Marcelo Rebelo de Sousa vetou hoje, último dia do prazo, o diploma do governo que pretendia permitir que as autoridades fiscais acedessem, indiscriminadamente, às contas bancárias com aplicações (todo o tipo de aplicações) acima dos 50 mil euros.
Considerando ser “indiscutivel” a necessidade de fazer cumprir as “obrigações resultantes de transposição de regras europeias (Diretiva 2014/107/UE, do Conselho, de 9 de Dezembro) ou do acordo com os Estados Unidos da América (Foreign Account Tax Compliance Act)”, por corresponderem a “fundamentais exigências de maior transparência fiscal transfronteiriça”, o Presidente questiona o primeiro ministro sobre a necessidade de o diploma ir mais longe.
Em cinco pontos, o Presidente apresenta as suas objeções para o primeiro veto ao governo (houve outros dois, mas a diplomas da Assembleia da República). Refere que há já várias situações em que é permitido o acesso da Autoridade Tributária e Aduaneira às contas bancárias, “designadamente, indício de prática de crime fiscal, omissão ou inveracidade ao Fisco ou acréscimo não justificado de património”; que o aprofundamento e alargamento da medida “não era imposto por nenhum compromisso externo” e que os moldes em que o executivo coloca a questão se apresenta “mais irrestrito do que o vigente na maioria dos Estados-membros da União Europeia”.
Depois, alegando “o princípio constitucional da proporcionalidade, ou seja, o uso de meios excessivos – por falta de regras especificadoras de indícios ou riscos justificativos – no sacrifício de direitos fundamentais”, recorda como a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) já tinha dado parecer negativo ao diploma. Na altura, a secretária-geral da instituição, Isabel Cristina Cruz, recordou à VISÃO que a CNPD deu – não um, mas – dois pareceres ao diploma, invocando sempre inconstitucionalidade (por alegada violação do n.º 2 do artigo 18.º, segundo o qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”)
Ao que a VISÃO conseguiu apurar, ao primeiro, o governo respondeu com a definição de um limite mínimo (os €50 mil) para que o Fisco tivesse acesso às contas dos portugueses residentes em Portugal. Mas esta limitação não convenceu nem a CNPD (que voltou a dar parecer negativo), nem a Presidência.
Alegando a “inoportunidade política” do diploma, por aparecer numa altura em que não só “se encontra ainda em curso uma muito sensível consolidação do nosso sistema bancário”, mas também, e “com ele intimamente associado”, há que assegurar a “confiança dos portugueses, depositantes, aforradores e investidores, essencial para o difícil arranque do investimento, sem o qual não haverá nem crescimento e emprego, nem sustentação para a estabilização financeira duradoura”, o Presidente, devolvendo o diploma a São Bento, acaba por sugerir ao primeiro ministro que proceda ao “indispensável e aprofundado debate público” sobre esta matéria.