Eis uma seleção de alguns que abalaram as relações entre Belém e São Bento
Conflito das bandeiras
Foi em 1986, pouco tempo depois da posse de Mário Soares. O Estatuto Político-Administrativo dos Açores tinha sido aprovado por unanimidade na Assembleia da República e aguardava pela promulgação, em Belém. As chefias militares, em surdina, fizeram chegar o seu descontentamento em relação ao artigo 6º do estatuto, no qual se determinava: “Os símbolos regionais serão usados sempre conjuntamente com os símbolos nacionais nas cerimónias oficiais e nos edifícios públicos, civis e militares”. Em causa, consideravam, estava a o princípio constitucional da unidade nacional das Forças Armadas. Nos Açores, Mota Amaral governava: as críticas do PSD regional fizeram-se ouvir de imediato em agosto, quando a oposição dos militares foi conhecida.
Soares reuniu o Conselho de Estado e vetou o diploma. E fez uma comunicação ao país. A lei foi mudada: Soares garantia a primeira de muitas “vitórias” enquanto presidente, a maior parte do tempo tendo no governo Cavaco Silva
Lei dos coronéis
Em 25 de Maio de 1992, Mário Soares, já no seu segundo mandato como Presidente da república, veta a chamada Lei dos Coronéis, através da qual o governo pretendia diminuir o número de oficiais nas Forças Armadas. A Lei 15/92 alterava as regras de passagem à reserva e à aposentação e, deste modo, diminuía o corpo de militares, ainda herdeiro das necessidades da guerra colonial.
Mário Soares vetou uma primeira versão da lei, que foi devolvida à Assembleia da República. Uma segunda versão da lei foi de novo aprovada no parlamento em 7 de julho, tendo sido promulgada pela Presidência. A reforma das forças armadas acabou por se fazer. Neste caso, a de Soares nem chegou a uma “vitoriazinha”.
Há mais vida para além do défice
A frase colou-se-lhe como pastilha elástica à sola dos sapatos. Celebrava-se o 25 de abril de 2003, e Jorge Sampaio discursa na Assembleia da República. Primeiro, o proesidente considerou que era necessário controlar as finanças públicas. Mas de seguida defendeu que esse não era o único problema da economia portuguesa. “Há mais vida para além do orçamento. A economia é mais do que finanças públicas”.
Na verdade, o presidente nunca disse a frase com a palavra défice, como alguns anos depois relembrou. Mas a sua intervenção ficou para a história como um primeiro repto anti-austeridade. O primeiro-ministro Durão Barroso e a ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite nunca mais esqueceram as palavras “não-ditas” por Jorge Sampaio, que desde então passaram a fazer parte do léxico político dos partidos de esquerda portugueses.
Estatuto dos Açores
A 29 de Dezembro de 2008, um dramático Cavaco Silva fez uma declaração ao país. “ A lei que aprovou a revisão do estatuto dos Açores, que tinha sido por mim vetada, foi no passado 19, confirmada pela Assembleia da República, sem qualquer alteração. Não foram acolhidas as duas objeções por mim suscitadas (…) O que está em causa é o superior interesse do Estado português.”
Cavaco opunha-se, sobretudo, às limitações ao poder de dissolução da Assembleia Legislativa dos Açores, que lhe eram impostas por lei ordinária. O presidente pediu a verificação da constitucionalidade do diploma e o Tribunal detectou oito. Seguiu-se o veto político, mas o diploma foi devolvido a Belém sem que dele tenham sido expurgados os artigos (o 114º e o 140º) que suscitavam dúvidas na Presidência. Foi então promulgado mas, a pedido do PSD e do Provedor de Justiça, Nascimento Rodrigues, o Tribunal Constitucional voltou a pronunciar-se sobre o diploma. No final de julho de 2009, foi conhecida a decisão: os artigos eram mesmo inconstitucionais.
Este foi o primeiro episódio de conflito institucional entre José Sócrates e Cavaco Silva, que no ano seguinte chegaria ao rubro, por causa das escutas em Belém.