Ricardo Salgado contou numa reunião com os cinco principais ramos da família, em novembro de 2013, que cinco dos 30 milhões de euros de comissão paga à Escom pelos alemães, no âmbito do negócio da compra dos submarinos, tinham ido para a própria família Espírito Santo. Esse dado só se tornou público porque a conversa, que viria a ser revelada pelo jornal i, ficou gravada em áudio. No mesmo dia, Ricardo Salgado insistiu com os outros quatro familiares: todos deveriam assinar uma carta para enviar ao Ministério Público (MP). A missão era urgente.
“Quando o processo terminar, o processo vai-se tornar público e isto vai-se saber”, avisava o então presidente do BES. Mas afinal o que constava nessa carta que Salgado dizia ter de ser enviada o quanto antes? O mistério está resolvido nas páginas do processo que investigou suspeitas de corrupção na aquisição dos submarinos, e que a VISÃO consultou. Na carta, de dezembro de 2013, a família Mosqueira do Amaral, Ricardo Salgado, António Ricciardi, José Manuel Espírito Santo e Manuel Fernando Espírito Santo pedem ao MP para nunca tornar público que tinham recebido 5 milhões de euros do total pago pelos alemães. Mesmo quando o processo tivesse desfecho, a informação não deveria ser divulgada, pedia a família, argumentando que os pagamentos eram matéria da vida privada. O documento consta dos autos do processo arquivado, mais de dez anos depois da celebração do negócio entre o Estado português e o German Submarine Consortium.
No final de 2013, quando é enviada a carta dos Espírito Santo, não era ainda público quem tinha recebido dinheiro dos alemães além dos próprios administradores da Escom, a empresa do Grupo Espírito Santo (GES) que assessorou o negócio.
A suspeita do MP era outra: que os cerca de 30 milhões pagos à Escom pelos alemães teriam servido para pagar a decisores políticos. O circuito financeiro só ficaria completo depois de a Suíça identificar quem eram os beneficiários de contas naquele país, em nome de sociedades offshore, que tinham recebido dinheiro dos administradores da Escom. Mal souberam que esses dados estavam a caminho de Portugal, os cinco Espírito Santo, por incentivo de Ricardo Salgado, enviaram cinco cartas ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), assumindo serem os beneficiários das referidas contas. A justificação cabia numa frase: a comissão tinha sido paga a título de “remuneração extraordinária” do Conselho Superior do GES, órgão que juntava os cinco ramos do clã. Apesar de os Espírito Santo terem recebido aquela quantia e não terem desempenhado qualquer tarefa no negócio, nunca foram chamados a testemunhar. O DCIAP arquivou o processo, concluindo que alguns dos factos já teriam prescrito. Salgado remeteu explicações sobre a carta para o então presidente do Conselho Superior do GES, António Ricciardi, que a VISÃO não conseguiu contactar.