Alguns defendem apenas alterações ao Acordo Ortográfico assinado em 1990, mas mudar as regras de escrita da língua Portuguesa poderá implicar um novo tratado. Pelo menos, assim o entende um dos críticos que mais tem trabalhado nas questões jurídicas associadas ao documento, Ivo Barroso: “Alterar o acordo é muito difícil. Para isso teria de haver um protocolo modificado. Na prática, uma alteração é um novo acordo, que obrigaria a iniciativa do Governo, discussão na Assembleia da República e ratificação pelo Presidente da República”.
Para passar no Parlamento, o novo texto modificativo teria de ser aprovado por maioria relativa, ou seja, o número de votos favoráveis teria de ser superior aos votos contrários dos deputados presentes.
O especialista do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas lembra que uma revisão implicaria “um novo tratado entre todos os Estados da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, sendo necessário que os Governos de cada Estado assinem, para depois ratificarem internamente”.
Tendo em conta que o atual acordo anda há mais de 20 anos a ser discutido, ninguém pode garantir o desfecho de tal mudança. Além disso, os que estão em sintonia relativamente às críticas, parecem em desacordo no que toca às soluções. Artur Anselmo, da Academia de Ciências, entende que o acordo não precisa de ser anulado. Mas “também não é a Bíblia e pode sofrer alterações, porque muitas leis são ultrapassadas por novas leis”. Para isso, Artur Anselmo propõe “reuniões inter academias”, desde que “alargadas, porq1ue os institutos de línguas vivem muitas vezes afastados da realidade social”.
O representante da Academia propõe o “respeito pelas ortografias nacionais, que são um dado cultural, prevalecendo o bom senso”. Até porque, remata, “esta guerra não interessa a ninguém”. Como em qualquer conflito, Artur Anselmo acredita que também neste, a paz passará pela mesa das negociações: “Nem tudo me choca no novo acordo, mas algumas coisas chocam-me muito. Devemos sentar-nos à mesa e olhar para as diferentes realidades nos vários países”.
A polémica, agora reacendida pela visita do Presidente da República a Moçambique, que, tal como Angola, ainda não ratificou o acordo, começou com a publicação de um artigo no jornal Expresso sobre a história dos presidentes, que terminava com o aviso “Marcelo Rebelo de Sousa escreve de acordo com a antiga ortografia”.
Em visita oficial a Moçambique, Marcelo Rebelo de Sousa distanciou-se da polémica e a sua equipa preferiu enfatizar a importância dos fazedores de opinião, os criadores artísticos e culturais para o Português. Para os homens do Presidente, serão estes o melhor veículo da língua portuguesa.
Ironicamente, a discussão sobre a aplicação do Acordo Ortográfico regressou com um presidente que tem defendido posições diferentes ao longo dos anos. Em 1991, Rebelo de Sousa foi um dos subscritores de um manifesto contra o Acordo e em 2014, na TVI, admitiu que,apesar de defender o acordo, não o aplicava. Já durante a campanha eleitoral não foi contra nem a favor, optando por não tomar posição, ao contrário de outros candidatos a Belém.
A falta de consensos relativamente às alterações ortográficas não é de agora. Já em Maio de 2008, quando foi votada no Parlamento, a proposta dividiu o hemiciclo. O protocolo do acordo passou com os votos favoráveis do PS, PSD, Bloco de Esquerda e CDS. Mas houve dissidentes. Manuel Alegre, do PS, Nuno Melo e António Carlos Monteiro, do CDS, votaram contra, enquanto Matilde Sousa Franco, também do Partido Socialista, preferiu abandonar a sala antes da votação. As bancadas do Partido Comunista e do Partido Ecologista Os Verdes abstiveram-se, sendo acompanhadas por três deputados do CDS – Paulo Portas, José Paulo Carvalho e Abel Baptista.
Nos tribunais, corre também uma ação judicial popular, que espera decisão desde 2014. Os autores queixam-se da inconstitucionalidade do acordo, que, defendem, deveria voltar a ser ratificado por ter sofrido alterações significativas.
Embora a questão seja agora essencialmente diplomática, o assunto não está na agenda da CPLP, que entenderá ter problemas económicos e sociais mais urgentes para resolver neste momento, com o Brasil a atravessar uma grave crise económica e política, a braços com um processo de impugnação, e Angola em negociação com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para receber apoio financeiro.
Discussões à parte, a aplicação das novas regras ortográficas tiveram já implicações na vida da maioria das famílias, já que foram generalizadas a todas as escolas pela resolução de conselho de ministros número 8 de 2011: “As escolas portuguesas adotaram no seu dia a dia o Acordo Ortográfico a partir do ano letivo 2011/2012, tendo sido gradualmente aplicado aos manuais escolares”. A mesma resolução impôs também a aplicação das modificações ortográficas ao Governo e todos os serviços na sua dependência a partir de janeiro de 2012.