Boémio, culto, afável, viajado, negociador, humanista, patriota, artista, escritor, democrata, republicano. Todas estas palavras servem para definir Manuel Teixeira Gomes, o sétimo e penúltimo Presidente da Primeira República em Portugal (1910-1926). Passam esta terça-feira, 17, 75 anos da sua morte, na cidade argelina de Bougie (hoje Bugia) – “uma Sintra à beira-mar”, como chamou ao pedaço de terra onde se radicou para se dedicar à escrita, uma escassa semana após ter renunciado ao cargo de chefe de Estado, em 11 de dezembro de 1925.
A pretexto do aniversário da sua morte, é hoje lançado o livro “Manuel Teixeira Gomes – Biografia”, da autoria de José Alberto Quaresma, numa iniciativa conjunta do Museu da Presidência da República e da Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Um retrato de um democrata convicto, lançado na política em 1910 (o ano em que a Monarquia deu lugar à República, com a revolução do 5 de outubro) como ministro plenipotenciário (embaixador) em Londres, e saído 15 anos depois, desencantado com os dois anos de uma presidência atribulada, marcada por oito governos e muitas incertezas – que culminaram, nem seis meses depois, com o golpe militar de 28 de maio que trouxe a ditatura militar ao país.
“A política, longe de me oferecer encantos ou compensações, converteu-se para mim, talvez por exagerada sensibilidade minha, num sacrifício inglório. Sinto uma necessidade, porventura fisiológica, de voltar às minhas preferências, às minhas cadeiras e aos meus livros”, declarou, sobre o seu adeus à causa pública, Manuel Teixeira Gomes, citado no prefácio do livro de Joaquim António Nunes, “Da Vida e da Obra de Teixeira” (1976).
Como representante da República junto da monarquia britânica, durante quase 13 anos, teve o mérito de conseguir manter um bom relacionamento com um velho aliado, apesar de ali estar exilado o último rei de Portugal, D. Manuel II, e de a coroa inglesa não ver com bons olhos o novo regime do amigo do Sul. Mas o seu papel na Primeira Guerra Mundial foi uma fonte de polémica: para proteger as colónias em África, defendeu a participação de Portugal, até contra a opinião do Reino Unido, que se preparava para negociar os territórios portugueses com os alemães. Entrar era, na leitura de Manuel Teixeira Gomes, a única forma de manter as colónias no final da guerra, mas a posição valeu-lhe forte contestação dos que, em Portugal, se batiam pela neutralidade.
Nascido em Portimão no ano de 1860, este algarvio de família abastada fez a escola secundária em Coimbra, mas os estudos ficaram para trás assim que entrou na faculdade de medicina. A vida boémia e artística interessava-lhe muito mais e depressa rumou a Lisboa e depois ao Porto, onde conheceu homens da arte como o pintor Columbano Bordallo Pinheiro ou o escultor Soares dos Reis. Foi no entanto a literatura que o apaixonou, tendo escrito várias obras ao longo da sua vida, antes e depois do “intervalo” para fazer política.
Por volta de 1890 voltou ao Algarve e até ao fim do século XIX tornou-se um homem de negócios. Ao serviço da empresa da família, era ele quem viajava pelo mundo – da Europa a África e depois ao Médio Oriente – para exportar os figos algarvios (e também amêndoas e outros frutos secos) que o pai produzia. Nesses anos, passava nove meses no estrangeiro e apenas três em Portugal, e com isso ganhou parte da “bagagem” que mais tarde levaria para Londres. Antes, ainda por terras algarvias, apaixonou-se por Belmira das Neves, mas nunca chegou a casar-se com esta mulher de uma família de pescadores com quem teve duas filhas. Os seus primeiros livros também datam deste período pré-republicano.
Depois da passagem pela política, uma vez no exílio voluntário, na Argélia, Manuel Teixeira Gomes, então com 65 anos, passou boa parte dos primeiros anos a viajar pela Europa, fixando-se de vez em Bougie em 1931. Foi aí que viveu os últimos dez anos da sua vida, a escrever, sem nunca ter voltado a Portugal. As obras dessa segunda incursão pela literatura “espelham bem a ânsia de justiça e o desejo de espalhar benefícios do autor, e noutra vertente, o seu gosto pela sensualidade e o reconhecimento do direito à vida plena de cada ser humano, denunciando enfim, o grande conteúdo humanista e estético que o caracterizava”, lê-se na sua biografia publicada no site da Presidência da República.
Morreu aos 81 anos, idade avançada para a época, e nove anos depois, em 1950, as filhas quiseram que os restos mortais do pai voltassem para a terra que o viu nascer. Há quem diga que a cerimónia fúnebre resultou na maior contestação alguma vez vista em Portimão ao regime de Salazar.