Erro económico grosseiro. É o que reclama o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro. “O imobiliário é um dos poucos setores da economia portuguesa que funciona bem. Que gera emprego e atrai investidores”. E esse vai ser severamente afetado pelo novo imposto com o qual o PS e o Bloco de Esquerda pretende chamar os grandes proprietários de imóveis ao fisco. “Mais do que contornar as obrigações contributivas, as pessoas vão desinvestir do setor imobiliário. Vão todos levar uma pancada enorme.”
Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda e Eurico Brilhante Dias, do PS, esfalfaram-se desde a primeira horas da manhã desta quinta-feira, 15, a explicar o novo imposto sobre o património imobiliário que desencadeou uma autêntica tempestade. A medida, visa substituir o chamado imposto do selo sobre imóveis de luxo (criado em 2012 pelo executivo de Pedro Passos Coelho), e já pôs os representantes dos proprietários e do setor imobiliário em pé de guerra e a falar em murros no estômago e garrote fiscal.
Na arena política, a direita, que esteve quatro anos no poder e impõs a maior carga fiscal de sempre aos portugueses, fala em “assalto fiscal”, através de Assunção Cristas, líder do CDS. E num cenário em que “nenhum português fica descansado”, nas palavras do social-democrata Leitão Amaro.
Por seu lado, as forças que sustentam o Governo de António Costa – em particular, o Bloco e o PS – falam numa medida que se justifica por uma questão de justiça fiscal, enquanto o PCP quer alargar a tributação aos valores mobiliários.
Contudo, depois de todo a alarido em torno da notícia e ouvindo os intervenientes, chega-se à conclusão que tudo está ainda numa ponto muito embrionário.
Bloco e PS vão continuar a partir pedra no grupo de trabalho em que se está a desenhar o Orçamento do Estado (OE) para o próximo ano.
O Ministério das Finanças optou pela política de silêncio, respondendo que não se pronuncia sobre o OE, antes da sua apresentação, em meados do próximo mês. Estranha-se o silêncio até relativamente a dados estatísticos objetivos como o número de contribuintes que podem ser afetados pela medida – que segundo foi inicialmente noticiado deveria abranger uma concentração de património imobiliário superior aos €500 mil.
Uma explicação pode ser o facto de o valor patrimonial (o registado nas finanças, não o valor de mercado) a partir do qual se vai tributar ainda não está definido. As negociações entre o PS e o Bloco ainda decorrem.
Certo parece ser que o novo imposto, que ainda não tem nome, incidirá sobre o património global e que a habitação própria permanente de classe média não será afetada, tal como o património de empresas afeto à atividade produtiva.
Críticas
António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários foi de um sarcasmo corrosivo na análise da nova medida. Diz que os proprietários receberam dois murros no estômago em duas semanas. “Depois do congelamento das rendas, anunciado há 15 dias, ficámos KO com este anúncio. Isto não é uma justiça, é um garrote fiscal.”
Para Frias Marques o facto de alguém possuir um património de meio milhão de euros em imobiliários, não significa que consiga retirar desse património rendimento. “Temos largas centenas de associados que já pagam mais em IMI do que recebem de rendas”.
Essa é também uma situação constatada pelo fiscalista Tiago Caiado Guerreiro, considerando “imoral e inconstitucional”. “As pessoas vão pagar mais do que recebem”, afirma em relação a um imposto que classifica de “confiscatório.
Não menos vigorosa foi a reação de Luís Lima, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária. Fala mesmo em tragédia e diz que a medida é a condenação à morte do mercado de arrendamento.
Nada disso, diz o deputado do PS. “A medida ainda não está fechada”, avança Brilhante Dias. “Estamos a desenhar uma solução para que o negócio do arrendamento fique protegido.”
Uma das hipósteses em cima da mesa é a de, no caso do arrendamento, se aplicarem ao novo imposto regras semelhantes às que vigoram para o IMI. Ou seja, o imposto só será deduzido ao rendimento bruto do imóvel se este obteve rendimentos ao longo do ano.
Para já, além do IMI (no qual não haverá mexidas) vigora, desde 2012, o chamado “imposto do selo sobre imóveis de luxo” – uma taxa fixa aplicada a prédios ou frações com um valor patrimonial igual ou superior a um milhão de euros. Este, tributa imóvel a imóvel. E uma das críticas que lhe faz a esquerda parlamentar é o facto de permitir a um proprietário com 10 ou 20 prédios de €999 mil euros não ser tributado ao passo que outro com apenas um de um milhão de euros teria de pagar imposto.
Ao longo da manhã Eurico Brilhante Dias e Mariana Mortágua, ambos embrenhados no grupo de trabalho que pretende fazer alterações ao regime fiscal, procuraram responder a algumas dúvidas e críticas.
Ambos esclareceram que o novo imposto incidirá sobre o património imobiliário global. Ou seja, a tributação incidirá progressivamente sobre o valor da totalidade dos imóveis detidos a partir de determinado patamar (falou-se em €500 mil, mas o valor ainda não está fechado).
“Essa medida é um ataque em força à classe média, mesmo que pareça um ataque aos proprietários mais ricos”, afirma Luís Lima.
No mesmo sentido, vai a argumentação de Tiago Caiado Guerreiro. “Os muito ricos não serão os mais afetados. Isso porque podem distribuir o seu património por outros titulares, por exemplo empresas, de modo a que sejam pouco ou nada atingidos”.
Ou seja, na sua opinião, a medida não ataca o alvo a que se destina. Mas sim a classe média.
E quanto a esse ataque à classe média, PS e Bloco afiançam estar à procura de soluções que abranjam apenas “os detentores de elevado valor patrimonial”.
Para Mariana Mortágua é claro quem são os visados: grandes proprietários terão de pagar o que, muitas vezes, não pagam através da tributação dos rendimentos.
“É uma questão de justiça social”, diz. Por outras palavras, trata-se de “agravar os é agravar os impostos de quem foge ou escapa ao IRS porque não declara rendimentos ou apenas regista receitas de rendas e paga taxas liberatórias e não progressivas”.
Tiago Caiado Guerreiro insiste: “Para o imposto ser produtivo. Isto é, para o Estado obter uma verdadeira receita por essa via, precisa de alargar a abrangência do imposto. Ou seja, no próximo orçamento até pode avançar com a tributação de património acima dos €500 mil, para no seguinte descer o patamar para 300 ou 250 mil”.
Segundo o especialista, “é o que acontece sempre em Portugal. Independentemente do partido no Governo”.