Militou durante 40 anos no MRPP. Mas a 6 de outubro de 2015 foi notificado da sua suspensão. Mês e meio depois, entregou, em mão, a sua carta de demissão do partido por onde se candidatou, inúmeras vezes, aos mais variados cargos políticos.
A 25 de novembro desse ano, e porque o MRPP não o havia feito antes, tratou de dar nota pública da sua demissão. Desde então para cá, remeteu-se ao silêncio. Hoje, decidiu falar.
Choque, dúvida, digestão
Primeiro, foi a “completa estupefação” e o “autêntico estado de choque”, por ser chamado de tudo, principalmente no jornal online do partido, o Luta Popular. Viu-se acusado de “social-fascista, de anticomunista primário e de outros epítetos similares que nada têm que ver com a minha posição e com a minha postura”, escreve no seu blog, Em Nome da Verdade. Os “ataques” foram-lhe particularmente penosos, por “terem vindo precisamente de alguém que considerava como um verdadeiro Amigo e até como um Pai”: Arnaldo Matos.
Depois, foi a interrogação. Assume erros ao longo da sua vida política, “designadamente, na última campanha eleitoral” (a das últimas legislativas) mas nesta segunda fase só pensava no que estaria a acontecer e “onde estava o Arnaldo Matos que eu conhecera e com quem tanto aprendera”. Onde estava aquele que, em 1975, ordenara a Durão Barroso que devolvesse mobiliário surripiado à Faculdade de Direito, porque “aquela era uma atitude indigna de comunistas” ou que, na noite da morte de Sá Carneiro, “verberou com veemência alguns camaradas que se vangloriavam da morte daquele, afirmando que os comunistas desejam a derrota política dos seus adversários mas não se vangloriam com a sua morte física”.
Não deixando de recordar outros episódios, Garcia Pereira questiona-se sobre o paradeiro do líder que tantas vezes tinha elogiado o seu discípulo, o poiso daquela “pessoa de princípios” que “afinal agora usava a mentira, a reescrita e falsificação da História e os ataques pessoais mais infames, incluindo à minha família, como instrumento de uma acção apontada como política”.
Só numa terceira fase começou a “analisar tudo o que se tinha passado”, juntando peças, como quem faz um puzzle, e a tirar conclusões.
Foi por precisar de “tempo para digerir toda esta situação” que se remeteu a um silêncio de 18 longos meses.
Porque quebrar o silêncio agora?
“Uma experiência recente de morte iminente fez-me reflectir sobre muitas coisas da minha vida.” E em relação ao PCTP/MRPP, partido por que lutou nos últimos 40 anos, “essa reflexão tornou muito claras três situações”. Primeira, a de que “antes de partir desta vida” não tem “o direito de esconder, permitir que escondam ou distorçam” os factos. Nesta altura da sua vida, sente que tem “o dever de repor a verdade” não só no que se tem dito em relação à sua pessoa, mas também à história do PCTP/MRPP. Depois, tornou-se para si claro que devia aos “camaradas, militantes, simpatizantes e amigos do PCTP/MRPP”, aos “60 mil votantes no partido”, uma explicação, a sua explicação. Por fim, não podia “continuar a ignorar situações” que lhe “revolvem as entranhas”. Porque, “ao contrário do que sucedeu com diversos apoiantes de Arnaldo Matos”, garante, “NÃO espiei, nem fiz espiar, os movimentos, horários e rotinas de quem quer que fosse, como NÃO fiz ou mandei fazer cartas ou telefonemas anónimos provocadores ou ameaçadores nem sugeri, propus ou ordenei a aplicação de “justos correctivos” quando possível contra quem quer que fosse.”
Para António Garcia Pereira, é chegada a hora de repor a verdade, com o que considera ser “a dignidade, a seriedade e a humildade que a deve caracterizar. Sem insultos. Sem baixarias”, sem “ofensas pessoais” nem revelações “sobre a vida pessoal e profissional de Arnaldo Matos, que conheço, e muito bem, desde há décadas.”
Com este post, estas palavras (e omissões), o ex-líder do PCTP/MRPP congratula-se pelo que chama a sua “grande vitória sobre a indignidade e a mentira.” Apesar da “desigualdade de armas e de métodos”, deixa escrito, preto no branco, que tudo o que sabe, conhece, viveu “ficará para sempre comigo e enquanto tiver um sopro de vida recusar-me-ei sempre a usá-lo para quaisquer fins.” Aguardará, como aguardou 18 meses até quebrar o silêncio, que “a verdade venha ao de cima e que cada um retire as suas conclusões.” No seu blog, publicou assim uma “série de textos” para restabelecer o curso da História.
Pode ler o texto completo de António Garcia Pereira aqui.