O juiz Ivo Rosa, que faz a instrução do chamado “Caso EDP”, vai ter de analisar todos os emails de António Mexia, presidente da maior elétrica nacional e já arguido neste processo. A decisão foi tomada em conferência por dois juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.
O Ministério Público fez buscas à EDP no verão de 2017 e apreendeu 38 megabytes de emails na caixa de correio eletrónico de António Mexia. Esse bolo já era fruto de uma triagem por determinadas palavras-chave relacionadas com o processo, mas o juiz de instrução decidiu restringir a pesquisa a apenas sete palavras, deixando de fora pelo menos 27 conjuntos de palavras, siglas ou números indicados pelo Ministério Público, como “CAE” ou “ERSE”. Porquê? Devido à “grande quantidade de mensagens por visualizar”, fundamentou na altura o juiz.
Dos 38 megabytes de informação de Mexia, foram assim encontrados apenas 47 emails, que viriam a ser transcritos para o processo. O Ministério Público pediu que fosse feita uma nova pesquisa pela totalidade das palavras-chave, ou pelo juiz ou pela Polícia Judiciária, mas o juiz recusou ambas as opções. Perante essa recusa, recorreu, invocando que não podia ser “a lei do menor esforço” a ditar que não fosse feita uma pesquisa rigorosa de uma caixa de correio eletrónico. Agora, o Tribunal da Relação de Lisboa vem dizer que não importa o tempo que demore, a prova deve ser analisada em pormenor pelo juiz. E ainda realçou que a direção do inquérito cabe ao Ministério Público e não ao juiz de instrução.
“No caso em apreço, o juiz de instrução criminal, em vez de analisar a globalidade da correspondência electrónica que lhe foi apresentada – optou, atento um mero critério quantitativo, por restringir o conhecimento daquela, por forma aleatória, a cinco das palavras-chave indicadas pelo Ministério Público”, diz a decisão da Relação de Lisboa, a que a VISÃO teve acesso. Os juízes deste tribunal superior acrescentam ainda que o juiz Ivo Rosa fez esta triagem “sem curar de saber ou demonstrar que a utilização das restantes palavras-passe” colidia “com a reserva da vida privada”, algo ainda assim improvável perante palavras ou conjuntos de palavras como “CMEC”, “ERSE”, “Universidade” ou “Central Termoeléctrica de Sines”.
Os magistrados do Tribunal da Relação de Lisboa dizem não restar dúvidas de que o juiz de instrução criminal “restringiu de forma aleatória e não fundamentada o objeto da investigação, dado que a sua decisão não perpassou uma análise da prova recolhida, que obliterou, atendendo somente a um critério de quantidade, que não se mostra enformado por qualquer suporte legal”. E vão até mais longe afirmando que o juiz de instrução tinha o dever se seguir as ordens do Ministério Público. Em vez disso, “a seleção arbitrária” do juiz Ivo Rosa “constitui uma verdadeira intromissão na seleção da prova validamente recolhida pelo Ministério Público”, sendo por isso nula.
Contactado pela VISÃO, João Medeiros, advogado de António Mexia, diz que o presidente da EDP “não tem nada a opor a esta decisão” e explica que “quando foi feito o pedido de busca, o mesmo continha palavras como CAE”: “NA EDP, CAE é também conselho de administração executivo. Tal originou milhares de incidências. Por isso o juiz, para simplificar e diminuir as incidências, reduziu as palavras. Aquelas que tinham a ver com a investigação, como Pinho, Columbia, CMEC, etc, foram usadas. Se o Ministério Público não tivesse faltado à abertura de correspondência, poderia logo na altura ter tomado posição e assim se evitava um recurso.”
O Ministério Público já fez vários arguidos no processo que investiga o fim dos contratos de aquisição de energia e a posterior celebração dos CMEC [Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual], sendo os nomes mais sonantes Manuel Pinho, António Mexia e Ricardo Salgado. Estão em causa suspeitas de corrupção passiva, corrupção ativa com agravação e participação económica em negócio.
A relação entre o juiz de instrução e os procuradores do processo, Carlos Casimiro e Hugo Neto, tem sido tensa, motivando inclusivamente queixas disciplinares contra os magistrados do Ministério Público.
O juiz recusou, por exemplo, fazer buscas a Manuel Pinho por entender que não existiam indícios suficientes de corrupção contra o ex-ministro da Economia e recusou também levantar o sigilo bancário e fiscal do presidente executivo da EDP e de João Mando Neto, presidente da EDP Renováveis, o que tem motivado um verdadeiro braço de ferro entre as duas partes.
Entretanto, foi através de outros casos do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), como a Operação Marquês e os processos sobre a queda do BES e do GES, que o Ministério Público conseguiu chegar àquela que é, até à data, a informação que mais afasta o processo da sua componente mais técnica. Manuel Pinho terá recebido 3,57 milhões de euros da empresa escondida do Grupo Espírito Santo, uma parte deste dinheiro enquanto era ministro do primeiro governo de José Sócrates. A descoberta leva o Ministério Público a suspeitar que Ricardo Salgado ordenou transferências para Manuel Pinho através da Espírito Santo Enterprises para que aquele beneficiasse politicamente a EDP, empresa da qual o BES era acionista. A elétrica, por seu turno, teria depois compensado Pinho, conseguindo que o ex-ministro fosse contratado para dar aulas nos EUA, através de uma doação de 1,2 milhões de dólares à Universidade de Columbia.