Quem o conhece há muito tempo diz que António Costa “tem dificuldade em trabalhar em equipa, em dinamizá-la enquanto equipa”. Por isso, faz sentido que também se diga que “este será um governo ‘de roda de bicicleta’ [por oposição à ‘pirâmide’]: no centro estará o primeiro-ministro, que vai ativando cada pasta” ou, em linguagem de ciclista, cada aro. Ao contrário do que possa parecer, esta imagem não pretende transmitir um Costa demasiado controlador. “Por natureza, ele não é centralizador, pelo contrário!” A lógica é outra. No fundo, haverá áreas que António Costa deixará fluir, porque confia na consistência técnica ou na experiência política da pessoa que está à frente do pelouro e haverá outras a que estará mais atento, porque a conhece menos bem.
Basta ver como pôs as coisas a funcionar na Câmara de Lisboa. Manuel Salgado, responsável, entre muitas outras coisas, pelo Urbanismo e Reabilitação Urbana da autarquia, é dono e senhor do seu pelouro e António Costa, por princípio, não interferia. Deverá repetir o modelo: “muito acessível”, deixará “fluir”, mas estará sempre disponível para quem precise dele. Conhecer António Costa é, contudo, mais complexo do que parece. A priori, poderia pensar-se, a julgar pela confiança (pública e notória) demonstrada em Manuel Salgado, que Costa pudesse deixá-lo no seu lugar, quando decidiu deixar a presidência da autarquia para se dedicar, a tempo inteiro, ao PS. Não o fez. Contra várias vozes, foi buscar o jovem e discreto Fernando Medina para ocupar o lugar. Portanto, com António Costa, nem tudo o que parece é. É preciso parar para pensar, tentar entrar na sua cabeça e perceber a lógica.
Na constituição do governo, por exemplo, há que perceber que equilíbrios quis assegurar entre homens e mulheres (são só quatro ministras, em 18), norte e sul do País (oito são de Lisboa), entre políticos experientes (há oito repetentes) e aqueles sem experiência nenhuma. É também nestes equilíbrios e na capacidade de se criarem ligações dinâmicas de entreajuda que se apoiará quando for chamado a governar.
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GOVERNAÇÃO ‘RODA DE BICICLETA’
Bem próximos do centro da roda da bicicleta estará uma espécie de anel de segurança. Um núcleo duro, político, de coordenação de toda a engrenagem. Dele farão parte dois ministros – Eduardo Cabrita (adjunto do primeiro-ministro) e Maria Manuel Leitão Marques (Presidência e da Reforma Administrativa) – e três secretários de Estado (SE) – Mariana Vieira da Silva (adjunta do PM), Fernando Rocha Andrade (Assuntos Fiscais) e Pedro Nuno Santos (Assuntos Parlamentares). Com estes trabalharão de perto dois pesos-pesados – Vieira da Silva (Trabalho e Segurança Social) e Augusto Santos Silva (Negócios Estrangeiros), que são, com António Costa, os veteranos desta coisa da governação.
Muitas escolhas eram expectáveis. Alguns, como Eduardo Cabrita, têm um passado comum com António Costa. Colegas da Faculdade de Direito, Cabrita foi duas vezes seu secretário de Estado (primeiro como adjunto na Administração Interna, durante o guterrismo, depois como adjunto e da Administração Local, no primeiro governo de José Sócrates). Tido desde cedo como incontornável na equipa, poderia ter ido para a Justiça, Administração Interna, Presidência ou outra pasta qualquer em que o PM indigitado precisasse de uma pessoa da sua confiança. O mesmo se aplica a Fernando Rocha Andrade (subsecretário de Estado da Administração Interna de Costa, em 2005, e um dos 12 “economistas” que trabalharam com Mário Centeno no cenário macroeconómico).
Mariana Vieira da Silva, filha do ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, e uma das responsáveis do programa do governo, não terá dificuldade em fazer a gestão e a comunicação, a partir de S. Bento, das diferentes pastas. Muito discreta, tem experiência acumulada no Largo do Rato e nos gabinetes de Maria de Lurdes Rodrigues e de José Almeida Ribeiro, nos últimos governos socialistas. Tornou-se próxima de Costa e será um nome a reter para o futuro.
A governação far-se-á em São Bento, mas haverá um “braço armado” de Costa no Parlamento, com uma especificidade: João Galamba será o pivot de todas as negociações à esquerda, em nome do partido, e Pedro Nuno Santo terá esse mesmo papel, mas em nome do governo.
Pedro Nuno, ex-líder da JS, socialista “com voz própria”, candidato à sucessão de Costa (quando o momento chegar), estreia-se no governo justamente na pasta em que o atual líder do PS também se estreou, em 1995. António Costa foi SE dos Assuntos Parlamentares, a convite de António Vitorino, durante dois anos, após os quais foi promovido a ministro da mesma pasta. Regressos ao passado à parte, Pedro Nuno Santos e os restantes membros deste “braço armando” na Assembleia da República, farão, obviamente, parte do núcleo político.
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UMA QUESTÃO DE FAMÍLIA
Fora do Palácio de São Bento estarão os restantes elementos da equipa.
Mário Centeno, o homem a quem Costa confiou as contas, terá a trabalhar com ele um dos homens-fortes do PM: Fernando Rocha Andrade. Centeno não tem propriamente experiência política, mas o seu percurso, acreditam os mais próximos de Costa, deu-lhe “tarimba” e, pelos lugares por onde passou mostrou ter iniciativa e capacidade de decisão. Sempre presente nas negociações com o PCP, BE e PEV, também é esperado dele (e de outros, como Vieira da Silva, que terá de lidar com esquerda e direita, na concertação social, de Caldeira Cabral ou de Santos Silva, que estará numa pasta “de Estado”) os contactos com a direita. A prazo.
O nome de Santos Silva foi acolhido com “grande surpresa”, mesmo dentro do PS. Conhecido pela sua verve combativa, antevê-se outra postura de Portugal em Bruxelas. Uma postura “mais política, menos tecnocrata”. Costa já partilhou com ele muitos conselhos de ministros. E trouxe agora para SE um dos adjuntos jurídicos de Santos Silva, quando foi ministro dos Assuntos Parlamentares: Miguel Prata Roque, o professor da Faculdade de Direito que vai coordenar, a partir da Presidência do Conselho de Ministros, a produção legislativa do governo.
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Outros membros deste executivo já passaram por gabinetes. Constança Urbano de Sousa foi assessora jurídica de Costa, no MAI, e responsável pela legislação sobre estrangeiros. Depois foi para a Representação Permanente de Portugal na UE, onde trabalhou nas políticas de Justiça e Assuntos Internos. Também João Pedro Matos Fernandes, atual presidente das Águas do Porto, foi adjunto do SE dos Recursos Naturais, Ricardo Magalhães, entre 1995 e 1997, e chefe de gabinete da ministra do Ambiente, Elisa Ferreira, de 1997 a 1999. Regressa ao mesmo ministério, agora como ministro.
Adalberto Campos Fernandes, o homem que Correia de Campos pôs à frente do Hospital de Santa Maria e que coordenou o programa eleitoral com que o PS concorreu às eleições de 4 de outubro, foi a escolha mais consensual para ministro da Saúde. Igualmente pacífica foi a opção por Capoulas Santos, que repete a pasta por si ocupada durante o guterrismo. E ainda Manuel Heitor, o engenheiro mecânico que foi secretário de Estado de Mariano Gago, e assume a sua herança, tornando-se ministro. João Soares, que foi deputado, presidente da Câmara de Lisboa e eurodeputado, como Costa, chega finalmente a governante. Não na Defesa (para onde foi convidado o especialista em direito internacional Azeredo Lopes), como se apostava, mas na Cultura.
Por fim, outra questão de família (já tínhamos a do pai e filha Vieira da Silva): Ana Paula Vitorino, mulher de Eduardo Cabrita, assume a nova pasta, transversal, do Mar.
Este foi o governo aprovado pelo Presidente da República. Uma equipa de combate, capaz de lidar com o estado do País e com a frustração da oposição que ganhou as eleições e nem sequer conseguiu governar um mês.