Acabaram por se escolher, num namoro lento e pouco dado a paixões arrebatadoras. “Foi quando o vi sentado no meu sofá, achei que ele ficava ali muito bem”, revelou Laura, ‘fofinha’ para o marido, no livro da assessora do PSD que lhe dedica um capítulo intitulado “O Porto Seguro”.
Na altura, a fisioterapeuta já trabalhava no Centro de Educação para o Cidadão Deficiente. A política não era um assunto que a deixasse indiferente, mas estava longe de imaginar que menos de uma década depois estaria sentada também no sofá da sua casa de Massamá, já casada com Passos e mãe de uma filha dele, a ouvir da boca do marido que não podia deixar de candidatar-se à liderança do PSD.
Daí a chegar a primeiro-ministro foi um pulinho.
E Laura escolheu estar ao lado do seu companheiro nos momentos-chave desse percurso: no congresso de Carcavelos, na mensagem de Páscoa e na Festa do Pontal (2010); na noite da vitória eleitoral e na tomada de posse (2011); na receção aos Reis de Espanha (2014); entre outros momentos.
Made in Portugal
A notoriedade que veio com a política, mesmo antes de o marido ser eleito, não mudaram a essência de Laura Ferreira, mas mudaram-lhe a aparência, sobretudo ao nível dos cuidados com a silhueta, com a maquilhagem e com a roupa.
Em vez de comprar roupa numa loja do Chiado, a mulher de Passos passou, por exemplo, a ser acompanhada por uma estilista, que também é professora na Escola de Moda de Lisboa e que conheceu através de uma amiga.
Agora, veste roupa à medida, desenhada por Irene Paixão ou Mia Almeida, feita por costureiras portuguesas em pequenos ateliers nacionais, peças intemporais, clássicas e versáteis, sem rendas, brilhantes, folhos ou flores e com padrões lisos e cores frias (beringela, violeta, azul, verde ou vermelho). Nada de muito justo ou muito largo. Nada de exuberante, explicou a estilista Irene Paixão. As solicitações para comparecer em ações públicas foram-se intensificando desde a altura da campanha eleitoral de 2011, quando Laura reduziu o horário laboral para acompanhar o candidato seu marido, mas ela escolhe-as a dedo. Como profissional ligada à área da solidariedade (trabalha na cooperativa social sem fins lucrativos há 15 anos), prefere os eventos solidários e até aceitou integrar a Comissão de Honra do projeto ‘Um Lugar para o Joãozinho’, do Hospital de São João, no Porto. E se em novembro de 2011 foi ela a marcar presença no hospital, no âmbito de uma entrega de donativos, já este ano, em março, foi o marido a representá-la, por causa das suas limitações de saúde, durante uma visita ao projeto.
Um ano antes, era ela que o representava, a convite do empresário duriense Mário Ferreira, conhecido pela sua participação no versão portuguesa do programa Shark Tank, no batismo do navio-hotel Vicking Hemmimg, da empresa Douro Azul. Na companhia da filha mais velha, Teresa, foi madrinha do barco e recebeu um relógio de luxo e um coração de Viana ambos confiados à guarda do gabinete do primeiro-ministro.
Na altura, Laura foi, como sempre, parca nas palavras: “Tenho lá em casa um homem do Douro que amo profundamente”.
A vida antes de Pedro
Passaram-se 40 anos até que Laura Maria Garcês Ferreira se casasse com Pedro Manuel Mamede Passos Coelho, a 26 de março de 2004, um dia que começou com o então gestor a passar pelo escritório, para trabalhar, e acabou com um jantar de amigos num restaurante que já não existe, para celebrar o enlace pelo civil entre música, dança e comida sul-americana.
Antes disso, ‘Lolita’, como é tratada pela família, teve de mudar de continente para encurtar a distância que os separava.
Da Guiné-Bissau, onde nasceu e foi criada durante os primeiros onze anos de vida, foi para Cabo Verde, com os irmãos -‘Djo Djo’ e ‘Belinha’, e por lá ficou até João Tomás e Tila (os pais) decidirem mudar-se para Portugal, dois anos depois.
Antes disso, em 1972, os Garcês Ferreira já tinham passado um longo período de férias em Lisboa, que obrigou Laura e a irmã a fazerem o ano letivo na Metrópole.
A fixação em Portugal, em 1978, teve como primeiro destino a cidade de Coimbra (o pai de Laura é da Figueira da Foz) e só depois se seguiu o Cacém. Nessa altura, as férias eram passadas na Nazaré e em São Martinho do Porto.
Já a viver nos subúrbios, inscreveu-se em Medicina e fez dois anos do curso (Passos também queria ser médico e só não entrou por duas décimas), mas desistiu por aversão à cadeira de Anatomia e mudou para Fisioterapia.
Antes de ser contratada pelo Centro de Educação ao Cidadão Deficiente trabalhou no Cacém e tem pacientes desses tempos que a vão visitar de propósito a Mira Sintra. Pelo meio ainda se casou, aos 27 anos, teve a primeira filha, três anos depois, e divorciou-se. “Foi uma aprendizagem fantástica.
Quando passamos por isto temos a sensação que o mundo acaba e que já não vai ser possível ser feliz. Ao fim de três anos, aos 38, apaixonei-me perdidamente”.
Salvo alguns episódios mais ou menos pormenorizados contados por amigos, tudo o que se escreve sobre o passado de Laura foi divulgado pela própria ou durante a campanha de 2011 ou nos livros que foram escritos sobre o marido.
Assim se soube que ela adora comidas típicas, sejam africanas ou portuguesas (apesar de a sua especialidade na cozinha ser o arroz de marisco), que teve aulas de piano durante as férias de 1972 na Metrópole e que a sua obsessão por música (seja ela africana, francesa ou brasileira) a levou a um concerto na grande festa comunista do Avante!.
Família, esse pilar
Atualmente, a música continua presente, e não é só por ter casado com um político com voz de barítono ou por ser irmã de um artista (‘Djo Djo’ é o cantor Fernando Ferreira). As cantorias são o que sempre alegrou a família, mesmo nos tempos em que Laura era bebé e adormecia a ouvir mornas pela voz do pai.
Quando os parentes se juntam em Massamá “fazem-se duelos pelo título de quem canta a melhor morna”, lê-se na recente biografia de Passos. “Cada um traz um petisco africano. Há quem toque viola e cavaquinho. O meu pai e o meu tio alternam entre mornas e as músicas portuguesas que conhecem. Eu e o Pedro cantamos fado. Adoramos cantar fado! É uma animação”, contou Laura.
A família, este grupo de filhos, tios, pais, primos, irmãos e sobrinhos, é o grande pilar da vida de Laura, ainda mais fundamental na fase que atravessa. E, tal como agora, não foi sempre tudo fácil. O regresso de África, com as dificuldades que se seguiram o pai era uma espécie de autarca, na administração guineense, e teve de aceitar um emprego como guarda noturno para sustentar a prole, enquanto a mãe fazia rissóis e colchas de renda para equilibrar a economia familiar, marcou a vida dos Garcês Ferreira.
“A nossa vida nunca foi fácil, tivemos sempre de trabalhar muito, porque as coisas que temos foram compradas a custo”, disse Laura à biógrafa de Pedro. “Não temos nada que nos fosse dado de mão beijada. Tudo o que temos é nosso, mas foi conquistado com muita luta. É também por isso que somos tão unidos”, disse ela.
Passos nunca fugiu a essa presença dos familiares de Laura, entre os quais tem vários admiradores.
Muito pelo contrário, juntou-lhe a sua própria família e não raras vezes até a ex-mulher participa nos encontros. “Quando eles se juntam, é mesmo caso para dizer ‘os meus, os teus e os nossos’. É bonito ver como todos convivem sem problemas”, contava fonte próxima do casal, no rescaldo das eleições de 2011, à VISÃO. “É uma família moderna e sem complexos”.
Na noite em que foi eleito primeiro-ministro, Passos Coelho não desceu do 12.º andar do Hotel Sana, em Lisboa, para falar aos apoiantes e portugueses sem que primeiro primeiro tivessem chegado alguns parentes, Laura incluída.
Antes de mais, a festa foi feita em família. Esse pilar.
Laura em dez pontos
1. É do signo balança, gosta de música e a sua especialidade, na cozinha, é arroz de marisco
2. A alcunha, para a família, é ‘Lolita’, Pedro trata-a por ‘fofinha’
3. Tem dois irmãos: o Fernando (‘Djo Djo’) e a Isabel (‘Belinha’)
4. Em 1972, passou um ano na Metrópole, mas os pais inscreveram-na escola e nas aulas de piano
5. Tal como o marido, quis ser médica: ela desistiu do curso, por não gostar de Anatomia, ele não chegou a entrar faltaram-lhe duas décimas
6. Depois de se conhecerem, no Algarve, Pedro ligou a Laura e, ao ouvi-lo, ela deixou cair o telemóvel
7. Antes de Passos ser primeiro-ministro, trocou a loja onde se vestia, no Chiado, pela estilista Irene Paixão
8. Tinha o sonho de voltar à Guiné Bissau e a Cabo Verde, países ligados à sua infância e às suas raízes, e cumpriu-o em julho
9. Após o segundo tratamento de quimioterapia foi o próprio marido que lhe rapou a cabeça, no IPO
10. Muitas vezes surge eventos solidários em coerência com o seu emprego de fisioterapeuta no Centro de Educação para o Cidadão Deficiente
(Artigo publicado na VISÃO de 20 de agosto de 2015)