“Um livro deste tipo só tem sentido se o autor se dispuser a contar tudo o que ouviu dos seus interlocutores, e relatar tudo a que assistiu, e que julgue ter interesse público. Assim, como o leitor reparou, há no texto revelações duras e outras que roçam a violação da privacidade. Mas, insisto, é o preço a pagar por uma iniciativa como esta”, afirma José António Saraiva nas linhas finais do seu livro “Eu e os Políticos”. “Só guardei para mim aqueles segredos cujo interesse público, em meu entender, não mereceria os danos que a sua divulgação poderia causar”, acrescenta José António Saraiva no epílogo do livro de 264 páginas em que passa a pente fino as suas memórias em relação a 42 figuras públicas portuguesas, que será apresentado por Pedro Passos Coelho, mas já está a gerar enorme polémica pelo facto de conter conversas privadas e pormenores íntimos destas e outras personalidades portuguesas. Revelações sobre orientação sexual, infertilidade, ódios de estimação, intrigas, insultos e jogos de bastidor – há um pouco de tudo no livro a que a VISÃO teve acesso.
“Poucas pessoas terão tido, como eu tive — pelos lugares que ocupei — acesso privilegiado aos principais actores políticos ao longo de 35 anos, materializado em inúmeras conversas privadas. Aqui os políticos aparecem como são (ou como eu os vi) na intimidade, fora da pose conveniente que a presença pública implica. No momento em que me retiro de cargos executivos no jornalismo, senti a necessidade de partilhar com os interessados essas vivências. Seria porventura egoísmo guardá‑las só para mim e para o meu círculo próximo”, escreve o jornalista.
Antecipando as esperadas críticas, José António Saraiva garante que não quis fazer retaliações e que procurou imparcialidade na avaliação. “A empatia — ou a falta dela — estará patente no texto e às vezes é explicitamente assumida. Mas isso não significa parcialidade. Em todos os casos tentei ser justo e rigoroso. Não prejudiquei uns e beneficiei outros de acordo com as minhas simpatias ou antipatias: procurei tratar todos com igual isenção. Nos jornais que dirigi tinha até fama de, à força de querer ser imparcial, prejudicar as pessoas que me eram mais próximas”, escreveu o autor. E acrescenta: “Também não usei este livro como forma de fazer retaliações ou vinganças, o que seria demasiado mesquinho. Disse‑o na apresentação e repito‑o nesta conclusão. A minha única ambição ao escrevê‑lo foi deixar um testemunho que possa ser útil a quem, no futuro, tente reconstituir a história deste período”.
Visados e não só têm vindo a público criticar o livro e a abordagem reveladora que promete fazer. Num post com o título “coscuvilhices”, escreveu ontem Francisco Seixas da Costa no Facebook: “Alguém a quem determinadas informações foram prestadas, numa conversa discreta, terá o direito, mesmo que muitos anos depois, de vir a público revelá-las, sabendo claramente que, com isso, quebrou a confiança que foi posta em si? E, em especial, se a revelação dessas conversas vier a afetar a imagem de pessoas, vivas ou já desaparecidas, será eticamente aceitável publicar – nas redes sociais, na imprensa ou em livro – tais dados? A resposta parece evidente para toda a gente, mas, aparentemente, para alguns, não o é. (…) Não conheço ainda um livro que se anuncia trazer umas dessas historietas de “diz-que-diz-se”. A confirmar-se que insere algumas revelações que a imprensa indiciou, esse “tablóide encadernado” deverá ser exposto ao opróbrio público. Se não foi possível evitá-lo, ao menos que sirva de mau exemplo. Mas, quando não há vergonha, não há remédio.”
“Nunca antes, à exceção de um episódio com imagens vídeo de sexo dadas à estampa há 30 anos, se foi tão longe na deliberação da devassa gratuita da intimidade, sem outro objetivo que não o de devassar, ferir e lucrar com isso”, criticou também Fernanda Câncio (referida no livro), na sexta-feira, no site do Diário de Notícias.
Daniel Oliveira, no Facebook, vai mais longe e classifica o comportamento de Saraiva de “abjeto”, referindo-se a uma alegada conversa entre Miguel Portas e José António Saraiva e que este agora revela. “Um dos assuntos que refere tem a ver com Paulo Portas e supostas dificuldades que este viria a ter, por causa da sua vida pessoal, em afirmar-se no CDS. Para além da indecência de divulgar um diálogo com esta sensibilidade quando o Miguel não está cá para o desmentir ou confirmar e quando não há qualquer outra testemunha, usa alguém que morreu para, por essa via, fazer considerações sobre a vida pessoal do seu irmão, que está bem vivo. Considerações que duvido que o Miguel tenha feito com alguém de quem não era amigo próximo e que mesmo que o fizesse nunca permitiria que fossem públicas. É feio divulgar conversas íntimas. É muito feio divulgar conversas íntimas sobre terceiros. É inacreditável fazê-lo quando se usa esses terceiros para divulgar supostos factos da vida privada de alguém. É nojento fazê-lo quando a pessoa que é usada é familiar da pessoa cuja privacidade é devassada. É abjeto quando a pessoa que é usada já morreu.”
Apesar do tom revelador do livro e de nele estarem referidas dezenas de personalidades do seu próprio partido (como Durão Barroso, Santana Lopes, Marcelo Rebelo de Sousa, Cavaco Silva ou Francisco Pinto Balsemão) e de muitos outros políticos nacionais, Pedro Passos Coelho aceitou dar a cara pela obra e fazer a sua apresentação, ainda antes de conhecer ter oportunidade de o ler. Depois de conhecer o seu conteúdo, optou por manter o compromisso. A apresentação está agendada para dia 26 de setembro no El Corte Inglés. Até lá, o tema promete continuar a fazer correr muita tinta.