Faltam cinco minutos para as quatro da tarde de dia 8 de janeiro e chove copiosamente em Laveiras (Paço d’Arcos). A porta do número 244 da Rua Calvet de Magalhães está aberta e não há confusão na entrada. Os carros não se amontoam no estacionamento e não há jornalistas à primeira vista. A visita de Marcelo Rebelo de Sousa ao PIN, Centro de Progresso Infantil – uma espécie de «clínica de pessoas felizes”, como diz o diretor, Nuno Lobo Antunes, citando um pequeno paciente – não podia ser mais discreta.
A ação de campanha estava marcada para as quatro da tarde, mas o candidato chegou antes de tempo. “Chega sempre”, diz um dos seus poucos colaboradores. Essa é apenas uma das lições que pode aprender-se ao acompanhar a “comitiva” de Marcelo Rebelo de Sousa. Mas há outras. O ex-comentador cumprimenta quem lhe aparece à frente, explora todos os cantos da casa (neste caso o PIN), faz muitas perguntas, não anda com um arsenal de assessores ou jovens militantes atrás e gosta de improvizar.
Lição nº 1: Ele chega sempre antes da hora
Acontece regularmente Marcelo chegar ao local onde vai decorrer a ação de campanha antes dos seus assessores, do seu fotógrafo ou do seu cameraman. A única pessoa que não chega antes dele é o motorista. No PIN, na sexta.feira, dia 8, à hora em que o evento devia ter começado já o candidato estava numa sala à conversa com o diretor da clínica, Nuno Lobo Antunes.
Lição nº 2: A improvisação não é defeito, é feitio
Na véspera de Ano Novo, um “vamos só ali a Albufeita falar com os comerciantes afetados pelas cheias” depressa se transformou num convite para a festa de passagem de ano, com acesso ao concerto de Anselmo Ralph. Os poucos que acompanhavam o candidato só desmobilizaram quando ele voltou a pé para o hotel, já depois da meia-noite. Atravessou a baixa de Albufeira, onde havia milhares de pessoas em festa e ainda foi interpelado por alguns transeuntes. A incursão no terreno não estava no programa.
Lição nº 3: Não há portas que não possam ser abertas
Nos pouco mais de trinta minutos que passou no PIN, em Laveiras, Marcelo fez de conta que era da casa. Depois da conversa com o anfitrião, pediu: “Deixei-me espreitar um bocadinho”. Da copa à sala de espera, quase todas as portas foram abertas, interrompendo, com jeitinho, algumas intervenções/consultas. Uma delas estava a decorrer através da internet, usando uma espécie de Skype, mas “para melhor”, como observou Marcelo. Era um consulta sobre distúrbios de sono e o paciente estava na Madeira.
Lição nº 4: Quanto menos gente, melhor
No dia 31 de dezembro, o candidato chegou a Albufeira acompanhado de apenas três pessoas, incluindo a filha. “Não gosta que muita gente ande atrás dele”, diz um colaborador. Normalmente, anda com dois assessores, um fotógrafo, um cameraman e um motorista. Sem bandeiras, bombos ou palavras de ordem. Em Beja, entrou num bairro social problemático apenas com a sua pequena equipa e com uma pessoa dos serviços sociais, conhecida localmente. Consta que entrou pela casa de alguns residentes adentro, sem qualquer adversidade.
Lição nº 5: Fazer perguntas é querer saber mais
Desde que chega a uma ação de campanha até que se vai embora, Marcelo Rebelo de Sousa não para de fazer perguntas e de contribuir com os seus pontos de vista. “Como é a reação das famílias? Apoiam? Ajudam?”, perguntou a Lobo Antunes na visita ao PIN. “Há muitos casos desses? O que é que há aqui dentro? Qual é a especialidade deste terapeuta?” As perguntas são uma constante. Os interlocutores entendem-nas como sinal de interesse. No final de ação, sai sempre a saber um pouco mais sobre o assunto do que à chegada.
Lição nº 6: Menos euros pode ser igual a mais votos
Já se sabe que Marcelo optou por uma campanha poupadinha. Anos e anos de exposição mediática permitem-no, na opinião dos opositores. Mas, afinal, a ideia da campanha low cost é real ou é puro marketing? Não é só pelos almoços rápidos na marmita e pela ausência dos grandes comícios que Marcelo cultiva a imagem de poupado. Por exemplo: não deverá haver mais de três carros ‘alugados’ pela candidatura para transportar a comitiva do candidato durante o período oficial de campanha – antes disso, eram carros pessoais que andavam a circular. Também não vai ser gasto um euro em outdoors ou hino de campanha ou brindes para oferecer aos potenciais eleitores.
Lição nº 7: Uma piada nunca fez mal a ninguém
Uma boa dica para candidatos presidenciais, e não só: apostar na boa disposição e ter sempre qualquer coisa engraçada para dizer. O bom humor é mais difícil de manter nos debates televisivos com outros candidatos, como se viu no último frente-a-frente entre Sampaio da Nóvoa e Marcelo, mas na rua é natural. Como se viu na visita do ex-comentador à clínica dirigida por Nuno Lobo Antunes. A dada altura, numa das salas de consulta, a terapeuta pergunta ao jovem paciente: “Conheces aquele senhor, Afonso?” Perante a resposta negativa, Marcelo alivia o ambiente: “Não? Então és um homem feliz”.
Lição nº 8: Em política, falar com desconhecidos é boa educação
Há pessoas que metem conversa com Marcelo Rebelo de Sousa quando se cruzam com ele na rua, mas o candidato também não se fica atrás. Cumprimenta toda a gente com entusiasmo e, como repara nos pormenores, tem sempre uma palavra a dizer. Recentemene, no final de um dia de campanha, na tentativa de passar despercebido, Marcelo ainda chegou a dizer: “Ponho um boné e ninguém me conhece”. Mas a verdade é que o contacto com o povo, ainda que sem arruadas ou comícios, é o ponto mais forte de uma campanha intimista como esta.
Lição nº 9: Com a imprensa não se brinca
Talvez pelo facto de ele próprio ter chegado a diretor do jornal Expresso, Marcelo Rebelo de Sousa é sensível às necessidades dos jornalistas. Uma das suas preocupações, quando fala, é posicionar-se num sítio adequado, do ponto de vista das objetivas e câmaras, de modo a ficar bem no boneco. Diariamente, cria um momento em que se disponibiliza para falar à comunicação social. Responde a questões (e às vezes foge-lhes), mas também diz o que pretende. No final da visita à clínica PIN, por exemplo, disse: “Aproveitem aqui e coloquem as perguntas que queiram”. Mas não saíu sem deixar o ‘seu’ recado: “Não se deve mudar de sistema de avaliação de cada vez que muda o Governo”.