A par do fim dos exames no ensino básico, a recomendação da divulgação e estudo da Constituição da República na escolaridade obrigatória (projecto do grupo parlamentar de Os Verdes) foi aprovada pela Assembleia, depois de ter sido rejeitada em legislatura anterior. Na ocasião, face à proposta dos Verdes, o então presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais, o deputado social-democrata Fernando Negrão entendeu que «os alunos não deveriam ter nenhum contacto com esta constituição». Apesar da perplexidade da deputada Heloísa Apolónia, que alegava um desconhecimento inadmissível dos cidadãos face à sua Lei fundamental, «sobretudo nas camadas mais jovens», Negrão sustentou, em Maio de 2013, que a Constituição de 1976 era «datada» e tinha «uma carga ideológica muito forte».
O projecto, agora aprovado, destaca o facto de a Constituição de 2 de Abril de 1976 encerrar em si «o produto de uma democracia conquistada pela revolução de 25 de Abril de 1974»: «É uma Constituição progressista, pese embora algumas revisões que lhe amputaram bases importantes de consolidação de direitos e garantias». «Nos seus 296 artigos trata de matérias relevantíssimas, entre as quais dos princípios relativos ao nosso Estado Democrático, aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, à organização do poder político, ou à estrutura dos órgãos de soberania».
Embora no 9º ano do Ensino Básico conste, no programa de História, o estudo da organização do poder político, 39 anos depois, a Lei-Mãe do país continua a ser uma total desconhecida para muitos portugueses. O projecto recomenda ainda a disponibilização gratuita a todos os estudantes, do 3º ciclo e do ensino secundário, de um exemplar da Constituição da República Portuguesa.
A professora e socióloga Ana Isabel Pena há muito que tinha dado pela ignorância dos seus alunos. «Para eles, não só a constituição, mas os órgãos soberanos, e os seus poderes, são encarados como algo totalmente abstrato. Não faziam ideia dos poderes da Assembleia, do Governo, do Presidente, do Tribunal Constitucional, nem para que servia um deputado…». Tanto que decidiu, por sua iniciativa, incluir nos seus tempos lectivos várias aulas exclusivamente dedicadas à Constituição e à Declaração Universal dos Direitos do Homem. Os programas fazem uma breve menção, mas a professora entendeu que era fundamental, importante demais para não ser discutido e debatido em sala de aula, alvo de vários trabalhos. Afinal, trata-se de alunos que já votam, «cidadãos de pleno direito» e que devem ser integrados nos valores plenos da cidadania, para não se deixarem facilmente manipular e equivocar.
«É um perfeito disparate aquela velha ideia de que não se deve falar de política, de religião e futebol (sexo já se pode..) nas aulas. Porque pode instalar um clima de instabilidade e conflitos na sala… É claro que é difícil, os alunos tendem a achar tudo uma seca, coisas de políticos, como se fosse um ‘assunto lá deles’, que não lhes diz respeito… Mas depende da maneira como se dá a matéria. Se dermos a Constituição como no meu tempo se aprendiam os Lusíadas, se basearmos as aulas no «empinanço» não vale a pena. Se assentarmos as aulas em discussões, debates, em reflecções, em trabalhos, garanto que eles nunca mais vão esquecer», continua a professora que lecciona num externato em Lisboa, com população escolar complicada, historial de chumbos, e excluída do ensino regular. Mas, acrescenta, trata-se de um externato com tradições republicanas, fez feriado no 5 de Outubro, e colocou uma faixa pelos atentados em Paris e por todas as vítimas do terrorismo.
«Não me interessa nada que saibam artigos de cor, nem que saiam daqui constitucionalistas, mas que percebam as linhas gerais, os direitos, liberdades e garantias, que não confudam conceitos, que percebam que nada disto é adquirido e garantido, qual o papel da constituição na sociedade, que nem sempre foi assim. E eles, que têm um pensamento muito pouco estruturado, começam a pensar. É muito estimulante ‘picá-los’…»,conta. O programa não lhe «dá» tanto tempo quanto isso para estas questões, mas a professora considera que não é uma perda, mas «um ganho».
No entanto, para além das boas intenções da iniciativa, há outras questões que se levantam. Quem vai formar os professores para abordarem estas matérias? Será admissível exigir-lhes mais esta missão? A classe docente anda exaurida, atolada em burocracias, é-lhe exigida cada vez mais, tem problemas gravíssimos com a autoridade, casos de indisciplina, torna-se muito desgastante; os próprios professores não tiveram estas matérias nos seus currículos… e pode bem acontecer o que sucedeu com as aulas de educação sexual, que deixaram muito a desejar. «É uma reflexão que se tem de fazer. A introdução da Constituição no programas escolares é fundamental e já peca por tardia; passamos a vida a dizer que o desconhecimento da lei não beneficia o infractor, mas não damos aos alunos as bases para construirem uma cidadania livre, numa sociedade democrática. Mas na prática, como funciona? Quem vai dar essas aulas?», questiona-se.
Já Ana Cristina Silva, escritora e professora universitária, doutorada em psicologia educacional, concorda que «seja feita uma abordagem à Constituição nas escolas no sentido de se trabalhar a cidadania ( aliás como outras dimensões da cidadania)»: «Parece-me uma forma de incentivar a participação política e cívica dos jovens , assim como um meio para eles conhecerem alguns dos princípios e garantias que orientam a vida politica». Porém, adverte: «É como tudo, depende da forma como é abordado…. que terá de ser sempre na forma de debate e discussão».
Teresa Santa-Clara, Mestre em Ciências da Educação, entende que «sendo a Constituição da República Portuguesa um texto normativo fundamental para o funcionamento da nossa sociedade, faz todo o sentido que, ao longo da escolaridade obrigatória, os jovens possam ler e analisar, pelo menos, os seus artigos mais importantes». Defende que este estudo deva ser feito numa disciplina de formação geral. «Neste momento, algumas disciplinas de formação específica incluem este tema nos seus conteúdos, como é o caso de Ciência Política, disciplina de opção do 12º ano. Mas o importante é proporcionar a todos os alunos o contacto com este texto e não apenas àqueles que frequentam disciplinas de formação específica ». Filosofia seria uma boa opção, uma vez que o seu programa inclui temas como «Ética, direito e política» ou «Construção da cidadania»
Quanto ao Ensino Básico, para Teresa Santa-Clara, «o estudo da Constituição deveria surgir no 9º ano, na Disciplina de História, cujo programa inclui o tema ‘Portugal Democrático’, no âmbito do qual não se prevê o estudo da Constituição – embora se recomende, e bem, leituras muito diversificadas de documentos (poesias, romances, testemunhos, filmes e documentários, etc.) para abordagem a esta época».
«Curiosamente», nota, «o estudo de trechos da Constituição é especificamente recomendado no 6º ano (2º ciclo do Ensino) na disciplina de História e Geografia de Portugal»: «Creio que tal não deve ser invocado como justificação para se não incluir o estudo da Constituição no 3º ciclo e/ou no Secundário, uma vez que a verdadeira compreensão do texto constitucional e das suas implicações exige, claramente, maior maturidade do que aquela que os alunos apresentam no 6º ano».
No âmbito da educação para a cidadania, quarta-feira, dia 2 de Dezembro (11:30), a Escola Secundária Camões abre as portas para o lançamento da reedição da Educação Cívica de António Sérgio, no centenário da sua primeira edição (1915). A sessão conta com a presença de Matilde de Sousa Franco, familiar de António Sérgio, e inclui uma ‘Aula Aberta’ por Guilherme d’Oliveira Martins (administrador da Fundação Calouste Gulbenkian) sobre a Educação Cívica e o pensamento de António Sérgio.
Nesta ocasião vai ser assinado um protocolo entre a Rede de Bibliotecas Escolares (RBE) e a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES) que vai permitir disponibilizar o espólio de António Sérgio, que a CASES tem vindo a tratar, a todas as bibliotecas