Vésperas do Natal de 1955. No Palácio de Buckingham, a princesa Ana de Inglaterra, então com cinco anos, recebe um pacote acabado de chegar de Portugal. Do seu interior tira uma boneca com guarda-roupa completo, composto de trajes tradicionais portugueses – um presente do Presidente da República, Craveiro Lopes, como forma de manter próxima a ligação à família real britânica. Era Natal e o presente não apareceria fora de contexto. Mesmo que não fosse, talvez não estranhassem a oferta. Afinal, os chefes de Estado dos dois países tinham estado juntos dois meses antes e trocado presentes.
As ofertas levadas a bordo do NRP Bartolomeu Dias até Londres tinham sido bastante mais generosas. Não causariam tanto furor quanto a embaixada enviada por D. Manuel I ao Papa Leão X, em março 1514, que ficou para a História por ter feito desfilar, pelas ruas de Roma, presentes nunca antes vistos por aquelas paragens, desde um cavalo persa a uma onça de caça ou um elefante capaz de várias habilidades.
Mas regressando a Londres, em matéria de ofertas, a visita presidencial não envergonhou o País. Alojados no Palácio de Buckingham, residência oficial da família real, Craveiro Lopes e a sua mulher tiveram com os monarcas um almoço privado, depois do qual puderam, através de um conjunto de ofertas, agradecer a estada. Eram tantas que, no livro de viagem, ainda se lê: “… deverão ser separadas algumas peças do serviço” para mostrar aos monarcas. Ao duque de Edimburgo seria oferecido um serviço de pequeno-almoço e chá, desenhado pelo figurinista e cenógrafo Lucien Donnat, de 122 peças. Para a Rainha, a Vista Alegre tinha criado um serviço de mesa completo, de 306 peças, com três linhas pintadas a ouro, representando a Inglaterra, a Irlanda e a Escócia. A encomenda foi levada a cabo com o máximo rigor. Todos os pratos tinham de ter o mesmo peso e, para serem entregues 306 peças, foram feitos mais de mil.
Nestas esferas, o Natal é quando os chefes ou o Protocolo do Estado quiserem.
Quando Salazar abriu os cordões à bolsa
A oferta de um elefante não se repetiu, mas terá servido de inspiração a António de Oliveira Salazar. Homem austero, pouco dado a despesas, Salazar deu ordens para que não se olhasse a meios a fim de receber Isabel II na sua primeira visita oficial a Portugal, em 1957. Sem contar com a estada (no Palácio de Queluz), o Rolls-Royce Phantom III adquirido (em segunda-mão) para transportar a monarca, ou a baixela (de 510 peças) encomendada para a ocasião, os serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros fizeram as contas e gastaram-se 222 590 escudos (o equivalente, hoje, a €102 447) só em presentes: a Banda das Três Ordens (a mais alta condecoração portuguesa, excecionalmente feita com metais preciosos) e um puro sangue lusitano. O duque de Edimburgo, segundo relata António Simões Brás no seu livro Os dias portugueses de Isabel II, recebeu um tinteiro em prata do século XVIII. Em troca, os monarcas ofereceram um quadro a óleo representando a aliança luso-britânica que, apesar de ter sido avaliado em 20 mil ou 25 mil escudos (€9 205 ou €11 506), era o que Salazar pretendia, justamente, reforçar.
Na Vista Alegre, empresa centenária que anda no circuito das ofertas protocolares há décadas, cada peça fabricada é executada em dobro para o Museu guardar um exemplar. Contam serviços feitos para as visitas papais a Portugal (encomendas da TAP, que lhes serviu refeições, a bordo), os serviços usados, desde 1936, nas embaixadas portuguesas em todo o mundo ou aqueles que foram encomendados para as representações diplomáticas de países como Espanha, Marrocos, Angola, Estónia ou Moçambique.
Com um peso internacional (mas não menos glamour) diferente ao da Rainha de Inglaterra, a receção aos príncipes do Mónaco, em 1964, foi mais discreta e, sobretudo, menos dispendiosa. O príncipe Reinier recebeu, de Américo Thomaz, uma edição da Portugaliae Monumenta Cartographica, de Armando Cortesão e Avelino Teixeira da Mota. E o que oferecer a Grace, uma ex-estrela de Hollywood bem nascida (o pai era um construtor de sucesso) transformada em princesa? Um serviço de chá de 36 peças, com o seu monograma e uma terrina cisne, peça única porque de muito complicada produção.
Mudam-se os tempos…
Por mais que haja Protocolo do Estado, cada Presidente imprime o seu cunho aos presentes que dá. Enquanto em 2014, Cavaco Silva, conhecido por ser pouco esbanjador, oferecia ao Presidente chinês uma camisola do número 7 da Seleção Nacional, recebendo em troca uma raqueta de ping pang qiu (vulgarmente conhecido por pingue-pongue), Marcelo Rebelo de Sousa tem presenteado os seus homólogos com uma talha oriental com as armas de Portugal e as do país em causa, que tem de ir seis vezes ao forno (só para a decoração) e demora uma semana a fazer. Estas talhas já chegaram à Colômbia, à Suíça, a França ou à Holanda. Consta existir uma em cima da lareira da sala oval (da Casa Branca), mas essa já será de outros tempos…
(Artigo publicado na VISÃO 1293 de 14 de dezembro)