Quando chegou à sociedade de advogados Lima Serra Fernandes & Associados, na Rua Castilho, em Lisboa, o Ministério Público fez uma descoberta surpreendente: no escritório foram encontrados documentos que provavam uma corrente de movimentos financeiros entre a sociedade de advogados e José Dirceu, o ex-chefe da Casa Civil no Brasil que durante muito tempo foi o braço-direito de Lula da Silva e tem estado no centro de mega-processos como o Mensalão e a Operação Lava Jato.
Além de ter descoberto que Dirceu terá recebido dinheiro, via sociedade de advogados portuguesa, com origem na PT e no Grupo Espírito Santo (GES), a equipa de investigação da Operação Marquês (que tem como principal arguido José Sócrates) também descobriu que a Lima Serra Fernandes & Associados serviu de intermediária de pagamentos para Dirceu vindos da Andrade Gutierrez (então Zagope em Portugal), uma das construtoras brasileiras que está no centro da Lava Jato.
Dois executivos da multinacional foram presos em 2015, acusados de organização criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro, e acabaram por assinar um ano mais tarde um acordo de delação premiada. Desde então têm relatado diversos subornos – que normalmente seguiam através de pagamentos a empresas de fachada -, até ao Tribunal de Contas de São Paulo, para que o tribunal não apontasse problemas em contratos de obras.
Só no período entre finais de 2008 e princípios de 2009, a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira descobriu que Dirceu terá recebido mais de 312 mil euros, mas os factos sob suspeita reportam-se a um período muito maior, entre 2007 e 2014.
José Dirceu estava registado em Portugal para efeitos fiscais e no processo suspeita-se que o escritório de advogados da Rua Castilho daria a cara e emprestaria contas bancárias na hora de faturar e receber os ganhos para que não fosse fácil descobrir uma relação direta entre o ex-braço direito de Lula da Silva e a Portugal Telecom (PT), o grupo Andrade Gutierrez e a Espírito Santo Financial, do grupo então liderado por Ricardo Salgado.
Chamado a testemunhar no processo, Fernando Lima, sócio daquela sociedade de advogados e grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL), a mais antiga obediência maçónica em Portugal, disse-se surpreendido com os factos, que afirmou desconhecer, e remeteu responsabilidades para o colega de escritório João Abrantes Serra. O advogado entretanto constituído arguido na Operação Marquês é o representante fiscal em Portugal de José Dirceu e do irmão Luiz Eduardo de Oliveira e Silva. Sabe-se que este último teve um encontro na sede do BES com Ricardo Salgado e que esse encontro terá sido intermediado pela Lima Serra Fernandes & Associados.
De acordo com a cronologia do processo, os primeiros pagamentos para Dirceu terão chegado através da PT Centro Corporativo, que estava dentro do grupo PT SGPS. Entre Julho de 2007 e Junho de 2008 a sociedade de advogados emitiu seis facturas à empresa de telecomunicações, no total de 618.310 mil euros. O Ministério Público já suspeitava que o destinatário de metade desta quantia era José Dirceu quando ouviu Luís Pacheco de Melo, ex-administrador não executivo da PT entre 2007 e 2015, que confirmou não existir na operadora telefónica qualquer contrato que suportasse aquelas faturas, desconhecendo, por essa razão, a natureza dos serviços que seriam prestados. Por essa razão, quando se apercebeu terá rejeitado o pagamento de mais faturas.
No final de 2008 entra em cena a construtora Zagope, que entretanto passou a denominar-se Andrade Gutierrez. A Lima Serra Fernandes & Associados emite três faturas. Quase 93 mil euros entram posteriormente na conta corrente a favor de José Dirceu e deduzidos de impostos.
A Espírito Santo Financial, empresa do GES, só entra na história em 2011, quando a PT e a Andrade Gutierrez já não estão a fazer pagamentos. Neste caso, os alegados pagamentos para Dirceu são disfarçados através de uma avença mensal de 36900 euros (30 mil euros de prestação de serviços + IVA) transferidos para uma conta da Lima Serra Fernandes & Associados junto do BCP. Associada a esta conta estaria um cartão de crédito cujo titular era José Dirceu. A partir de abril de 2011 começa a ser lançado mensalmente a favor de José Dirceu o montante de 15 mil euros, inicialmente com a descrição de “BES” e mais tarde de “avença”. Essa avença, segundo os investigadores, coincide temporalmente com a avença da LSF para a Espírito Santo Financial.
A análise à conta bancária que serviria o antigo braço-direito de Lula da Silva serviu para pagar hotéis em Lisboa, viaturas com motorista, viagens a Paris e a Beirute, uma caneta Montblanc, joalharia, um gravador digital, malas, uma bolsa Gucci e loiças Vista Alegre.