Cândida Almeida, ex-procuradora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), começou a manhã em tribunal numa posição invulgar: a procuradora de julgamento pediu-lhe que lesse (algumas partes até em voz alta) todos os despachos finais do procurador Orlando Figueira (suspeito de ter sido corrompido por Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola) com os quais teria concordado. A ideia era perceber se Cândida Almeida, então superiora hierárquica de Orlando Figueira, tinha concordado com o fim dos processos sem mais diligências e sobretudo com a destruição dos documentos referentes aos rendimentos de Manuel Vicente.
A atual procuradora do Supremo Tribunal de Justiça disse que quando soube disso ficou “estupefacta”. Que não se lembra de ler tal coisa. E até levantou dúvidas sobre uma possível falsificação, alegando que todas as páginas estão rubricadas pela procuradora Teresa Sanchez – que coadjuvava Orlando Figueira nestas investigações – à excepção daquela (que estava apenas assinada). Instigada a fazer mais comentários, Cândida Almeida disse que não queria dar a sua opinião. Para si, aquele procedimento era ilegal. O normal era que esses documentos, por serem vida privada, fossem retirados, mas guardados num cofre ou num envelope lacado.
E o momento invulgar continuou, com a ex-chefe do DCIAP a ser confrontada com outros despachos do mesmo procurador com conteúdos semelhantes. No caso do Banif, por exemplo, diz que também não se recorda da ordem de destruição mas até concorda com ela: o caso estava definitivamente arquivado, não poderia ser reaberto.
É aliás este o caso que Cândida Almeida diz ter provocado a sua única discussão com o então Procurador Geral da República de Angola. Que não era prática discutir processos, e que só o fez sobre o Banif porque ficou indignada quando recebeu ordens do PGR de Angola para arquivar o processo, porque o estado angolano não queria dar continuidade à queixa. A procuradora lembra que essa ordem foi dada quando estava prestes a ser feita uma operação de buscas. E que ficou incomodada por terem sido usados os meios do DCIAP em vão.
Sobre os processos contra Vicente, Cândida Almeida disse: “Não conhecia, sinceramente, não sabia quem era, só soube muito mais tarde. Sabia quem eram os generais, ele não era general.” A procuradora tentava mostrar que não deu qualquer tratamento preferencial àqueles inquéritos por ser visado aquele que era apontado como o futuro número 2 de José Eduardo dos Santos. Aliás, insistiu, só concordou com os arquivamentos porque não via que outras diligências poderiam ser feitas. “O cidadão era angolano, tinha um registo criminal limpo e as declarações de rendimentos que entregou mostravam que podia comprar dois ou três andares por ano sem problema nenhum.”
A ex-procuradora do DCIAP disse recordar Orlando Figueira como “um bom magistrado”, que teria “orgulho” em estar naquele departamento: “Não despachava com data supra, mas cumpria as datas e eu tinha consideração pelo trabalho dele.” Cândida Almeida está a ser ouvida como testemunha no julgamento da Operação Fizz. O procurador Orlando Figueira é o principal arguido do processo e está a ser julgado por suspeitas de ter recebido mais de 700 mil euros em troca do arquivamento de processos contra o ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente. A ser julgados estão também Armindo Pires, que representava o ex-governante angolano em Portugal, e o advogado Paulo Amaral Blanco, suspeito de ser o intermediário entre Vicente e o procurador. O tribunal decidiu que Manuel Vicente deverá ser julgado num processo à parte. Angola defende que essa parte do processo deve ser transferida para Luanda.