Gabriel Roldão é um estudioso do Pinhal de Leiria, há anos que avisava que “isto ia acontecer” e “isto” é a “desgraça” de ver a mata de pinheiro bravo queimada a 80% pelos incêndios de domingo.
A culpa é dos lóbis, da falta de limpeza, do abandono e da falta de investimento pelo Estado, ou pelos vários governos nos últimos anos, afirma à agência Lusa junto a um posto de vigia, num alto de um monte, em que se podem ver, até perder de vista, copas de árvores queimadas pelas chamas.
O Pinhal de Leiria, ou do Rei, com 700 anos, pertence ao Estado que, afinal, também não fez as limpezas que a lei reclama. É o que diz, sem medos, Gabriel Roldão enquanto, no posto de vigia, aponta a área ardida, poucos quilómetros a sul de São Pedro de Moel.
“Eu digo a verdade”, “prendam-me”, afirma, mais exaltado, depois de recordar a riqueza que é o aproveitamento das limpezas, o dinheiro que poderia dar e não é aproveitado.
O empresário, 81 anos, aponta as falhas ao Ministério da Agricultura pelo desinvestimento e ironiza que agora o Estado, o Governo, já não precisa de gastar dinheiro porque o destino do que calcula serem 9.000 hectares de pinhal vai ser “o corte”.
“Tudo falha porque o Ministério da Agricultura e Florestas, através do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), não investe rigorosamente nada no Pinhal de Leiria”, diz.
O pinhal, conclui, “está completamente abandonado” e se foi anunciada uma verba de 1,8 milhões de euros para limpeza, agora não são necessários – “já não precisa de os gastar”.
Se fosse só a falta de limpeza, seria mais simples, ironiza. O Estado não fez as limpezas, nem “voltou a plantar e a renovar este pinhal”.
O empresário defende que a gestão da mata deve ser entregue à Câmara da Marinha Grande.
“Para o futuro, vou fazer campanha intensa de entrega da superfície florestal de pinhal à câmara da Marinha Grande, que nunca beneficiou nada quanto ao Pinhal de Leiria”, afirma, alegando que o Governo nada fez nem vai fazer.
Durante a visita à mata, à que não ardeu, Gabriel Roldão aponta para as ervas e arbustos que cresciam, algumas da altura de um homem, dentro do pinhal, que, diz, foram “combustível” para o incêndio, e que já tinha mostrado à Lusa numa reportagem, em agosto.
Olhando à volta, e perante a necessidade de esperar cinco, dez, 20 anos até ver, de novo, as florestas verdes com pinheiros bravos, como os que arderam, alguns deles com 50 anos, o autor do livro “Elucidário do Pinhal do Rei” é duro com o ministro e o ICNF.
“Com a gente que está no ICNF e com a mentalidade tacanha do ministro da Agricultura, isto [o Pinhal de Leiria] ficará abandonado, a criar mato sobre mato, e arder uma e outra vez”, acrescenta.
E emociona-se quando diz à Lusa que, com a perda do Pinhal de Leiria perdem-se “700 anos de História”, fazendo contas aos anos em que começou a ser plantado, ainda pelo rei Afonso III.
“Ou mudam as mentalidades ou perdemos 700 anos de história. Foi aqui que nasceram os Descobrimentos portugueses… E as madeiras que foram retiradas daqui e levadas para os arsenais de Lisboa para construir as naus. Foram aqui construídas algumas aqui perto”, afirma, empolgado.
Para Gabriel Roldão, “perdeu-se o respeito pela História do país” e Portugal, que “é um país respeitado historicamente em todo o mundo” não se respeita a si próprio.
“Somos nós que não nos respeitamos a nós próprios”, conclui.
Os incêndios de domingo queimaram, segundo uma estimativa do presidente da câmara da Marinha Grande, cerca de 80% da área do Pinhal de Leiria.