Há muito que os Hell’s Angels portugueses estavam na mira das polícias por suspeitas de ligações à criminalidade violenta. Mas foi a 24 de março do ano passado, quando alguns dos elementos deste grupo de motards invadiram um restaurante no Prior Velho, em Loures, munidos de paus, facas e barras de ferro, fazendo seis feridos, que a investigação da Polícia Judiciária ganhou um novo fôlego. A Unidade Nacional de Contraterrorismo agarrou então em todos os inquéritos pendentes e concentrou-os numa nova investigação. “Aquela foi a fase [a da rixa] em que este grupo melhor manifestou ao que vinha, ao crime violento”, diz à VISÃO uma das fontes da investigação que culminou, esta manhã, na emissão de dezenas de mandados de busca e de mais de 50 mandados de detenção por todo o país. Os investigadores acreditam que com esta operação terão conseguido desmantelar a liderança dos Hell’s Angels em Portugal. Liderança que a Polícia Judiciária descreve como uma “associação criminosa”.
“A operação insere-se no âmbito de vários inquéritos em que se investigam as atividades ilícitas desenvolvidas em território nacional pela organização Hells Angels Motorcycle Club”, diz uma nota divulgada pela Procuradoria-Geral da República. Noutro comunicado, a PJ refere que as dezenas de pessoas detidas são “indivíduos extremamente perigosos, com vastos antecedentes criminais e larga experiência na área da criminalidade violenta e organizada”, todos eles envolvidos “em atividades ilícitas desenvolvidas em território nacional pela organização Hell’s Angels Motorcycle Club”.
Estão em causa sobretudo suspeitas de tentativa de homicídio, ofensas à integridade física e associação criminosa.
No dia da rixa do Prior Velho que interrompeu um encontro entre Mário Machado, ex-líder da extrema-direita, e um grupo rival dos Hell’s Angels – os “Los Bandidos” -, a PJ teve informações de que estaria em curso uma escalada de violência entre essas duas estruturas. Nem Mário Machado nem os “Red & Gold”, estrutura motard a que o rosto mais conhecido do movimento skinhead em Portugal se terá unido depois de sair da cadeia, são alvos nesta operação, confirmou a VISÃO junto de fonte policial.
Este processo visa apenas os membros dos Hell’s Angels, um dos grupos de motards mais conhecidos no mundo e que está representado no nosso país desde 2002. Têm fações (os chamados capítulos, em terminologia motard) em Cascais, Lisboa, Algarve, Setúbal e Porto, têm vivido praticamente sem concorrência e têm conquistado terreno por terem o monopólio da segurança privada ilícita em discotecas, bares de striptease ou festas de motards.
O primeiro capítulo dos Hell’s Angels em Portugal foi fundado em Cascais por um imigrante alemão que estivera ligado, no final dos anos 90, ao tráfico de estupefacientes, disse à VISÃO, em 2017, uma fonte que se dedica a investigar estes grupos que, nos últimos anos, têm sido vistos como uma ameaça em praticamente todos os relatórios sobre segurança na Europa, Estados Unidos da América ou Canadá. Em Portugal, a expressão criminosa dos Hell’s Angels – que ainda hoje tem entre os seus membros muitos estrangeiros residentes no País – nunca atingiu o grau de violência de outros países, mas os seus elementos também nunca foram propriamente vistos como uns bons rapazes aficionados por motas Harley-Davidson. Afinal, o seu histórico não é pacífico.
Em 2014, mais de 20 membros do grupo tentaram invadir a discoteca Dock’s Club, em Lisboa, armados com facas, ferros e paus. No ano anterior, em 2013, uma dúzia de filiados do clube atacou elementos das forças de segurança que estavam de folga e participavam na Concentração Internacional de Motos de Faro. Já em 2008, durante o mesmo encontro, dez elementos dos Hell’s Angels agrediram sem razão aparente dois espanhóis e um português que estavam sentados numa esplanada. Em 2009, um alemão membro do clube foi detido no Algarve e depois extraditado. Era alvo de um mandado de captura internacional pelo homicídio de um elemento de um gangue rival na Alemanha. E, em 2005, pelo menos seis Hell’s Angels protagonizaram outra história de violência. Sequestraram e espancaram um ex-membro do grupo na própria casa, com o objetivo de lhe extorquirem 8 mil euros e uma Harley-Davidson.