Enquanto o juiz discutia com Cândida Almeida que relação mantinha com Paulo Amaral Blanco – o advogado do Estado angolano que é um dos arguidos no processo Fizz -, a ex-diretora do DCIAP contou que mantinha com aquele uma relação puramente cordial e que lhe desligou o telefone da única vez que Paulo Blanco passou das marcas. “O Dr. Paulo Blanco era inconveniente?”, perguntou-lhe o juiz. “Uma vez ligou-me e tive de desligar e proibi-o de me ligar mais. Ligou-me para perguntar porque é que a averiguação preventiva que ia ser arquivada afinal se tinha convertido num inquérito. Disse-lhe que não admitia que falasse comigo sobre processos e que ia desligar o telefone.” Mas afinal, quem é que lhe tinha dito que essa averiguação preventiva iria ser arquivada? “Presumivelmente o Dr. Paulo Gonçalves, intuo eu.”
Paulo Gonçalves é o procurador que herdou os processos contra cidadãos angolanos quando o procurador Orlando Figueira saiu do Departamento Central de Investigação e Ação Penal. E não é a primeira vez que atos seus deixam um rasto de suspeitas no processo Fizz. A VISÃO já escrevera em março de 2017 que o Ministério Público descobrira que Paulo Amaral Blanco guardava não só documentos de Orlando Figueira e rascunhos de despachos do procurador Paulo Gonçalves, além do currículo daquele magistrado e fotografias de uma casa sua no Algarve. Apesar disto, aquele procurador que também arquivou processos contra angolanos nunca chegou a ser ouvido ou investigado no processo.
Contactado na altura pela VISÃO, o magistrado confirmou não ter tido qualquer “conhecimento formal dos factos” uma vez que nunca tinha sido chamado para prestar declarações. Disse ainda não conseguir explicar como aqueles documentos tinham ido parar à posse do advogado que representava o Estado angolano em Portugal.
Como Cândida Almeida ajudou a defesa do procurador
Ao longo do seu depoimento no julgamento da Operação Fizz, durante toda a quinta-feira, a ex-procuradora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) acabou por dar força à defesa de Orlando Figueira em pelo menos três momentos. Primeiro, e por várias vezes, Cândida Almeida elogiou o trabalho e o carácter de Orlando Figueira: “O que posso dizer é que tinha uma grande estima pelo Dr. Orlando. Era muito simpático, toda a gente gostava dele. E tinha um grande respeito pelo trabalho dele. Ainda há pouco tempo foram condenados uns arguidos de um processo muito complexo que ele teve.” Depois, ainda elogiou um dos despachos de arquivamento contra Manuel Vicente que o Ministério Público diz ter sido feito como contrapartida dos 760 mil euros que o procurador recebeu nas suas contas: “O despacho de arquivamento contra Manuel Vicente está bem feito. Por isso é que concordei com ele. O Dr. Orlando Figueira até fez uma coisa bem: pediu o registo criminal [do ex-vice-presidente de Angola].” E no final de tudo, questionada sobre se teria havido uma diferença de tratamento entre Manuel Vicente e os outros suspeitos angolanos que continuaram a ser investigados num processo à parte por suspeitas de branqueamento de capitais na compra de apartamentos milionários no Estoril Sol Residence, Cândida Almeida recordou que o processo de Manuel Vicente foi arquivado como foram arquivados os processos contra os outros angolanos, num momento em que já não mandava no DCIAP. Os advogados de defesa ficaram tão contentes com estas declarações que João Correia, advogado que representa Paulo Amaral Blanco (ex-advogado do Estado angolano) pôs toda a sala a rir-se: “Então não se prova nada do que está na acusação.”
É por tudo isto que Cândida Almeida admite que a acusação contra Orlando Figueira a deixa “em estupefação”. O único ponto em que a procuradora do Supremo Tribunal de Justiça discordou dos procedimentos de Orlando Figueira foi quando se discutiu se era correcto eliminar todos os documentos do processo contra Manuel Vicente, como Orlando Figueira terá feito. Nessa parte, a ex-diretora do DCIAP não cedeu: “Não, não era normal desaparecerem documentos. O que entendo é que não devem ficar lá porque violam a reserva da vida privada, mas também não podem ser destruídos porque são meios de prova.”
A ex-procuradora do departamento responsável pela investigação da criminalidade mais complexa vai continuar a ser ouvida na próxima quarta-feira no processo em que o procurador Orlando Figueira é suspeito de receber 760 mil euros como contrapartida do arquivamento de dois processos contra Manuel Vicente.
Angola continua a defender que o ex-vice-presidente deve ser julgado em Luanda. Para já, o coletivo de juízes decidiu que deverá ser julgado num processo à parte para não atrasar o processo contra os outros arguidos.